carlosalbertoparreira – Blog do André Rocha http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte. Mon, 13 Jul 2020 13:46:43 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Seleção de 1994 tinha bola para vencer dando espetáculo. O que atrapalhou? http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/26/selecao-de-1994-tinha-bola-para-vencer-dando-espetaculo-o-que-atrapalhou/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/26/selecao-de-1994-tinha-bola-para-vencer-dando-espetaculo-o-que-atrapalhou/#respond Sun, 26 Apr 2020 06:16:28 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8377

Foto: Acervo / CBF

A vitória por 2 a 0 sobre o Uruguai no Maracanã pelas eliminatórias em 1993 ficou na história como “o jogo de Romário”. Justo, por toda via-crucis que trouxe o então melhor atacante do mundo, brilhando no Barcelona, de volta à seleção. Depois de uma “geladeira” de quase um ano por reclamar da reserva em um amistoso contra a Alemanha em Porto Alegre. Prometeu voltar garantindo o Brasil na Copa nos Estados Unidos e cumpriu. Com louvor e uma das maiores atuações individuais da história do mítico estádio.

Mas foi também uma fantástica exibição coletiva da equipe de Carlos Alberto Parreira. Trazendo tudo que fizera de bom até aquele momento, em especial nos 6 a 0 sobre a Bolívia em Recife, e adicionando o toque genial e diferente do mais genial e genioso jogador daquela geração. O bom desempenho coletivo potencializou o grande talento, como costuma acontecer.

O 4-4-2 que antes tinha Muller no ataque deixava Bebeto mais centralizado para finalizar. Raí precisava compor mais o lado direito para fechar a segunda linha e fazer dupla com Jorginho. No Maracanã, Bebeto ganhou mais liberdade para circular e procurar o setor no qual tinha entrosamento dos tempos de Flamengo com o lateral direito.

Assim Raí apareceu por dentro em vários momentos, quase como um “enganche”. Até porque Mauro Silva e Dunga eram fantásticos marcadores e, auxiliados por Zinho pela esquerda, davam conta de fechar o meio. E à direita ainda estava o zagueiro Ricardo Rocha, vivendo fase espetacular e muito rápido na cobertura, permitindo que, se necessário, Jorginho saísse para pressionar o adversário sem deixar um buraco às costas.

É o craque do São Paulo quem tabela com Romário no chute do camisa 11 no travessão, logo no início da partida. O camisa dez também chega na área, pouco atrás do Baixinho, quando Bebeto escapa pela direita e faz o cruzamento para o primeiro gol. Raí, bicampeão da Libertadores e ainda em boa forma no início da temporada 1993/1994 pelo Paris Saint-Germain.

O triunfo transformou o Brasil automaticamente em um dos favoritos ao título mundial. Até porque não havia uma seleção se destacando na Europa – na Euro 1992, a campeã foi a convidada Dinamarca.

Mais tranquilo com a classificação, Parreira poderia aperfeiçoar a base e melhorar o entrosamento da estrela redimida com os companheiros. A maioria calejada pelo fracasso em 1990 e pronta para a missão de encerrar uma seca de 24 anos.

O processo teve apenas uma mudança: Leonardo na vaga de Branco, com problemas físicos. Dando leveza e aproveitando a boa sintonia entre o lateral e Zinho, que jogaram juntos por três anos no Flamengo. Perderia o chute forte e a experiência de dois Mundiais do ex-titular, mas ganhava fluidez e rapidez nas ultrapassagens pela esquerda.Mesmo com Leonardo já atuando no meio-campo pelo São Paulo.

Do lado oposto, Jorginho e o revezamento entre Bebeto e Raí. Quem não aparecesse no flanco se juntaria a Romário por dentro na frente. A construção das jogadas ficava a cargo de Dunga e Mauro Silva se dedicava à proteção da defesa, especialmente o lado esquerdo, com Ricardo Gomes mais técnico, porém menos rápido que o xará Rocha e já sofrendo com dores atrozes nos joelhos.

