Alemanha – Blog do André Rocha http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte. Mon, 13 Jul 2020 13:46:43 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Seis anos do 7 a 1 e pouco aprendemos com a derrota. Só copiamos quem vence http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/07/08/seis-anos-do-7-a-1-e-pouco-aprendemos-com-a-derrota-so-copiamos-quem-vence/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/07/08/seis-anos-do-7-a-1-e-pouco-aprendemos-com-a-derrota-so-copiamos-quem-vence/#respond Wed, 08 Jul 2020 17:11:42 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8736

Imagem: Pedro Ugarte / AFP Photo

Seis de setembro de 2014. Menos de dois meses depois da maior derrota da história da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari dava entrevista coletiva no Maracanã como treinador do Grêmio. Este que escreve estava presente, trabalhando na cobertura do jogo para a ESPN Brasil. Altivo e refratário a qualquer questionamento sobre os 7 a 1, Felipão foi tratado pelos jornalistas dos veículos gaúchos, cariocas e nacionais como o dono da razão.

Afinal, seu time havia vencido o Flamengo de Vanderlei Luxemburgo por 1 a 0, gol de Luan, pelo Brasileiro. Encerrando uma série de cinco vitórias do time rubro-negro na competição. Era o primeiro triunfo do tricolor fora de casa sob o comando de Felipão e a equipe ocupava a sexta colocação, quatro à frente do Fla.

Grêmio que terminaria em sétimo e, no ano seguinte, Roger Machado seria o sucessor de Scolari e de um trabalho que deixou terra arrasada e a necessidade de reconstrução. O treinador novato encarou a missão e deixou base e conceitos que seriam aprimorados para em 2017 alcançar o auge com a conquista da Taça Libertadores. Com Renato Gaúcho no comando técnico.

Outro veterano e boleirão que viraria referência no ano seguinte. Junto com Felipão, de volta ao Brasil para comandar o Palmeiras que seria campeão brasileiro; A ponto de no final de 2018, o Flamengo, com nova diretoria liderada por Rodolfo Landim, o vitorioso na eleição para a sucessão de Eduardo Bandeira de Mello, escolher Abel Braga para ser o novo técnico.

Boleiro, perfil “paizão”, bom gestor de vestiário. Essa era a “moda” do futebol brasileiro no início de 2019. Reforçada com os títulos estaduais de Abel no Fla e Renato no Grêmio, mais o início avassalador do Palmeiras no Brasileiro. A ponto de na Copa América, disputada no Brasil, surgirem vozes críticas ao trabalho de Tite que tinham a coragem, quase audácia, de pedir a volta de Felipão no comando da seleção.

No dia 7 de julho, um dia antes de completar cinco anos do “Mineirazo” na semifinal da Copa do Mundo realizada no Brasil, a equipe de Tite conquistou o torneio continental como anfitrião. Sem saber que um furacão estava por vir.

Jorge Jesus no Flamengo. A união de qualidade, conceitos atuais e combinação de características dos jogadores que criou rapidamente um grande time. Cuja vitória de afirmação foi sobre o mesmo Palmeiras de Felipão. 3 a 0 no Maracanã que custou o emprego do técnico gaúcho.

Não foi o único. Fabio Carille, campeão brasileiro em 2017 e tri paulista, também ficou desempregado depois de uma goleada para os rubro-negros por 4 a 1. Assim como Mano Menezes, que caiu na antepenúltima rodada do Brasileiro por conta da derrota do Palmeiras em casa por 3 a 1 para a equipe de Jorge Jesus.

Ambos que carregaram um “hype” nos anos anteriores. Mano pelos títulos da Copa do Brasil pelo Cruzeiro, Carille pelas conquistas no Corinthians e sendo o ponta-de-lança de uma moda que veio antes dos técnicos veteranos: os “jovens, modernos e estudiosos” que ocuparam postos em grandes clubes e sinalizaram uma revolução no futebol brasileiro.

Nem era o caso. Carille simplesmente resgatou a  “identidade Corinthians” que assimilou e ajudou a implementar como auxiliar de Mano e Tite. Em entrevistas, deixava claro que não costumava acompanhar muito o que acontecia nos grandes centros da Europa. Enquanto vencia, essa prática não era criticada pela maioria na imprensa. Muitas vezes foi defendida, como se nossa realidade medíocre fosse imutável e qualquer influência do exterior não pudesse vingar.

Jorge Jesus chegou e virou tudo do avesso. Mas mesmo ele, apesar de toda excelência no desempenho do Flamengo, foi alvo de críticas, senões e “o trabalho é bom, mas…”, só calando a maioria das ressalvas quando alcançou o feito inédito de vencer Brasileiro e Libertadores no mesmo ano. Quebrando um paradigma que já tinha virado uma espécie de dogma: não seria possível disputar ambas em alto nível. Só rodando o elenco e poupando titulares em várias partidas do campeonato por pontos corridos.

Solução de Renato Gaúcho no Grêmio e também tratada como modelo. De Felipão no Palmeiras e depois do próprio Abel no início do Brasileiro pelo Flamengo. Pulverizada com os 5 a 0 na semifinal da Libertadores, com o time de Jesus atropelando a equipe do treinador que era tratado como o sucessor inevitável de Tite na seleção. Renato só não caiu no Grêmio depois do massacre no Maracanã por tudo que conquistou no clube, como jogador e técnico.

Jorge Jesus agora é a referência. Inclusive para a seleção brasileira. Porque venceu. E Tite, hoje questionado, já foi ídolo e tratado como um modelo de ética e competência até para ocupar a Presidência da República. Porque varreu os adversários nas Eliminatórias. A eliminação na Copa do Mundo para a Bélgica em um jogo igual, com tempos distintos, foi suficiente para colocá-lo em xeque.

E só conseguiu o tão sonhado posto na CBF porque em meados de 2016 era o último treinador campeão brasileiro, comandando o Corinthians. A bola da vez e sem concorrentes diretos. Se tivesse perdido o título para o Atlético Mineiro de Levir Culpi em 2015, mesmo com a evolução em métodos e no modelo de jogo depois de um ano “sabático” de estudos, talvez a oportunidade não tivesse surgido.

Enquanto tudo isso acontecia, o trauma e a reflexão sobre os 7 a 1 foi se diluindo com a passagem do tempo. A narrativa do “acidente” se fortaleceu, até pela queda dos alemães depois do ápice com o título mundial. A ponto de Felipão, o grande responsável pelas fragilidades da seleção anfitriã e pelas escolhas infelizes na escalação para o jogo do Mineirão, ser novamente tratado como solução e referência.

Seguimos olhando resultados e navegando ao sabor dos ventos. Na tentativa e erro em loop. O Flamengo se equivocou com Abel, agora acerta com Jesus, que pode voltar para Portugal treinar o Benfica. Se acontecer, quem será a próxima referência? A nova moda ou o “hype” da vez?

Não aprendemos nada, ou muito pouco. Só copiamos, ou tentamos copiar, quem vence. Só respeitamos quem sai com os três pontos. Um imediatismo que faz esquecer tudo muito rápido. O futebol é dinâmico, mas nem tanto.

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Tite e Jorge Jesus: as melhores respostas do futebol brasileiro ao 7 a 1 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/06/01/tite-e-jorge-jesus-as-melhores-respostas-do-futebol-brasileiro-ao-7-a-1/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/06/01/tite-e-jorge-jesus-as-melhores-respostas-do-futebol-brasileiro-ao-7-a-1/#respond Mon, 01 Jun 2020 15:19:04 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8576

Foto: Luciano Belford / Agência O Dia

O Sportv reprisou os 7 a 1 de 2014. Seis anos transformaram a maior derrota brasileira e o grande vexame da história dos esportes coletivos em clichê, inclusive saindo da esfera do futebol para invadir as muitas mazelas do país – “todo dia um 7 a 1 diferente”.

