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André Rocha

Trocar o jogo pelo marketing foi o grande erro do Real Madrid "galáctico"

André Rocha

15/05/2020 09h35

Foto: Getty Images

Uma estrela por temporada. Era a promessa de Florentino Pérez ao assumir o Real Madrid em 2000. Começou tirando Luís Figo do Barcelona. Em 2001, contratou Zinedine Zidane. E no ano seguinte, Ronaldo Fenômeno.

Era a temporada 2002/03. Depois de vencer a Liga dos Campeões no ano anterior, o Real Madrid alcançou o título mundial vencendo o Olimpia por 2 a 0 em Tóquio e faturou a liga espanhola, superando a surpresa Real Sociedad. Na Champions, eliminação nas semifinais para a Juventus, que seria vice-campeã.

Uma jornada que poderia ser considerada natural, mesmo com elenco estelar. A campanha nos pontos corridos não foi tão sólida, mas a equipe de Vicente Del Bosque se afirmou na reta final com maior entrosamento de Ronaldo com os companheiros e a consolidação de uma maneira de jogar.

O desenho tático, na prática, era um 4-2-3-1. O lado forte era o esquerdo, com Roberto Carlos apoiando no corredor deixado por Zidane, que era uma espécie de "ponta articulador", circulando por todo campo. Ronaldo também caía muito por ali. Raúl ficava mais centralizado, como um ponta-de-lança à moda antiga.

Do lado oposto, Luis Figo atuava bem aberto, abusando das jogadas individuais em busca da linha de fundo. Contava com o apoio do brasileiro Flávio Conceição, já que Michel Salgado descia pouco. Fernando Hierro, com 34 anos, liderava a zaga com experiência e Helguera saía mais para cobrir Roberto Carlos.

À frente da defesa, Claude Makelele. 30 anos, posicionamento preciso. Inteligência na leitura dos espaços, senso se cobertura. Também sabia jogar, até pelo passado como ponta direita. Tinha drible e passe corretos. Porém discreto, sem grande marketing. Trabalhava para as estrelas brilharem. Equilibrava o time.

Não era o bastante para Florentino. "Não vendia camisas, por isso foi descartado", afirmou Carlos Queiroz, o treinador do time merengue na temporada seguinte. Para Florentino, o volante não sabia cabecear e não arriscava passes mais longos que de três metros. Hierro discordava, considerando o francês o mais importante jogador da equipe naquele período.

Makelele quis um aumento de salário, Florentino alegou que não tinha recursos. Uma piada considerando que acabara de anunciar a quarta estrela da constelação: David Beckham, por 37,5 milhões de euros. O francês partiu para se consagrar no Chelsea, a partir da temporada 2004/05 com José Mourinho. A ponto de muitos na Inglaterra tratarem a função de primeiro volante como "Makelele role".

E o Real? Bem, Florentino não foi tão feliz na reformulação do elenco. Hierro partiu para o fim da carreira no futebol árabe, atuando pelo Al-Rayyan. Carlos Queiroz queria Gabriel Milito, Luisão ou Pepe. Ficou com Pavón. Contava com Morientes, que foi parar no Monaco. Justamente o algoz da eliminação nas quartas-de-final do torneio continental.

E Beckham? Bem, na função que executava no Manchester United o Real já tinha Figo. A única vaga disponível era o volante apoiador pela direita, já que Flávio Conceição havia sido emprestado para o Borussia Dortmund. Sem Makelele, tentou Guti, Cambiasso, Solari e Raúl Bravo como parceiros do inglês no meio-campo. Mas o fato é que o time perdeu unidade.

Foi o auge da fase "Zidanes e Pavóns". Estrelas na frente buscando encaixe e queimando na fogueira das vaidades, com espanhois de um lado liderados por Raúl, estrangeiros do outro. Ou europeus contra sul-americanos mais à frente, quando Vanderlei Luxemburgo assumiu e, com Robinho em 2005, encheu o elenco de brasileiros.

Na segunda metade de 2004/05, Luxemburgo tentou encontrar uma maneira de abrigar as estrelas, que ganhara Michael Owen para aquela temporada. Florentino pensou que poderia consertar a bobagem de dispensar Makelele contratando o dinamarquês Thomas Gravesen. Ele seria o "cão-de-guarda" protegendo a defesa.

Luxemburgo arriscou inicialmente um losango que teria Gravesen plantado, Beckham pela direita, Zidane à esquerda e Raúl como "enganche". Na frente, Owen e Ronaldo. Figo perdia a vaga com o novo sistema tático. O time até conseguiu uma arrancada, mas não tirou o título do Barcelona de Ronaldinho Gaúcho. Apesar da boa exibição nos 4 a 2 sobre o rival catalão no Santiago Bernabéu.

Na Liga dos Campeões, nova eliminação para a Juventus. No famoso erro admitido por Luxemburgo que minou sua permanência em Madri: tirar Ronaldo no primeiro jogo e Zidane na partida de volta em Turim. Logo as grandes estrelas que dominaram a premiação de melhor do mundo naquele período. Os mais temidos. Beckham também foi sacado pelo treinador brasileiro.

Ainda assim, foi o melhor momento do Real com o camisa 23 até a conquista do titulo em 2006/07. Sem Florentino na presidência, com Fabio Capello no comando técnico e um elenco mais competitivo. Zidane se aposentara, Ronaldo partiria para o Milan na segunda metade, deixando o comando do ataque para Van Nistelrooy, artilheiro do time na temporada com 33 gols.

Foi a única conquista relevante de Beckham, que também vencera a Supercopa da Espanha assim que chegou ao clube. É claro que o inglês protagonizou belos lançamentos, chutes de média/longa distância e cobranças de falta. Também rendeu muito aos cofres do clube, especialmente no mercado asiático. Ajudou demais a reforçar a marca global.

Em campo, porém, dispensar Makelele e contratar Beckham se mostrou o grande erro de Florentino Pérez. A melhor definição foi de Zidane: "Para que aplicar mais uma camada de tinta dourada no Bentley se você acabou de perder o motor?"

O Real Madrid trocou o jogo pelo marketing. No futebol não costuma dar muito certo. Porque nada vende mais e melhor do que um time forte e vencedor.

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.