Uma seleção segura, trocando passes, valorizando a posse e atacando com volume e um toque de fantasia. Competindo e, sempre que possível, dando espetáculo. A referência de Parreira, com Zagallo ao lado como coordenador técnico, continuava sendo a seleção de 1970. A síntese do futebol que aliava beleza e eficiência.

Parreira planejava uma seleção brasileira ofensiva: fluida e rápida pelos flancos, com Zinho e Leonardo pela esquerda e Jorginho com o apoio revezado de Bebeto e Raí e a rápida cobertura de Ricardo Rocha. Dunga seria o organizador no meio com Mauro Silva na proteção dos zagueiros Na frente, Romário para decidir (Tactical Pad).

Não foi possível pela queda brusca de produção de Raí com a má fase no time francês, inclusive perdendo ritmo ao ficar no banco. Ainda mais prejudicial pela compleição física que tornava o meia pesada se não estivesse em plena forma. Impossível cumprir as funções com e sem bola.

Parreira insistiu até o limite, deu moral mantendo a braçadeira de capitão, mas depois da fraca atuação contra a Suécia no empate por 1 a 1, Mazinho acabou ganhando a vaga. Mais fixo pela direita, liberou Bebeto para se juntar de vez a Romário. Na função que, na prática, era de meia-atacante. A mesma que o camisa sete já exercera em 1989, na seleção campeã da Copa América com Sebastião Lazaroni no comando técnico. Com Taffarel, Mazinho, Aldair, Ricardo Gomes, Branco, Dunga, Bebeto e Romário, pode ser considerada a gênese da equipe do tetracampeonato mundial.

O treinador também precisou se preocupar mais com a proteção da defesa, que perdeu a dupla de zaga por lesão. Entraram Aldair e Márcio Santos, que ganharam confiança justamente porque a seleção ficou mais engessada nas duas linhas de quatro. Com Dunga e Mauro Silva concentrados no combate, embora o camisa oito seguisse como o centro de distribuição das jogadas, com passes curtos e longos para inverter o lado da ação ofensiva.. Leonardo também precisou ser mais cuidadoso no apoio e guardar mais o próprio setor.

Até ser expulso e suspenso pela cotovelada que mandou Tab Ramos para o hospital, Branco retornou, mesmo longe das melhores condições atléticas. Menos mal que Aldair e Márcio Santos já haviam ganhado confiança para manter a defesa bem coordenada na proteção da meta de Taffarel.

A formação campeã mundial, sem a zaga titular, Leonardo e Raí. Por isso mais pragmática e engessada num 4-4-2 com meias protegendo laterais e Bebeto livre para articular com o meio-campo e se aproximar de Romário (Tactical Pad).

Assim como no Maracanã contra os uruguaios, a seleção viveu durante a campanha na Copa um grande  paradoxo: Romário criava as chances com genialidade, posicionamento correto e movimentação inteligente, mas desperdiçava muitas oportunidades cristalinas.

Não é absurdo pensar que o Brasil poderia ter marcado pelo menos mais dois gols contra os russos nos 2 a 0 da estreia, também vencido os Estados Unidos em 4 de julho por 2 a 0 – Romário perdeu uma chance depois de driblar o goleiro. Na semifinal contra a Suécia, pelo menos 3 a 0, já que Zinho e o próprio camisa onze perderam gols feitos. Na final, Bebeto e Romário falharam em finalizações simples com total liberdade.

Terminar a campanha com seis vitórias e um empate, marcando 17 gols e sofrendo apenas três gols era uma realidade palpável e compatível com o rendimento. Com esses resultados mais robustos e vencendo os italianos sem necessidade de disputa de pênaltis na decisão do Rose Bowl que a TV Globo reprisa neste domingo, talvez fosse menos criticada. Ou devidamente reconhecida.