A goleada retumbante no Mineirão em uma semifinal de Copa do Mundo foi o grande revés de uma maneira de ver o jogo. Ou de não ver. Luiz Felipe Scolari mandou os observadores Alexandre Gallo e Roque Júnior ao Maracanã assistirem ao confronto das quartas que dariam o adversário brasileiro: Alemanha x França.

O treinador, porém, não deu muita bola para o que os assistentes disseram. Preferiu acreditar na intuição. E na superstição. Também na mística da camisa verde e amarela e  na força da torcida. Gallo e Roque Júnior sugeriram reforçar o meio-campo. Felipão escolheu Bernard. Porque tinha “alegria nas pernas”. Porque deu certo contra o Uruguai na Copa das Confederações, um ano antes. Resolveu ir para cima, mesmo sem Thiago Silva, o melhor zagueiro, e Neymar, o grande craque da seleção.

Além da escolha errada, encontrou uma Alemanha com fome. Que tinha encontrado a melhor formação, com Lahm de volta à lateral direita e um trio de meio-campistas técnico e versátil: Schweinsteiger, Khedira e Toni Kroos. Klose como referência na frente, puxando Muller para uma função híbrida partindo da direita, mas circulando pelo ataque, e Ozil guardando um pouco mais o lado esquerdo, até porque Howedes praticamente não descia, era um lateral-zagueiro.

Na prática, o que se viu foi a seleção brasileira em uma espécie de 5-1-4. Luiz Gustavo muito afundado perto da defesa, quarteto ofensivo isolado – Bernard e Hulk nas pontas, Oscar por dentro e Fred na frente. E Fernandinho sozinho no meio, entre o trio alemão e levando botes toda hora. Para piorar, um David Luiz tresloucado, num delírio de “Exército de Um Homem Só”, abandonando a defesa para tentar resolver tudo sozinho.

A Alemanha foi absurdamente eficiente em contragolpes e finalizações. Uma tarde única que produziu o placar histórico. Mas estava claro que o Brasil não poderia manter a visão de futebol valorizando o periférico e olhando pouco para o jogo. Por mais que muitos insistam até hoje em passar a mão na cabeça de Felipão por amizade e usar o termo “apagão” para reduzir uma humilhação para nunca mais esquecer.

Mesmo com resistências, alguns agentes do futebol brasileiro se esforçaram para avançar, evoluir. Tite foi o primeiro e  mais significativo. Mesmo campeão da Libertadores e Mundial em 2012, sentiu na virada de 2013 para 2014 que precisava aprender, ampliar o repertório. Ele que já havia afirmado no Brasil a marcação por zona em detrimento dos encaixes com perseguições individuais típicos. Também valorizado a compactação entre os setores. Mas ainda era pouco.

Rodou a Europa, fez uma espécie de “estágio” com Carlo Ancelotti no Real Madrid, estudou muito o Barcelona que começava a sinalizar o “arrastão” do trio Messi-Suárez-Neymar e voltou com elementos para acrescentar ao seu estilo, especialmente na fase ofensiva. Pensou em aplicar na seleção, mas a CBF preferiu Dunga.

Acabou voltando ao Corinthians em 2015. Precisou queimar etapas de preparação para tornar a equipe competitiva nas fases preliminares da Libertadores, teve a Flórida Cup para atrapalhar, mas deu uma boa resposta inicial que cobrou caro mais à frente. A oscilação depois de superar São Paulo, San Lorenzo e Danúbio na fase de grupos veio com problemas internos, como atraso de salários. Custou o Paulista e a elminação para o Guaraní paraguaio nas oitavas.

No Brasileiro, um ajuste fino no acréscimo de conceitos formou um time fortíssimo. Competitivo e capaz de proporcionar momentos de espetáculo. O Corinthians do Renato Augusto organizador, de Elias infiltrador como meia em um 4-1-4-1. De Jadson “ponta articulador” partindo da direita para circular às costas dos volantes adversários e ainda abrindo o corredor para Fagner. Uma equipe que apostava demais nas triangulações nas ações de ataque. Campeã brasileira sobrando na reta final, com direito a 3 a 0 sobre o Atlético Mineiro no Independência para consolidar a conquista.

Com a demissão de Dunga depois do fracasso na Copa América Centenário, era a vez de Tite. Que passou por cima de convicções acerca do “modus operandi” da CBF em nome do sonho de dirigir a seleção. E levou suas ideias e o “modelo Corinthians” para comandar Neymar, Philippe Coutinho, Gabriel Jesus e companhia.

Obviamente sem deixar de pensar no entorno. Criou um clima positivo com jogadores e imprensa. E repaginou a seleção no mesmo 4-1-4-1, trazendo Renato Augusto para a função única de organizador. Paulinho era Elias, Casemiro era Ralf, Coutinho era Jadson, Jesus era Love. E Neymar não era Malcom, mas o grande protagonista.

De sexto lugar e ameaçado a ficar de fora da Copa em agosto de 2016 a líder absoluto das Eliminatórias com classificação antecipada. Mas o ciclo de apenas dois anos começou a cobrar o preço em novembro de 2017, com o empate sem gols com a Inglaterra em Wembley que revelou a dificuldade de furar a linha de cinco defensores. Problema que virou drama com o sorteio para a Copa na Rússia que colocou no caminho Suíça, Costa Rica e Sérvia. Todas que em algum momento jogaram com linha de cinco e poderiam repetir contra o favorito Brasil.

Tite tentou uma nova “revolução”. Acrescentando elementos do ataque de posição. Trocando o Renato Augusto com problemas físicos por Willian. Um ponta para abrir o campo pela direita, trazendo Coutinho para o meio com Paulinho. Mais posse de bola e um jogo planejado para furar retrancas.

Sofreu com o corte por lesão de Daniel Alves e a recuperação tardia de Neymar. Mas fez uma Copa digna comparada com a saga tortuosa de 2014. Ao menos Tite buscava soluções olhando para o campo. Douglas Costa, Roberto Firmino, o próprio Renato Augusto. Os que mudaram o segundo tempo contra a Bélgica e quase recuperaram os 2 a 0 da primeira etapa. Faltou a eficiência nas finalizações.

Tite seguiu no comando técnico da seleção. Uma rara permanência sem título da CBF. Justa, porque o saldo dos dois anos  foi bastante positivo. Hoje parece um passado distante em tempos tão acelerados, mas o treinador era ídolo antes do Mundial, especialmente depois da “revanche” contra os alemães a poucos meses da Copa. Para os incautos era visto até como um exemplo para os candidatos a presidente.

2019 trouxe o título da Copa América disputada no Brasil, mas também uma sensação de estagnação. Em desempenho e resultados. Tite manteve a ideia do ataque guardando posições, de se instalar no campo ofensivo e valorizar a posse. Mas Arthur não trouxe a dinâmica na circulação da bola e Firmino não se afirmou como “falso nove”, função que exerce com brilhantismo no Liverpool.

Com Tite dando a impressão de que havia batido no teto, o futebol cinco vezes campeão mundial ficou um tanto órfão. A ponto de Felipão, redivivo com o título brasileiro do Palmeiras, voltar a ser tratado por alguns como uma velha/nova solução. Chocante e desanimador. Era preciso reencontrar um norte. Buscar uma resposta.

Veio de Portugal. Ou melhor, da Arábia Saudita. Jorge Jesus deixou o Al Hilal e acertou com o Flamengo, que efetuou uma correção de rota após a opção infeliz por Abel Braga. Inspirada na onda de técnicos experientes e boleirões que veio com o sucesso de Scolari no ano anterior. Abel deixou De Arrascaeta no banco para manter Willian Arão ao lado de Cuéllar à frente da defesa. Não queria um “time de índios”.

