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André Rocha

Na maratona da Covid-19, quem vencerá: a cura ou a insensatez coletiva?

André Rocha

14/05/2020 07h28

A Bundesliga será a primeira competição de futebol em alto nível e com visibilidade a tentar voltar. A Alemanha de Angela Merkel tomou as providências necessárias para achatar a curva de contágio da Covid-19 e vai arriscar o retorno do futebol profissional.

Risco. É exatamente este o termo. Porque o cenário é inédito no planeta. Virou clichê, pois é fato. Ninguém tem um quadro sequer parecido para saber como proceder. Sem antecedentes, tudo é teste.

Quem fez lockdown, foi rígido no distanciamento social e nas medidas preventivas começa a tatear a normalidade…e volta a subir a curva de contágio. Porque é humano querer sair, se encontrar, socializar. O consumismo empurra naturalmente para as aglomerações em shoppings.

Mas há um fato que torna questionável qualquer ação em direção à normalidade: não há cura, ainda. Sem remédio ou vacina é impossível sentir segurança. Porque não se sabe sobre o cuidado e as medidas de higiene daquele com que se tem contato. Um vacilo e recomeça a escalada de contaminação: de um para um, para três, para dez, cem…

Imagine no futebol. Esporte, mas também negócio que envolve vários profissionais de diversas áreas. Jogador, treinador, auxiliar, preparador físico, médico, roupeiro, assessor…Um jogo intenso e essencialmente de contato. E aquele que tem alguém dos grupos de risco em casa? Como vai confiar que todos ali estão realmente imunes? E os do adversário? E se alguém mora sozinho, é saudável e assumiu o risco de contaminação?

Não adianta isolar todo mundo por uma semana em hoteis fechados e fazer múltiplos testes. Na Alemanha, quem estiver infectado entra em quarentena de 14 dias. Assim como todos com quem manteve contato. Se alguém falhar…

Já aconteceu na segunda divisão. O Dynamo Dresden, lanterna da disputa, teve dois infectados. O time todo está impossibilitado de jogar por duas rodadas. Imagine com a competição em andamento. Um testa positivo, todo o elenco entra em quarentena e o do adversário também!

Aquilo que chamam de "segunda onda" de contágio, que já acontece em Wuhan, na China, e também na Coreia do Sul, na verdade é apenas uma retomada do fluxo. Pessoas deixam o isolamento social, o contato aumenta, a contaminação volta. Simples e desesperador.

Vivemos o grande impasse dos últimos cem anos. Achamos que a roda da vida seguiria girando ao natural independentemente do que acontecesse. O esporte, principalmente. Se transformou em entretenimento e, por isso, "the show must go on".

O GP de Imola em 1994 foi até a última volta, mesmo com Ayrton Senna morrendo. A tragédia de Heysel em 1985, com 39 mortos, não cancelou a decisão da Copa dos Campeões entre Juventus e Liverpool. A final do Brasileiro de 1992 aconteceu mesmo com a queda de alambrado que matou três e feriu 82 no Maracanã. Os Jogos de Atlanta em 1996 não pararam com o atentado a bomba no Parque Olímpico.

Agora tudo foi contido à forceps. NBA, Olimpíadas, Champions League… Com o mundo conectado é impossível alegar ignorância. Ainda assim, houve atraso que custou vidas. Mas até quando a consciência vai durar?

Quem garante que, no desespero para manter as receitas do negócio, a manutenção dos empregos e a sanidade mental de todos os envolvidos, inclusive o público, o futebol não vai dar de ombros para o coronavirus e seguir a vida, passando por cima dos cadáveres que surgirem pelo caminho?

O nosso cotidiano mostra a linha tênue entre o pragmatismo e a insensibilidade. "Pessoas morrem todos os dias". "E daí?" "Quem não morrer de virus vai perecer pela fome, a Economia não pode parar". E por aí vai. E tende a piorar com o passar do tempo. Um risco crescente de Merkels virarem Bolsonaros por força das circunstâncias. Empurrados por um contexto cruel.

É uma corrida entre a cura, com bilhões sendo investidos em pesquisas para acelerar o processo, e a insensatez coletiva. O grande "foda-se", o maior de todos os tempos. Quem vai ganhar essa maratona?

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.