Parreira queria vencer e planejou sua equipe para isso. Mas o contexto atrapalhou e não permitiu que houvesse mais beleza. Fez falta para consagrar ainda mais a melhor seleção daquela Copa do Mundo.

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O timaço do rival que quase roubou meu coração http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/25/o-timaco-do-rival-que-quase-roubou-meu-coracao/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/25/o-timaco-do-rival-que-quase-roubou-meu-coracao/#respond Sat, 25 Apr 2020 07:37:26 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8366

Foto: Matheus Gevaerd

Você leu AQUI que este que escreve escolheu ser torcedor do Flamengo por causa do Zico. Fã primeiro do jogador, por consequência do clube.

Natural que aos dez anos, quando criança era realmente ingênua nesta idade, a paixão sofresse um abalo pela saída do ídolo máximo para a Udinese. Uma traição na visão do menino e avalizada por muita gente adulta.

E foi justamente neste período que um rival histórico dominou o cenário regional, em tempos que os estaduais valiam demais, e ainda conquistou um título brasileiro: o Fluminense tricampeão carioca de 1983 a 1985, com a conquista nacional em 1984 para marcar época definitivamente.

Uma equipe formada meio no “cata-cata”, na base do “bom, bonito e barato”. Até pelos problemas financeiros de um clube que não chegava às finais do Carioca desde o título, em 1980. Já no Brasileiro, a última grande campanha tinha cheiro de frustração, com a “máquina tricolor” sendo eliminada na semifinal por um Corinthians bem mais limitado. A inesquecível “invasão” do Maracanã em 1976.

Em 1983, a base era formada pelo goleiro Paulo Vítor (no Flu desde 1981), o lateral direito Aldo, contratado ao Paysandu no ano anterior, o zagueiro Ricardo (Gomes), formado na base do clube e Delei, o titular remanescente da última conquista. Do Internacional chegaram os relegados Branco e Jandir, depois Tato. Do Coritiba, o volante Leomir, ainda em 1982. Do América, o zagueiro Duílio. O maior investimento foi na dupla de ataque: Washington e Assis, que venceram o Paranaense pelo Atlético-PR e aterrorizaram a defesa do Flamengo na semifinal do Brasileiro daquele ano, mesmo com eliminação.

O treinador Cláudio Garcia comandou a equipe no título da Taça Guanabara e depois partiu para o Flamengo, que seria o campeão da Taça Rio. No triangular final com o Bangu, time de melhor campanha nos dois turnos, o título veio mesmo sem grande futebol do time agora comandado por José Luís Carboni, com o histórico gol de Assis, no minuto derradeiro do Fla-Flu. O último sofrido na carreira do goleiro Raul Plasmann.

Uma conquista no melhor estilo “timinho” que consagrara o tricolor nos anos 1950. Sem favoritismo, com placares magros, mas levando o troféu para as Laranjeiras. No entanto, para vencer o Brasileiro era preciso pensar grande.

Faltava o craque e o grande treinador. Chegaram o paraguaio Romerito do Cosmos e Carlos Alberto Parreira, depois da primeira experiência não tão bem sucedida na seleção brasileira no ano anterior. Para dar o salto de qualidade na melhor versão daquela equipe que virou timaço.

Armado em uma espécie de 4-4-1-1, nas palavras do próprio Parreira em entrevista a este jornalista. Deixando o corredor direito livre para a vitalidade de Aldo e os deslocamentos de Washington, sempre municiados por Delei. Do lado oposto, Romerito se juntava à ala esquerda formada por Branco e Tato ou Paulinho, setor ofensivo mais forte do time. Assis trabalhava com os meio-campistas, caía pelos flancos e se juntava a Washington, principalmente no jogo aéreo. O “Casal 20”, apelido inspirado em famosa série de TV à época.

Sem a bola, todos colaboravam na recomposição e Jandir era o volante marcador que protegia a zaga formada por Duílio e Ricardo Gomes. Assim o time embalou a partir das quartas de final. Levou dois gols fora de casa do Coritiba no empate por 2 a 2 na ida e depois Paulo Vitor não sofreu mais gols. 5 a 0 nos paranaenses para se firmar como grande força.