Jesus sofreu com a adaptação em um início já com partidas decisivas na Copa do Brasil e na Libertadores. Caiu nos pênaltis contra o Athletico pelo mata-mata nacional, mas sobreviveu contra o Emelec nas oitavas sul-americanas e teve tempo para encaixar os quatro que chegaram para o segundo semestre – Rafinha, Pablo Marí, Filipe Luís e Gérson – com os quatro contratados em janeiro: Rodrigo Caio, Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabriel Barbosa. Mantendo Diego Alves na meta e Everton Ribeiro como o ponta articulador.

Transformou Willian Arão em um ótimo primeiro volante. Com estatura para colaborar no jogo aéreo ofensivo e defensivo, qualidade técnica na saída de bola e capacidade de infiltração para momentos específicos visando surpreender os adversários.

Montou o melhor time brasileiro da década, superando o próprio Corinthians de Tite. Entregando respostas velhas e novas. Como reunir todos os talentos? Fazendo todos se comprometerem sem a  bola. Como não se expor defensivamente? Pressionando no ataque.

Como furar retrancas com linha de cinco na defesa? Aumentando a pressão, roubando bolas na frente e definindo rápido as jogadas. Ou variando taticamente sem trocar peças. O 4-1-3-2 básico pode se transformar em 4-2-3-1 ou 4-3-3. Bruno Henrique pode fazer dupla com Gabriel Barbosa ou trabalhar pelos flancos como ponteiro. Everton Ribeiro e Arrascaeta podem trabalhar por dentro. Gabriel abrir pela direita.

Deu certo com o ano histórico do feito inédito de vencer Brasileiro e Libertadores. E já entrava em uma segunda etapa de conquistas e evolução faturando as taças da Supercopa do Brasil, Recopa Sul-Americana e Taça Guanabara. Ampliando o repertório e as possibilidades com um elenco mais recheado. Parado pela pandemia e agora com futuro incerto.

Ainda assim, um salto tão grande, trazendo Jorge Sampaoli na carona, que fez os técnicos brasileiros parecerem mais anacrônicos que em 2014. Renato Gaúcho, o grande favorito para suceder Tite na seleção, foi humilhado na semifinal da Libertadores com 6 a 1 no agregado e superioridade clara dos rubro-negros até no empate por 1 a 1 em Porto Alegre. Com direito a nova vitória, no Brasileiro, por 1 a 0 em Porto Alegre com Jesus poupando oito titulares para a final do torneio continental contra o River Plate.

Jesus virou tudo de ponta a cabeça. Sem ser hoje um dos melhores treinadores do planeta. Longe da primeira prateleira, mas com um olhar europeu que, com respaldo da direção do Flamengo e qualidade do elenco para executar suas ideias em campo, se impôs de maneira contundente.

Primeiro Tite, depois Jorge Jesus. As melhores respostas no futebol brasileiro aos 7 a 1 que deveriam ser tratados como um corretivo pedagógico, mas são vistos como “tragédia”. Felizmente o tempo não pára e a evolução arrasta, ainda que lentamente. Qual será o próximo passo?

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Cinco momentos em que o acaso protegeu o Brasil-2002 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/13/cinco-momentos-em-que-o-acaso-protegeu-o-brasil-2002/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/13/cinco-momentos-em-que-o-acaso-protegeu-o-brasil-2002/#respond Mon, 13 Apr 2020 05:45:03 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8296

Foto: Divulgação / FIFA

Se em 1982 não era para ser, vinte anos depois tudo conspirou a favor da seleção brasileira. Mesmo com quatro treinadores no ciclo – Vanderlei Luxemburgo, Candinho, Emerson Leão e Luiz Felipe Scolari – e muita desorganização, sem grupo nem time definido até dois meses antes da viagem para a Ásia.

É óbvio que houve muitos méritos em campo e fora dele na conquista do título mundial, o quinto e último da seleção mais vencedora do planeta, mas o acaso protegeu a “Família Scolari” em momentos cruciais até a grande final, relembrada pela TV Globo no domingo. Por isso o blog lista cinco acontecimentos que ajudaram a construir a história do campeão mundial no Japão e na Coréia do Sul.

1 – O descarte de Romário

Felipão nunca explicou com clareza a razão de ter descartado Romário bem antes da lista final para o Mundial, apesar do clamor popular, especialmente no Rio de Janeiro, sede da CBF. A cada entrevista uma versão diferente, inclusive admitindo que quase cedeu ao último apelo emocionado do craque veterano. Mas sempre sinalizou que tinha a ver com gestão de vestiário, falta de confiança no jogador.

A decisão, porém, beneficiou mais o treinador no campo. Sem o heroi do tetra, Felipão pôde encaixar o trio de R’s – Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo e Ronaldo Fenômeno –  que o encantou nos 4 a 2 sobre a Argentina num amistoso em Porto Alegre, ainda sob o comando de Luxemburgo em 1999. Com o Baixinho, o técnico poderia ser pressionado e antecipar em quatro anos um “quarteto mágico” só no papel que dificilmente funcionaria na prática. Até pela pouca mobilidade de Romário com 36 anos.  Com o título, Felipão saiu como heroi visionário que assumiu os riscos e tinha razão.

2 – A “descoberta” de Gilberto Silva e Kléberson

Felipão virou 2002 com um time na cabeça, usando a base da equipe que venceu a Venezuela por 3 a 0 em São Luís e esperando pela incógnita Ronaldo, em recuperação de seríssima lesão no joelho direito. Mas faltavam opções para fechar os 23 convocados. O caminho até então tinha sido tortuoso, com eliminação na Copa América para Honduras e sofrimento para se classificar para o Mundial, com vaga confirmada só em novembro.

Nos primeiros amistosos do ano, Felipão resolveu fazer experiências convocando jogadores que vinham se destacando no cenário nacional. Nas goleadas sobre Bolívia por 6 a 0 no Serra Dourada e 6 a 1 na Islância em Cuiabá, além do 1 a 0 sobre a Arábia Saudita, em Riad, acabou “descobrindo” Gilberto Silva e Kléberson. A dupla dos Atléticos – Mineiro e Paranaense, este campeão brasileiro – marcou cinco gols e foi convocada para a reserva de Emerson e Juninho Paulista. Terminaram a campanha como titulares e fundamentais. Mérito do treinador, mas também muita sorte em uma escolha forçada pelas circunstâncias.

3 – As eliminações das favoritas Argentina e França

O Brasil estreou no Mundial diante da Turquia com tantas incertezas que pensar em título era utópico. Principalmente porque havia duas seleções como favoritas destacadas: a Argentina intensa de Marcelo Bielsa, líder das Eliminatórias e inspiração para o 3-4-3 de Felipão, e a França campeã mundial de 1998, da Eurocopa em 2000 e da Copa das Confederações em 2001. Disparada a melhor seleção do planeta.

Mas a Albiceleste sucumbiu em um duro grupo com Inglaterra, Nigéria e Suécia e voltou para casa. Assim como a França de jogadores desgastados e Zinedine Zidane destruído pela temporada europeia com título da Liga dos Campeões e golaço na final. Eliminada sem ir às redes uma única vez contra Uruguai, Senegal e Dinamarca. Vexames que pavimentaram o caminho para a seleção brasileira.

4 – O gol anulado da Bélgica nas oitavas

O primeiro tempo da disputa das oitavas de final foi de tensão pura para a equipe de Felipão. Totalmente desorganizada, com um buraco entre os três zagueiros, os alas Cafu e Roberto Carlos, mais Gilberto Silva à frente da defesa, e os três talentos na frente que Juninho Paulista não conseguia cobrir.

A Bélgica jogava com personalidade e muitos espaços, por dentro e nas laterais. Aos 35 minutos, uma jogada trabalhada com toda liberdade desde a ligação direta do goleiro De Vliegers foi parar no setor direito e de lá o cruzamento na cabeça de Marc Wilmots. Disputa absolutamente normal com Roque Junior, bola na rede e gol anulado. Um absurdo que tranquilizou a seleção que, na volta do intervalo, mesmo sem jogar bem, achou dois gols no talento de Rivaldo e Ronaldo e também o time da reta final com Kléberson na vaga de Juninho.