Mas não favorito contra um Corinthians embalado por eliminar o Flamengo com goleada em casa por 4 a 1 e sonhando com o então inédito título nacional na despedida de Sócrates, que partiria para a Fiorentina. No Morumbi, porém, o Flu de Parreira protagonizou a grande atuação coletiva de todo aquele período: 2 a 0, calando o estádio lotado. Gols de Assis e Tato, mais outras oportunidades em transições ofensivas demolidoras e sem conceder nenhuma chance clara à equipe paulista. Domínio absoluto consolidado com empate sem gols no Maracanã.

Na decisão carioca, o gol de Romerito e outra grande atuação de defesa-contragolpe superaram o ofensivo Vasco comandado por Edu Coimbra, irmão de Zico, e que teve os dois artilheiros daquela edição: Roberto Dinamite e Arturzinho. Mas não havia equipe mais equilibrada.

O 4-4-1-1 armado por Parreira que era sólido defensivamente com todos colaborando e veloz nas transições ofensivas, abrindo o corredor direito para Aldo e reunindo Branco, Romerito, Tato e às vezes até Assis do lado oposto para envolver os adversários (Tactical Pad).

Time que esbanjaria no segundo semestre vencendo novamente o estadual, com o motivador Carlos Alberto Torres mantendo a proposta de jogo e sendo campeão mesmo sem Ricardo, Branco, Jandir e Delei, substituídos por Vica, Renato, Leomir e Renê. Dentro de um elenco curto, porém homogêneo e com incrível capacidade competitiva. De novo superando o Flamengo com gol de Assis.

Supremacia ratificada no ano seguinte ao vencer novamente a Taça Guanabara. E fazer deste que escreve um torcedor do Fluminense por duas semanas. Cansado de tantos vexames rubro-negros – incluindo uma eliminação no Brasileiro para o Brasil de Pelotas naquele mesmo ano, com Zico já de volta ao clube – e desolado pela grave lesão do Galinho na entrada criminosa de Márcio Nunes, do Bangu.

É óbvio que não duraria muito. Afinal, paixão clubística não tem explicação. Mesmo com o tri do Flu na vitória de virada sobre o Bangu por 2 a 1. Gols de Romerito e Paulinho, este em linda cobrança de falta, que consagrariam a equipe comandada por Nelsinho Rosa em mais uma conquista histórica. Fiquei feliz porque o melhor havia vencido, mesmo beneficiado por erro grotesco do árbitro José Roberto Wright ao não marcar um pênalti claríssimo de Vica em Cláudio Adão no final do jogo.

O amor pelo futebol, especialmente o do Rio de Janeiro, fez o menino de 11 anos em 1984 se arrepiar no Maracanã com o hino do Botafogo ao acompanhar o irmão cruzmaltino em um clássico contra o Vasco. O grande rival do Flamengo que teve a minha torcida em 1987, no “Clássico dos Milhões” que confirmou o título da Taça Guanabara para o time comandado por Joel Santana que tinha Dinamite, Romário, Tita, Geovani e Dunga. Sim, eu fui para a arquibancada de quem estava jogando mais bola. Mas esta é uma história para outro post.

Este homenageia um timaço vencedor. Para mim a verdadeira “Máquina Tricolor”. Do lindo uniforme verde, branco e grená, além da bandeira levada ao gramado em cada jogo. Uma mística que encantava e, combinada com bom futebol, quase roubou meu coração há 35 anos.

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Fracasso da seleção “Joga Bonito” em 2006 começou com ilusão no Mangueirão http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/18/fracasso-da-selecao-joga-bonito-em-2006-comecou-com-ilusao-no-mangueirao/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/18/fracasso-da-selecao-joga-bonito-em-2006-comecou-com-ilusao-no-mangueirao/#respond Sat, 18 Apr 2020 08:39:14 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8316

Foto: Evaristo Sá / AFP Photo

É preciso dar nome aos bois. Foram os perfis do Esporte Interativo no Facebook e no Twitter que começaram a onda de saudosismo com a seleção brasileira de 2006. Difícil entender  a razão, mas foi lá. Talvez uma espécie de “efeito rebote” dos 7 a 1 de 2014.

Muito já foi dito sobre o fracasso do grande favorito, o time do slogan “Jogo Bonito”. Que ganhou tudo depois do título mundial em 2002: Copa América (com reservas), Eliminatórias e Copa das Confederações. Menos o principal, na Alemanha.

Por isso é preciso contextualizar, resgatar a história com informação precisa. Justamente para entender que o período de futebol exuberante foi bastante efêmero, embora impactante e capaz de despertar emoções que andavam adormecidas. Talvez desde o recital de Romário contra o Uruguai em 1993 garantindo vaga no Mundial dos Estados Unidos, com favoritismo imediato acoplado. Ou o encantamento em 1982, para os mais velhos.

Temos que voltar ao dia 20 de maio de 2004, no Stade de France, em Paris. Ao jogo comemorativo do centenário da FIFA. Aquele dos uniformes que replicavam modelos do passado, de um lendário domínio de Zidane saltando e aconchegando a bola no peito. Do empate sem gols.

Também da seleção comandada por Carlos Alberto Parreira com Juninho Pernambucano, usando a camisa dez, e Zé Roberto no meio-campo, Kaká e Ronaldinho, este com a camisa sete, mais adiantados encostando em Ronaldo Fenômeno. Isso soa familiar, não?

O 4-3-1-2 brasileiro em 2004 contra a França: Juninho e Zé Roberto atrás de Kaká, que encostava na dupla de Ronaldos na frente. Cafu e Roberto Carlos faziam os corredores pelos flancos (Tactical Pad).

Desenho tático que dava mais liberdade à então estrela reluzente Ronaldinho e exigia um pouco mais taticamente do Kaká em ascensão no Milan. Que continuava dependendo fundamentalmente de Cafu e Roberto Carlos – o primeiro com 34 anos, o outro com 29 – para abrir o campo e chegar à linha de fundo.

O desempenho coletivo não empolgava e os resultados eram apenas razoáveis nas eliminatórias. Cinco vitórias, cinco empates e uma derrota para o Equador por 1 a 0 na despedida da temporada. O grande momento com os titulares foi contra a Argentina, no Mineirão, com os três pênaltis sofridos e convertidos por Ronaldo. Com Juninho, Zé Roberto e Kaká no meio, mas Luís Fabiano fazendo companhia ao Fenômeno na frente na vitória por 3 a 1.

Seguiu monótono e burocrático no início de 2005 com uma vitória magra sobre o Peru no Serra Dourada, gol de Kaká. Com a substituição que foi uma espécie de ensaio para o que viria: saiu Juninho Pernambucano, entrou Robinho. Desfazendo o 4-3-1-2/4-3-2-1 e indo para o 4-2-2-2.

Contra o Uruguai em Montevidéu, com Ricardo Oliveira se juntando a Ronaldo na frente, mas dando lugar a Robinho. Empate por 1 a 1. O suficiente para amadurecer Parreira, que no jogo seguinte arriscou o sistema mais ousado que variava naturalmente em campo para o 4-2-3-1 pela mobilidade de Robinho, se juntando a Kaká e Ronaldinho no apoio a Adriano, o substituto de Ronaldo em Porto Alegre.

Os 4 a 1 empolgaram Parreira, que repetiu a ousadia no Monumental de Nuñez. Mas a sede de revanche dos argentinos ajudou a construir os 3 a 1, na última derrota brasileira naquelas eliminatórias. No dia oito de junho, a oito dias da estreia na Copa das Confederações contra a Grécia.