5 – A ausência de Ballack na final

A decisão em Yokohama foi tensa e equilibrada. A rigor, definida pela noite feliz de Marcos, um dos herois da conquista com grandes defesas, e a falha grotesca de Oliver Kahn, eleito o melhor da Copa antes da final, no primeiro gol de Ronaldo. Artilheiro letal ao aproveitar os erros adversários e também os lampejos de Rivaldo, que não foi bem na primeira etapa.

Clássico mundial que poderia ser ainda mais duro se o craque da Alemanha entre os dez da linha estivesse em campo. Michael Ballack foi suspenso pelo segundo amarelo na semifinal contra a Coreia do Sul. O autor do gol que colocou a desacreditada equipe de Rudi Voller na final. Liderança técnica e anímica, uma ausência que isolou Miroslav Klose no ataque e tirou volume de jogo dos alemães. O golpe derradeiro da ventura que empurrou o Brasil para o título.

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Os dez maiores jogadores do século 21 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/05/os-dez-maiores-jogadores-do-seculo-21/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/05/os-dez-maiores-jogadores-do-seculo-21/#respond Sun, 05 Apr 2020 12:27:36 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8253

Foto: Reuters

Antes que comece a gritaria é bom lembrar: “Melhor” tem relação exclusiva com a qualidade, quem joga mais. “Maior” tem a ver com feitos, conquistas dentro de um patamar igual ou bem próximo no talento.

Dito isso, vamos à lista:

1º – Cristiano Ronaldo – Ele não é melhor que Messi, mas compensa menos talento com mais força mental, trabalho, liderança positiva e conquistas. Em clubes e seleção. Venceu no Manchester United, no Real Madrid e agora na Juventus, ainda que apenas dentro da Itália. O “Mr. Champions”, com cinco conquistas. Pela seleção portuguesa, títulos da Eurocopa e Liga das Nações. Só tem uma Bola de Ouro a menos que Messi pela escolha “política” de Luka Modric em 2018. O maior jogador nascido na Europa em toda a história.

2º – Lionel Messi – O melhor que este que escreve viu jogar em quase quarenta anos acompanhando futebol. O maior jogador do grande clube do século 21. Mas para fazer rankings é preciso ter parâmetros e a escolha é pessoal. E o futebol de seleções ainda é muito relevante e aí está o grande porém da carreira do argentino. Mesmo sendo o maior artilheiro da albiceleste e descontando a bagunça da AFA e os gols perdidos pelos companheiros nas grandes decisões, a falta de uma conquista relevante pesa na disputa já lendária com CR7.

Cabe mais um parágrafo necessário sobre a dupla:

Sim, ainda falta uma Copa do Mundo para os dois. Pela maior tradição da Argentina, essa lacuna pesa mais para Messi. Mas rivalizar jogando em altíssimo nível e quebrando recordes por mais de uma década, só eles. Uma história que certamente será tema de filmes quando os dois se aposentarem. Nem precisa de distanciamento histórico para ter a dimensão do que fizeram, inclusive aumentar relevância da Liga dos Campeões no esporte.

Seguindo:

3º – Ronaldinho Gaúcho – Campeão mundial com o Brasil, da Liga dos Campeões pelo Barcelona e da Libertadores com o Atlético Mineiro. Currículo único, trajetória particularíssima. Talento puro que enquanto conseguiu ser competitivo encantou a ponto de concorrer ao Olimpo de Pelé e Maradona. A chance era ser bicampeão em 2006 com a seleção na Copa da Alemanha como protagonista. Mas falhou miseravelmente e algo se desconectou, vivendo de espasmos de genialidade. Uma pena.

4º – Ronaldo Fenômeno – Talvez não tenha sido melhor que Rivaldo em 2002. Mas a recuperação espetacular e o título mundial com artilharia absoluta depois de ter o joelho direito praticamente condenado para jogar no mais alto nível é a grande história do futebol deste século. De um atacante que até 1999 foi o Fenômeno que mudou a rotação do jogo. Depois viveu de lampejos e briga com a balança, mas ainda um atacante genial. Sem as grandes arrancadas, aprimorou a finalização para seguir brilhando.

5º – Zinedine Zidane – Outro que teve a chance de subir à primeira prateleira da história. A partir das oitavas em 2006, uma das grandes performances individuais em Copas do Mundo. Atuação magistral contra o Brasil favorito nas quartas. A chance da consagração na final, mas uma cabeçada na bola parou em Buffon e a que acertou em Materazzi encerrou o sonho e a carreira vitoriosa, com direito a gol antológico pelo Real Madrid na final da Champions 2001/02. O grande feito do francês no século.

6º – Xavi Hernández – Craque da Eurocopa 2008 na grande virada de chave histórica da Espanha. Da “Fúria” que passava longe das conquistas para a “Roja” bi do continente e campeã mundial em 2010. Fora os muitos títulos com o Barcelona. Com Pep Guardiola deu um salto de qualidade e se tornou ainda mais líder e o grande facilitador para o talento de Messi. Controlador do jogo e da bola. Toca e desloca, tic-tac. Uma pena ter se destacado na Era Messi x CR7. Merecia ao menos uma Bola de Ouro.

7º – Andrés Iniesta – Quatro anos mais novo que Xavi, viveu seu auge na Euro de 2012, com protagonismo na conquista. Sem contar o gol do título mundial na prorrogação contra a Holanda na África do Sul dois anos antes. Outro currículo impressionante de quem também jogou para ser melhor do mundo ao menos por uma temporada. Sabia ditar o ritmo como “oito”, mas também alternar pelos lados com intensidade. O estilo que dava liga a Xavi e Messi no Barcelona histórico.

8º – Kaká – O último Bola de Ouro antes do domínio de Messi e Cristiano Ronaldo. O único inquestionável na concorrência com os dois gênios. Pela temporada espetacular de 2006/07, a melhor da carreira. Imparável nos “sprints” que podiam ser de área a área, inteligente na movimentação ofensiva do 4-3-2-1 de Carlo Ancelotti no Milan. O último grande momento de uma carreira abreviada no mais alto nível por problemas físicos. Faltou também uma grande Copa do Mundo como protagonista.

9º – Toni Kroos – Mais um grande meio-campista do século. Multicampeão por Bayern de Munique, Real Madrid e seleção alemã. Capaz de executar no mais alto nível todas as funções no meio-campo, de área a área. Outro que seria mais reconhecido se não houvesse uma dupla de protagonistas tão absoluta. Os 7 a 1 são tratados sempre como a nossa tragédia, mas aquela tarde no Mineirão foi do meia alemão, com eficiência assombrosa em tudo que executou. Cracaço!

10º Andrea Pirlo – O “regista” do Milan bicampeão da Champions e da Itália campeã mundial de 2006. Ainda levou a Azzurra nas costas até a final da Euro 2012, aos 33 anos. Três anos depois estaria em uma final de Champions pela Juventus contra o Barcelona. O camisa dez que foi recuando e influenciou no jogo ao mostrar que os espaços mais atrás para organizar e articular poderiam ser preciosos e decisivos. Passes curtos e longos, acelerando e cadenciando. Um monstro!

 

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Quatro anos sem Cruyff: Holanda-74 misturava Liverpool e Flamengo http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/03/24/quatro-anos-sem-cruyff-holanda-74-misturava-liverpool-e-flamengo/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/03/24/quatro-anos-sem-cruyff-holanda-74-misturava-liverpool-e-flamengo/#respond Tue, 24 Mar 2020 13:32:13 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8201

Foto: Reuters

Confesso que o comentário do leitor “mpereira1963” no post sobre as seis partidas que mudaram a história do jogo gerou um desconforto:

Não era pra ter um jogo da Holanda 74 nesta lista? A maior revolução tática do esporte não merecia um espaço aqui? Eita.”