Sem Cafu, Roberto Carlos e Ronaldo. Com Cicinho, Gilberto e Adriano. Campanha oscilante, com boa estreia nos 3 a 0 sobre os gregos, mas derrota por 1 a 0 para o México e empate por 2 a 2 com o Japão. Segunda colocação do grupo, confronto com a anfitriã Alemanha na semifinal.

E Adriano, já “Imperador” na Internazionale e com moral por ter sido decisivo na conquista da Copa América com o gol salvador sobre a Argentina, ganhou de vez a confiança de Parreira com dois gols nos alemães e mais dois sobre a mesma albiceleste.

Nos 4 a 1 tratados como um marco daquela seleção. A despeito do desgaste e dos desfalques dos grandes rivais, de fato a seleção apresentou futebol de alto nível com momentos de arte, como na longa troca de passes até o cruzamento de Cicinho na cabeça de Adriano.

O “click” se deu com a movimentação na frente que preenchia melhor os espaços: Adriano, ao contrário de Ronaldo, procurava o lado direito para cortar para dentro e finalizar. Isso permitia que Robinho e Ronaldinho se alternassem à esquerda e Kaká circulasse com liberdade. Com vitalidade nas laterais, o jogo ficou mais fluido.

A formação que venceu a Copa das Confederações, com Robinho se mexendo no quarteto com Kaká, Ronaldinho e Adriano e mais o apoio dos laterais Cicinho e Gilberto (Tactical Pad).

A expectativa, então, era como seria com a volta dos titulares. Contra o Chile não foi possível pela suspensão de Ronaldinho. O Fenômeno entrou na frente, com Robinho recuando para fazer dupla com Kaká na criação. O espetáculo nos 5 a 0 empolgaram o Mané Garrincha e muitos brasileiros. Este que escreve se lembra de receber “scraps” de amigos mais jovens no finado Orkut perguntando: “era assim em 1981/1982?”

Com três gols, Adriano virou titular absoluto e Parreira enxergou a viabilidade do “quarteto mágico” contar com o Imperador e Ronaldo na frente. Apesar da loucura de alguns torcedores e comentaristas que sonhavam com um quinteto que incluiria Ronaldinho e Robinho, o treinador sabia que um teria que ficar de fora.

Na despedida das eliminatórias, dos estádios brasileiros e dos jogos oficiais em um ano mais que vencedor, a primeira oportunidade de escalar Kaká e Ronaldinho no meio, Adriano e Ronaldo na frente. Também a chance de terminar com mais uma conquista, ainda que simbólica: a liderança na disputa sul-americana, pelo saldo de gols, em caso de vitória sobre a Venezuela em Belém e uma derrota da Argentina, já classificada, para o Uruguai que lutava pela quinta vaga, a da repescagem, com a Colômbia.

Deu tudo certo em Montevidéu com os uruguaios marcando 1 a 0. Também no Mangueirão, com os 3 a 0 sobre o frágil adversário, antepenúltimo colocado. Sem atuação de gala,com o quarteto centralizando demais o jogo. O suficiente, porém, para convencer Parreira que a base para o Mundial estava montada. Foi o erro capital. O jogo da ilusão.

Com Kaká e Ronaldinho na articulação e Adriano e Ronaldo na frente, uma seleção engessada, que centralizava demais o jogo e necessitava de seus laterais veteranos para abrir o campo – note Cafu bem aberto no canto inferior direito (reprodução TV Globo).

Porque a convicção foi alimentada pelo amistoso “inconclusivo” contra a Rússia em março – vitória por 1 a 0, gol de Ronaldo. E as “carnes assadas” Luzern, da Suíça, e Nova Zelândia, já na preparação para a Copa, que começou com a bagunça em Weggis.