Na hora de elaborar a lista, confesso que não consegui definir uma das sete partidas da seleção comandada por Rinus Michels como a mais simbólica em uma mudança no esporte. A campanha toda foi muito marcante.

Mas como tenho os jogos contra Uruguai, Argentina, Brasil e Alemanha gravados e não vem faltando tempo com a quarentena pelo coronavírus, fui rever as partidas do “Carrossel Holandês” no Mundial disputado há 46 anos.

Para quem estuda futebol, recomendo esse exercício. Porque conforme o jogo evolui, o olhar muda e a tendência é passar a prestar atenção em nuances que antes passavam batidas.

Como era intensa! Na pressão logo após a perda, na circulação da bola e, principalmente, na movimentação. A Era Guardiola no Barcelona e o fato do treinador catalão citar Johan Cruyff como grande mentor nos induziam a ver semelhanças. Não havia, porém, o menor sinal do jogo de posição ou localização naquela Holanda.

Ainda que os pontas Johnny Rep e Rob Rensenbrink muitas vezes ficassem bem abertos e alargassem o campo, eles não necessariamente esperavam a bola para jogar. Participavam ativamente das trocas de funções com Cruyff e Neeskens na frente. Não raro ver os ponteiros serem ultrapassados pelos laterais Suurbier e Krol e cobrirem os espaços deixados na perda da bola.

O sistema tático era mutante, mas poderia ser chamado de “4-3-Cruyff-2”. Porque o camisa 14, craque e capitão tinha ainda mais liberdade que a concedida aos companheiros para circular por todo campo partindo do centro do ataque. Era o “falso nove” por excelência. A ponto de receber a bola como o jogador mais recuado e arrancar para sofrer o pênalti convertido por Neeskens no início da decisão da Copa.

O “4-3-Cruyff-2” da Holanda de Rinus Michels tinha movimentação, pressão e muito volume de jogo para sufocar os adversários (Tactical Pad).

Essa mistura de liberdade para se mexer e pressão obsessiva para recuperar a bola lembra muito o que Liverpool e Flamengo fazem hoje. Jorge Jesus fez estágio no início da carreira com Cruyff e as escolas alemães e holandesas sempre trocaram muitas influências, apesar da rivalidade entre os países. E Jürgen Klopp bebeu deste caldeirão de referências.

Portanto, quando vemos Salah, Mané e Firmino trocando posições e funções e os laterais Alexander-Arnold e Robertson atacando ao mesmo tempo, isso passa pela Holanda-74. Assim como o Flamengo subindo o time todo para fazer pressão na saída do adversário, recorrendo a encaixes e perseguições eventuais no setor da bola.

A combinação de características também era interessante. Suurbier tinha mais força física pela direita para buscar o fundo, Ruud Krol mais técnica do lado oposto, inclusive atacando muitas vezes por dentro. Na zaga, o “líbero” Haan mais técnico e Rijsbergen mais “zagueiro”, forte nas disputas com os atacantes. Todos protegidos pelo goleiro Jongbloed, que não era brilhante, mas sabia jogar adiantado e participar da construção do jogo.

No meio-campo, Jansen era incansável, normalmente ocupando o lado direito e às vezes fazendo todo o corredor como um ala. Muito dinâmico.  Já Van Hanegem era o organizador,quem decidia junto com Cruyff se o time trocaria mais passes e circularia mais a bola ou seguiria atacando com agressividade. O meia-armador atrás do ponta-de-lança Neeskens, se é que podemos rotulá-los como o futebol da época.

Todos se movimentando com a bola e saindo para abafar o adversário na perda. A posse era construída por esse volume, além da inteligência para saber como se comportar em qualquer região do campo. Como dizia Cruyff, cada jogador fica no máximo três minutos com a  bola em 90 minutos. Logo, o mais importante é o que se faz sem ela nos outros 87.

Por que não venceu? Talvez tenha faltado um autêntico homem-gol, o artilheiro capaz de decidir em poucas oportunidades. Como a Alemanha contava com Gerd Muller, que fez o gol do título no final do primeiro tempo. Em todas as partidas, a Holanda desperdiçou muitas chances. A campanha poderia ter sido ainda mais avassaladora.

Quem sabe o gás não tenha acabado? Afinal, a proposta de jogo poderia estar à frente do tempo, mas a preparação física era a da primeira metade dos anos 1970. Difícil manter aquela intensidade em uma sequência de sete partidas em um mês. Ainda mais dispendendo energia naqueles “arrastões” com os dez jogadores de linha atacando o adversário com a bola para colocar os demais em impedimento e amassar psicologicamente.

E os alemães, comandados por Helmut Schön, tinham craques e força mental. De novo buscando referências atuais, seria uma espécie de Real Madrid tricampeão da Champions. Imagine começar uma final de Copa em casa levando um gol sem tocar na bola. Muitos se desmanchariam, menos a Alemanha de Maier, Beckenbauer, Breitner, Overath e Muller.

Aliás, a final foi um jogaço! Especialmente o primeiro tempo disputado em um ritmo alucinante. Com Bert Vogts perseguindo Cruyff como Gentile faria com Maradona e Zico oito anos depois. E uma Holanda menos móvel e mais cautelosa, claramente intimidada com a atmosfera no estádio em Munique e a vontade inquebrantável dos rivais.

Michels merecia o título pela revolução que promoveu, incluindo, principalmente, conceitos do basquete no futebol. Reinventando o que aprendeu com o inglês Jack Reynolds, seu treinador no Ajax. A conquista com a seleção só viria 14 anos depois, na Eurocopa de 1988. Muitos dizem que replicar aquelas ideias só foi possível agora, com a evolução na preparação física.

Mas não era difícil notar ecos da “Laranja Mecânica” na Argentina de Menotti campeã mundial em 1978, no Brasil de Telê Santana em 1982, no Milan de Arrigo Sacchi e, claro, no “Dream Team” do Barcelona comandado por Cruyff que venceu a primeira Liga dos Campeões do clube em 1991/92.

Era bonito de ver. Não só pela qualidade técnica e tática, mas por conta do fator surpresa. Especialmente na estreia, contra o Uruguai. Os adversários olhavam atônitos aquela avalanche do “Futebol Total”. O jogo de 2020, mas em 1974.

Uma ótima lembrança neste 24 de março, quando se completa quatro anos sem Cruyff entre nós. O legado, porém, segue intacto. Ou se transformando sem parar.

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O “risco Messi” para o Brasil na semifinal http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/06/29/o-risco-messi-para-o-brasil-na-semifinal/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/06/29/o-risco-messi-para-o-brasil-na-semifinal/#respond Sat, 29 Jun 2019 10:48:44 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=6774

Em 2014, a Alemanha encontrou a melhor escalação, com Lahm na lateral direita e Klose entrando no ataque, contra a França no Maracanã disputando as quartas de final da Copa do Mundo. Foi para a semifinal no Mineirão e sabemos o desfecho…

Quatro anos depois, a Bélgica construiu uma incrível virada nas oitavas do Mundial na Rússia sobre o Japão com Fellaini e Chadli entrando no segundo tempo e marcando os últimos gols dos 3 a 2. Viraram titulares nas quartas contra o Brasil e…

Copa América não é Mundial, mas a responsabilidade da seleção brasileira em casa é grande. Por ter vencido todas as edições em que foi sede e para garantir menos tensão para Tite e comissão técnica na sequência do trabalho pensando em 2022.

A Argentina não mostrou nada demais até agora. Como previsto, os gols no início de Lautaro Martínez condicionaram os jogos contra Catar e Venezuela, dando mais tranquilidade a uma equipe abalada por tantos reveses. Seleção bicampeã do mundo sem títulos desde 1993.

Mas resgatou confiança e sinalizou para o treinador Lionel Scaloni que o 4-3-1-2, com Messi de “enganche” atrás de dois atacantes, entrega algumas soluções ofensivas que tornaram o time mais contundente. Foram 13 finalizações nas quartas de final no Maracanã, sete no alvo, contra seis dos venezuelanos. Mais 17 contra o Catar, oito na direção da meta adversária.