É óbvio que o desgaste de Ronaldinho na temporada europeia com título da Champions, a queda vertiginosa de rendimento de Adriano e os problemas físicos de Ronaldo contribuíram, mas o fato é que a seleção ficava engessada no 4-2-2-2. Cafu e Roberto Carlos não conseguiam mais entregar tanta eficiência e vigor jogando de uma linha de fundo à outra e Zé Roberto era sobrecarregado cobrindo o enorme buraco no meio.

Porque Parreira queria Kaká bem aberto à direita, como exigiu de Raí em 1994. O mesmo com Ronaldinho do lado oposto, na esperança que ele brilhasse adotando posicionamento parecido com o do 4-3-3 do Barcelona de Frank Rijkaard. Não podia dar certo. O fato é que a mobilidade de Robinho alternando pelos flancos era mais que necessária.

Ficou claro no terceiro jogo do Mundial, depois dos triunfos sem nenhum brilho sobre Croácia por 1 a 0, gol de Kaká, e por 2 a 0 sobre a Austrália – Adriano e Fred. Mesmo considerando a fragilidade do Japão treinado por Zico, a seleção ficou mais solta com as mudanças de Parreira: Cicinho e Gilberto nas laterais, Gilberto Silva e Juninho Pernambucano no meio e Robinho se juntando a Kaká, Ronaldinho e Ronaldo, que marcou dois gols e ficou a um do recorde em Copas do Mundo.

O 15º tento veio no início das oitavas contra Gana, aproveitando bela assistência de Kaká. Com a volta de Adriano, forçada por uma lesão de Robinho, e o quarteto engessado. Mas deu para o gasto, especialmente pela atuação fantástica de Zé Roberto, autor do terceiro gol. Nas quartas, o reencontro com a França do redivivo Zidane, que foi às redes contra a Espanha e sonhava se aposentar como bicampeão mundial.

Robinho se recuperou, mas não para noventa minutos. Sem confiança em Adriano, Parreira cometeu seu último equívoco no ciclo como treinador da seleção: resgatar o que não deu certo e precisou mudar lá em 2004: Juninho Pernambucano entrando no meio-campo com Gilberto Silva, substituto do lesionado Emerson, e Zé Roberto. Kaká na ligação e Ronaldinho se juntando a Ronaldo na frente.

O mesmo 4-3-1-2 do amistoso em Paris dois anos antes. Mas diante dos Bleus mais concentrados e coordenados, com Ribéry e Malouda negando espaços a Cafu e Roberto Carlos, Makelele e Vieira cuidando de Kaká e Ronaldinho e Zinedine Zidane flutuando em campo e humilhando quem aparecesse na frente. Inclusive com chapéu em Ronaldo.

O 1 a 0 com gol de Henry saiu barato. A única finalização na direção da meta de Barthez foi de Ronaldo, aos 45 minutos do segundo tempo. Já com Adriano na vaga de Juninho, Robinho na de Kaká e Cicinho no lugar de Cafu. Era tarde e o Mundial se encerrou para o Brasil com Ronaldinho como grande decepção. Uma caricatura do melhor do planeta, aquele que ameaçava concorrer ao Olimpo de Pelé e Maradona.

Frustração que provocou mudanças como a invenção de Dunga como treinador, para impor disciplina e evitar a farra de Weggis. A volta do capitão de 1994 sepultava o sonho de resgatar 1970 com os craques que não conseguiram brilhar coletivamente.

Deixa saudades talvez pela reunião dos Bolas de Ouro – incluindo Kaká, que venceria em 2007 – antes da Era Messi x Cristiano Ronaldo. Mas como time era inviável, mesmo há 14 anos. E o jogo pouco comentado em outubro no Mangueirão pesou mais que os 4 a 1 sobre a Argentina em Frankfurt.

Os colegas do Esporte Interativo não devem se lembrar. Memória afetiva e, por isso, seletiva. Compreensível.  Ainda mais com as derrotas que viriam depois, com Neymar como estrela solitária e sem chances nas premiações individuais. Seja como for, é preciso reconhecer: em 2005 foi mais lúdico e divertido mesmo.