Mesmo considerando a fragilidade dos adversários, foi uma evolução em relação às 12 contra a Colômbia, precisando reverter uma desvantagem, e apenas sete diante dos paraguaios no empate por 1 a 1. Mais jogadores na frente, pisando na área do oponente, e um estilo mais direto, de acionamento frequente de Aguero e Lautaro.

É impossível esperar mais da albiceleste porque não há trabalho consolidado. O treinador não é dos mais experientes e capacitados e o processo de renovação está sendo feito a toque de caixa. Mas conseguiu tirar da cartola algumas boas atuações, como do zagueiro Foyth improvisado na lateral direita, de Paredes na proteção e distribuição de jogo desde a defesa e do próprio Lautaro, decisivo. Mesmo que este seja sempre o escolhido para sair no segundo tempo. Uma questão de “hierarquia” que faz a equipe perder força na frente.

Por incrível que pareça, ainda falta Messi na Argentina. Não que sua contribuição na armação de jogadas não seja importante. Mas o rei das assistências na Europa ainda não entregou um passe para gol e só serviu os companheiros em lances que terminaram em finalizações por quatro vezes, média de um por partida. Gol só de pênalti, sobre os paraguaios. Para o padrão do camisa dez é muito pouco, mesmo considerando os problemas coletivos de sua seleção. Nem os gramados ruins justificam o baixo rendimento até agora.

O perigo para o Brasil é o craque genial despertar no torneio justamente agora. Como alemães e belgas encontraram suas melhores versões nos últimos Mundiais quando a camisa verde e amarela cruzou o caminho. Afinal, na prática faltam dois jogos para os argentinos encerrarem um jejum de conquistas que chega a 26 anos. Se a estrela maior desequilibrar, como fez nas duas últimas edições até a grande decisão, a missão que parecia improvável fica mais possível.

É melhor que Tite e seus comandados estejam atentos ao “risco Messi” da semifinal.

(Estatísticas: Footstats)

 

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Copa América reforça: futebol moderno em alto nível é dos clubes europeus http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/06/24/copa-america-reforca-futebol-moderno-em-alto-nivel-e-dos-clubes-europeus/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/06/24/copa-america-reforca-futebol-moderno-em-alto-nivel-e-dos-clubes-europeus/#respond Mon, 24 Jun 2019 09:46:56 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=6749

França campeã mundial, Portugal vencedor da Eurocopa e Chile bi da Copa América. Qual destas seleções demonstrou um futebol de fato consistente dentro de suas propostas, independentemente da questão estética?

Pois é. Tirando um ou outro espasmo, aqui como lá, o desempenho médio ficou muito aquém do futebol moderno realmente em alto nível. Hoje privilégio dos grandes clubes europeus, mais especificamente a Liga dos Campeões. Ainda que a última final da maior competição continental que contou com ótimo rendimento ao menos de uma das equipes tenha sido a de 2016/17, com o espetáculo do Real Madrid nos 4 a 1 sobre a Juventus em Cardiff.

Nas duas últimas, muita tensão pelo que havia em jogo e uma disputa mais mental que técnica ou tática. É de se pensar se o período sem jogos entre o fim das ligas e a grande decisão europeia paradoxalmente não vem atrapalhando corpos e mentes acostumados a constante atividade.

Pode ser também um dos fatores que prejudicam o futebol de seleções. Os jogadores vêm de seus clubes carregando todos os condicionamentos, jogadas executadas sem pensar, até por conta do tempo e do espaço reduzidos, e precisam rememorar os movimentos praticados com seus compatriotas. Isso quando há uma base montada.

É bem provável que a Copa América 2019 tenha hoje o seu primeiro jogo realmente de bom nível, entre Chile e Uruguai no Maracanã, fechando o Grupo C e a primeira fase do torneio. A Celeste com o trabalho de Óscar Tabárez desde 2006 e a busca de um maior repertório além das jogadas aéreas e do jogo direto para Cavani e Suárez; a Roja tentando o tricampeonato com o terceiro treinador diferente – Sampaoli, Pizzi e agora Reinaldo Rueda. Mantendo, porém, uma base experiente e qualificada, a melhor da história do país. Apesar da decepcionante campanha nas Eliminatórias que limou a participação na Copa do Mundo na Rússia.

Equipes que tentam aproximar suas propostas: o Uruguai busca ficar mais com a bola, o Chile procura solidez defensiva e competitividade, mas sem abrir mão das próprias virtudes. Futebol versátil, de acordo com a demanda. Porque é o que a “elite” faz, mas com a possibilidade do dia a dia. Treina, repete, corrige, repensa, aprimora. Há tempo. Também o alto faturamento, no caso dos clubes mais ricos, para contratar quem possa adicionar talento e casar melhor com as características dos companheiros. Sem a “barreira” da pátria.

Para tornar tudo mais complicado, os principais torneios entre seleções acontecem no final da temporada europeia. Cada vez mais desgastante para pernas e cérebros, só deixando os “bagaços” para as seleções. Outro obstáculo para desenvolver um jogo mais elaborado. No torneio sul-americano disputado no Brasil, os gramados ruins são mais uma dificuldade.

Eis o ponto. É mais simples montar as retrancas modernas, com linhas compactas, sincronia de movimentos para negar espaços principalmente no “funil” e muita intensidade, pressionando o adversário com a bola. As seleções com mais camisa, tradição e/ou talento precisam de entrosamento, sintonia para se instalar no campo de ataque e criar as brechas para furar esses blocos cada vez mais sólidos. Uma solução seria a marcação por pressão perto da área adversária, para roubar a bola e acelerar com campo livre. Mas cadê as pernas para isso entre junho e julho, quando a maioria deveria estar de férias?

Não por acaso, Espanha e Alemanha conseguiram se impor em 2010 e 2014 com um jogo mais eficiente e plástico que o da França no ano passado. Trazendo suas bases de Barcelona/Real Madrid e Bayern de Munique/Borussia Dortmund, o “jogar sem pensar” dentro de uma proposta mais posicional, de controle pela posse, ficou mais viável e até proporcionando algum espetáculo. Aos franceses, com jogadores espalhados pela Europa e pela pressão por conta do fracasso em casa na final da Euro 2016, restou o pragmatismo, apelando para bola parada, velocidade de Mbappé e os lampejos de Griezmann e Pogba.

Por isso e também pela questão financeira, Guardiola, Klopp, Simeone, Pochettino, Ancelotti, Sarri e outros treinadores das prateleiras mais altas não se aventuram no futebol de seleções. Em momento de baixa, José Mourinho até considerou a hipótese, mas ainda com mercado e Fernando Santos em alta com as conquistas recentes por Portugal é bem possível que volte ao cenário em um grande clube. Até porque o salário não é baixo.

A Copa América deve “pegar” agora na reta final e a tendência é que termine deixando uma melhor impressão. Mas o futebol de seleções, que no início dos anos 1980 fez este blogueiro se apaixonar pelo esporte antes mesmo de escolher o time de coração, hoje vive um dilema. O jogo moderno exige uma fluidez que só é possível com treinos e jogos seguidos. Trabalho diário e no auge físico e técnico. Tudo que falta a treinadores e jogadores que representam seu países.

O nível mais baixo de desempenho não é “falta de amor” ou ser “mercenário”. Os mais abastados, na prática, nem precisam de suas seleções. Antes, sim, a presença na lista de convocados proporcionava contratos mais vantajosos. Hoje pode ser até um grande problema na avaliação individual de uma temporada – Messi é o maior exemplo. A realidade é dura e só tende a ficar mais complexa com o futebol mais intenso e o calendário inchado.

A Liga dos Campeões já é do tamanho da Copa do Mundo e tende a ser maior e melhor a cada ano.

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Felipão e a autoblindagem sem um pingo de coerência http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/04/08/felipao-e-a-auto-blindagem-sem-um-pingo-de-coerencia/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/04/08/felipao-e-a-auto-blindagem-sem-um-pingo-de-coerencia/#respond Mon, 08 Apr 2019 08:56:43 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=6296

Imagem: Reprodução Sportv

Sempre que o pragmatismo das equipes que comanda é questionado, Luiz Felipe Scolari argumenta que é a sua maneira de trabalhar e que a responsabilidade dele é fazer o time alcançar resultados e conquistas.

Ou seja, assume para si a tarefa de entregar algo sobre o qual não se tem controle: o placar final das partidas. Logo, nada mais natural que a crítica negativa seja mais direcionada ao treinador veterano quando sua equipe é a derrotada. Mesmo na disputa por pênaltis.

De novo no mata-mata, prioridade no ano passado e cujo fracasso ficou encoberto pelo título brasileiro conquistado sem tanta responsabilidade por um time cheio de reservas na maioria das partidas. Agora um novo insucesso em casa, diante de um São Paulo em reconstrução e estreando Cuca no comando técnico.

Mais uma vez a equipe alviverde pecou pela falta de criatividade, por trabalhar pouco pelos flancos e apelar para ligações diretas e cruzamentos buscando Deyverson e Ricardo Goulart. Dois blocos de cinco homens com Bruno Henrique tentando ser a “ponte” entre eles, em meio às ligações diretas e rebatidas. Algumas combinações de Gustavo Scarpa e Mayke pela direita, bola no Dudu para se virar na individualidade no lado oposto.

Muito pouco. E menos ainda explicações na coletiva depois da eliminação em casa com Goulart e Zé Rafael desperdiçando suas cobranças. O elogio discreto à atuação para proteger os atletas e o habitual desvio de foco para a arbitragem.

Só que em tempos de VAR e com o acerto no lance mais polêmico – gol anulado de Deyverson por impedimento – as reclamações soam até ridículas. Pior ainda a revelação de que pensou em tirar o time de campo. Sem contar o resgate de questões que nada tinham a ver com o jogo, como o julgamento de Moisés, suspenso por quatro partidas.

Nenhuma surpresa para quem até hoje não assume nenhum equívoco na maior derrota da carreira. Sim, os 7 a 1 que hoje são relativizados e tratados como um acidente. Mesmo com Scolari recebendo as informações dos observadores Roque Júnior e Alexandre Gallo sobre a força do meio-campo alemão e a sugestão de congestionar o setor, ainda mais com o peso das ausências de Thiago Silva e Neymar.

Felipão não admite o erro em 2014 de abrir a seleção com Bernard, assim como não reconhece que o Palmeiras hoje poderia e deveria entregar muito mais desempenho. É a autoblindagem sem um pingo de coerência que conta com a cumplicidade do silêncio de muita gente, inclusive jornalistas.

O fato é que quando as equipes de Scolari não conseguem o resultado positivo o que fica é quase nada. Pior para o elenco mais qualificado e subaproveitado do país.

 

 

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Brasil deve unir futebol intuitivo de Felipão e o jogar de memória de Tite http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/11/28/brasil-deve-unir-futebol-intuitivo-de-felipao-e-o-jogar-de-memoria-de-tite/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/11/28/brasil-deve-unir-futebol-intuitivo-de-felipao-e-o-jogar-de-memoria-de-tite/#respond Wed, 28 Nov 2018 09:40:27 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=5591

Foto: Alex Silva (Agência Estado)

O maior título da carreira de Luiz Felipe Scolari é o último mundial do Brasil em 2002. Pouco mais de um ano depois de ser anunciado como treinador da seleção. Aos trancos e barrancos formou uma base que contou com a ascensão de Ronaldinho Gaúcho e a volta de Ronaldo para encontrar o time no amistoso contra Portugal há dois meses da Copa e depois efetuar duas trocas: Emerson por Gilberto Silva e Kléberson por Juninho Paulista.

Sem muito tempo, fez o básico da escola brasileira: “fechou a casinha” com Edmilson ora terceiro zagueiro, ora volante e baseou seu jogo ofensivo na força e velocidade dos laterais Cafu e Roberto Carlos e no talento dos dois Ronaldos e mais Rivaldo. Venceu sete jogos – na estreia contra a Turquia e nas oitavas diante da Bélgica com erros graves da arbitragem que beneficiaram a seleção – e faturou a quinta taça para a camisa verde e amarela.

O mesmo futebol intuitivo que consagra o técnico veterano 16 anos depois na sua volta ao Brasil após três temporadas de sucesso na China. Sem muito tempo para treinar por estar envolvido em três competições fez o simples: organizou a defesa, protegeu os veteranos Edu Dracena e Felipe Melo e apelou para ataques mais diretos, procurando um pivô – Borja ou Deyverson – e o talento de Dudu, potencializado pelo carinho de Scolari ao atacante.

Fez o que a diretoria e a torcida queriam: priorizou Libertadores e Copa do Brasil e alternava três ou quatro titulares no Brasileiro. Atrás de Flamengo e São Paulo nos pontos corridos, foi resgatando o desempenho de Lucas Lima e Mayke, ganhou o reforço do zagueiro paraguaio Gustavo Gómez e, com o clima leve pelos bons resultados no mata-mata, foi pontuando e subindo até chegar à liderança.

Com as eliminações para Cruzeiro no torneio nacional e Boca Juniors no continental, a pressão para transformar a primeira colocação e a invencibilidade em título. O desempenho caiu, mas não o aproveitamento. Na vitória sobre o Vasco em São Januário, a confirmação do décimo título brasileiro do Palmeiras.

Todos felizes e à vontade. Clima de família. Funciona desde que o comandante gaúcho ganhou destaque no cenário nacional com a conquista da Copa do Brasil de 1991 pelo Criciúma. Passando por Grêmio, Palmeiras e Cruzeiro em sua fase mais gloriosa que alcançou o ápice no Mundial de 2002.

Felipão coloca cada um em seu lugar, se defende com encaixe na marcação, pressão sobre o adversário com a bola e perseguições curtas ou longas dependendo do adversário. Ofensivamente abusa das ligações diretas para ganhar metros de campo e acionar os atacantes mais perto da área do oponente para definir a jogada rapidamente. Se a bola bater e voltar, o sistema defensivo está organizado para não ser surpreendido no contragolpe.

Para isto não precisa de muitas sessões de treinamento. A assimilação é rápida também porque cada atleta só necessita colocar para fora os instintos de cada função. Velocidade dos laterais, vigor e senso de cobertura dos zagueiros, desarmes dos volantes, criatividade do meia mais solto, agressividade dos ponteiros, pivô e faro de gol do atacante de referência.

Bem diferente do jogar “de memória” de Tite. Porque exige repertório mais amplo e maior entendimento coletivo. A começar pela marcação por zona com última linha de defesa posicionada para proteger a própria meta. Algo pouco ou nada trabalhado nas divisões de base nas décadas passadas.

Exige convencimento e tempo. Algo que Tite ganhou no Corinthians, mesmo com o furacão Tolima no início de 2011. Foi burilando o time até vencer o Brasileiro. Com a proposta amadurecida e direito a variações do 4-2-3-1 para o 4-1-4-1 com o avanço do volante Paulinho como meia e alternando Danilo e Emerson Sheik pelo centro e à esquerda do ataque venceu a Libertadores. Com Guerrero comandando o ataque num 4-4-1-1 superou o Chelsea no último título brasileiro no Mundial de clubes.

Em 2014 foi para a Europa buscar repertório ofensivo para adicionar à solidez sem a bola que marcou sua fase vitoriosa. Mirava a seleção depois da Copa de 2014, com Felipão no comando. A CBF preferiu Dunga e Tite voltou ao Corinthians no ano seguinte. Encontrou atletas campeões com ele, mas de novo encarou o desafio de convencer e fazer funcionar suas novas ideias com horas em campo, treinando e jogando.

Adicionou posse de bola e criatividade através de tabelas e triangulações para infiltrar. Ajustou peças até encaixar Vagner Love no ataque, aprimorar Jadson como ponta articulador partindo da direita e fazer Renato Augusto comandar a saída de bola e as trocas de passes para o time voar na reta final do Brasileiro e ser o último campeão capaz de dar espetáculo com um belo jogo coletivo.

Em 2016 foi chamado para resgatar a seleção. Precisando de resultados imediatos para colocar o Brasil na Copa e sem tempo para treinar, Tite criou uma rotina árdua com sua comissão técnica de estudo e observação de atletas. O objetivo era claro: fazer o jogador repetir na seleção os movimentos e a dinâmica individual e coletiva que pratica no clube. Ativar a memória de um jeito diferente. Totalmente sintonizado com as práticas do futebol atual não foi difícil convencer os comandados nas Eliminatórias.

O único que fugia do que fazia no clube era Philippe Coutinho. Meia pela esquerda no Liverpool virou ponta articulador pela direita, mas aproveitando a liberdade para circular e aparecendo por dentro para marcar um golaço nos 3 a 0 sobre a Argentina no Mineirão. Ascensão rápida até o topo nas Eliminatórias e vaga garantida no Mundial da Rússia com enorme antecedência.

Na Copa, Tite sentiu o peso da missão. Ele mesmo admite que na execução do hino na estreia contra a Suíça a ficha caiu. Faltou tempo para se preparar mentalmente. Em dois anos teve que colocar o Brasil na Copa, depois trabalhar para ser competitivo diante dos europeus.

Pior: teve sua base abalada. Daniel Alves cortado, Renato Augusto fora de forma, Neymar lesionado três meses antes da Copa, Gabriel Jesus oscilando no Manchester City. Usou Danilo na lateral direita, depois Fagner. Centralizou Coutinho e abriu Willian pela direita. Quando Douglas Costa viraria titular se contundiu.

Mexeu na estrutura, perdeu desempenho. Mas seguiu na Copa até o golpe fatal: sem Casemiro, viu Fernandinho marcar a favor da Bélgica e o sistema defensivo desmoronar com a instabilidade emocional de seu volante de proteção e também a qualidade de Lukaku, De Bruyne e Hazard. Para depois cumprir sua melhor atuação na Copa ao longo do segundo tempo, desperdiçar chances claras com Renato Augusto e Coutinho, ver Courtois fazer milagre em chute de Neymar e voltar para casa nas quartas de final.

Eliminação que colocou Tite no olho do furacão resultadista tipicamente brasileiro. De gênio, referência de competência até para políticos a burro e fraco, incapaz de gerir o mimado Neymar. Da China, Felipão deu o recado: agora não era o último a perder com a seleção, mas era o último a ter vencido.

Em tempos tão apressados, o 7 a 1 tinha sido empurrado para o passado. Com o fracasso da Alemanha em 2018, a maior derrota da seleção brasileira passou a ser relativizada. Justamente o revés que mostrou que o futebol meramente intuitivo pode desabar nas disputas em altíssimo nível. Também retirou definitivamente o nome de Scolari da mira de times e seleções nos principais centros.

Por outro lado, talvez tenha faltado mais instinto e sensibilidade a Tite no Mundial. Quando o entrosamento e a memória faltaram e era preciso ter feeling para tomar decisões sob pressão, o treinador com mais preparo e estudo vacilou. Com um novo ciclo, agora desde o início mas com enorme desafio já no ano que vem com a disputa da Copa América em casa, surge a chance de amadurecer, ganhar cancha no universo de seleções.

Acima de tudo se encaixar no jogo por demanda que ascende no futebol mundial. Inspirado no Real Madrid de Zidane e Cristiano Ronaldo, mas também na França de Deschamps e Mbappé. Campeões “camaleões”, que vencem atacando ou explorando contragolpes.

Inteligência e versatilidade para se adaptar aos mais diversos cenários. Ter conceitos, mas também capacidade de improvisar. Principalmente no mata-mata, quase sempre decidido com força mental e talento. Como em 2002 com Felipão. Agora, paradoxalmente, o campeão da regularidade em seu primeiro título brasileiro nos pontos corridos.

Tite e Scolari são dois lados de um futebol brasileiro buscando o retorno ao topo. Antigos companheiros da escola gaúcha, hoje separados por desavenças e trocas de farpas. Exatamente pelas visões antagônicas que resistem em ver valor no outro pólo.

O melhor caminho seria o aprendizado em conjunto para uma evolução segura. Dos treinadores e do nosso jogo, que pode e deve alternar memória e instinto para voltar a se impor no cenário mundial.

 

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É bom ver a Holanda renascer, mesmo com mais sorte que juízo http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/11/19/e-bom-ver-a-holanda-renascer-mesmo-com-mais-sorte-que-juizo/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/11/19/e-bom-ver-a-holanda-renascer-mesmo-com-mais-sorte-que-juizo/#respond Mon, 19 Nov 2018 22:40:01 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=5536 A relevância da Holanda na história do futebol está mais na influência de sua escola na evolução do jogo nos últimos 50 anos do que nas três finais de Copa do Mundo. Tudo que vemos hoje no mais alto nível tem as digitais de Rinus Michels e Johan Cruyff. Não só no Barcelona ou em Guardiola. Até na antítese, como resposta.

Por isso é tão bom ver a seleção agora comandada por Ronald Koeman – campeão europeu de 1988 com Michels e líbero do “Dream Team” de Cruyff no Barcelona do início dos anos 1990 – renascer depois de ficar de fora do Mundial na Rússia.

Nada muito substancial, já que a Liga das Nações, mesmo sendo um avanço em relação aos insossos amistosos de datas FIFA, não é parâmetro para confirmar uma recuperação sólida. Mas, ora bolas, se classificou num grupo com as duas últimas campeãs mundiais. A França levando a sério e usando a base que comemorou na Rússia há menos de seis meses.

A Alemanha manteve o viés de queda e foi rebaixada. Deixa a impressão de que a manutenção de Joachim Low depois da vexatória eliminação na fase de grupos da Copa é um erro de difícil reparo. Que fica mais complicado conforme o tempo passa.

Mas foi bem em Gelsenkirchen. Leve pela falta de objetivos na partida e confortável atuando nos contragolpes. Linhas recuadas, saída em velocidade procurando Sané pela esquerda e Timo Werner circulando por todo o ataque. Assim fez 2 a 0 no primeiro tempo.

A Holanda renovada sentiu o peso da responsabilidade e esbarrou em um problema de sua escola que parecia encontrar soluções, especialmente nos 3 a 0 sobre a França: a proposta imutável de ficar com a bola e adiantar as linhas, mesmo que não haja qualidade para propor o jogo.

Trocava passes, batia no muro, perdia a bola e sofria nas transições defensivas. Mesmo com o mais que promissor zagueiro Matthijs De Ligt. Na frente, Memphis Depay tentava abrir espaços para as diagonais de Promes e Babel e as infiltrações de Wijnaldum, apoiadas por De Jong e pelos laterais Tete e Daley Blind.

Tinha posse (terminou com 54%), mas não volume. O empate que garantiu a classificação veio no abafa desorganizado nos minutos finais. Aproveitando o cansaço e uma queda natural de concentração da Alemanha, guiada apenas pelo profissionalismo dos jogadores e rivalidade histórica no confronto.

Duas bolas na área, gols de Promes e do zagueiro Van Dijk jogando no “modo Piqué”, como centroavante para aproveitar a estatura. Na oitava finalização holandesa contra 13 dos alemães. Mais sorte que juízo da equipe de Koeman, que se junta a Suíça, Portugal e Inglaterra no “Final Four” do torneio.

A possível conquista pode ser o gás que falta para a Holanda entrar em uma nova era. Ou voltar ao protagonismo de velhos e bons tempos.

(Estatísticas: Whoscored.com)

 

 

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