 

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Jorge Jesus é o tão esperado “Bernardinho” no futebol brasileiro http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/02/05/jorge-jesus-e-o-tao-esperado-bernardinho-no-futebol-brasileiro/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/02/05/jorge-jesus-e-o-tao-esperado-bernardinho-no-futebol-brasileiro/#respond Wed, 05 Feb 2020 03:37:09 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=7910

Foto: Ricardo Moreira / Photoarena / Agência O Globo

Julho de 2006. Depois da eliminação da seleção brasileira comandada por Carlos Alberto Parreira para a França de Zinedine Zidane que perderia a final da Copa do Mundo disputada na Alemanha para a Itália, o tema em debate no futebol brasileiro era o trabalho, ou a falta deste, que não sustentou o talento.

De fato, a preparação que começou em Weggis, na Suíça, foi atropelada por um grupo midiático, extenuado por temporadas duras na Europa, alguns acomodados por tantas conquistas e preocupados com recordes pessoais.
Em toda essa espécie de “inquisição” a cada Mundial que o Brasil perde, muitos exaltavam Luiz Felipe Scolari, campeão quatro anos antes e semifinalista com Portugal. Mas havia uma utopia no ar: e se Bernardinho assumisse a seleção de futebol?
O treinador do vôlei masculino vivia seu auge. Desde 2001 até então, vencera o Mundial em 2002, os Jogos Olímpicos de 2004, cinco das últimas seis ligas mundiais e em dezembro daquele ano seria bicampeão mundial no Japão atropelando os adversários com um estilo revolucionário que mudaria o esporte para sempre acelerando os ataques pelas mãos do levantador Ricardinho.
É óbvio que na nossa cultura resultadista e dentro de uma lógica simplista os resultados eram a grande credencial de Bernardinho para se tornar referência. E até o título olímpico no Rio de Janeiro em 2016 ele construiria uma trajetória lendária de um dos técnicos mais vencedores nos esportes coletivos em todos os tempos.
Nas principais competições foi sempre ouro ou prata. Na grande maioria terminou no pódio. Na reta final e atualmente, dirigindo o SESC-RJ, um pouco mais sereno. Por isso as aspas no “Bernardinho” do título do post.
A característica mais marcante, porém, era a exigência máxima e constante. Sem se acomodar com conquistas, obcecado por trabalho, inovação nos treinamentos, estudo dos adversários. Fazendo os comandados treinarem quando os períodos de escala nos aeroportos eram mais longos, logo depois de vitórias em que o desempenho não era satisfatório e nas manhãs que antecediam partidas decisivas. Em um esporte que, na grande maioria das vezes, a final é disputada um dia depois das semifinais. Tudo regado com muitas broncas à beira da quadra.
Não eram poucos os relatos de jogadores que, quando se sentiam em dificuldades na quadra, lembravam do tanto que trabalharam e se sacrificaram para estar ali e davam aqueles 10% a mais que faziam diferença e garantiam as conquistas. Eles podiam lamentar na hora do treino, mas sorriam com os trofeus e medalhas de gerações vitoriosas do vôlei.
Para muita gente era o que faltava no futebol: um “maluco” para botar as estrelas para correr, cobrar o máximo de suor e extrair o melhor de tanto talento. Bom lembrar que o Brasil de 1994 a 2005 teve sete de onze melhores do mundo. E ainda teria Kaká em 2007. Mas a preguiça foi um pecado letal na Alemanha há quase 14 anos. Por isso a aventura com Dunga estreando como treinador para exigir comprometimento.
Chegamos a 2020. Não temos mais o protagonismo, nem individualmente na Era Messi x Cristiano Ronaldo, nem no jogo coletivo. A reflexão depois dos 7 a 1 em 2014 teve um espasmo com Tite de 2016 até a Copa do Mundo de 2018. O insucesso e os privilégios concedidos a Neymar na Rússia minaram o trabalho, assim como o desempenho abaixo depois da Copa, mesmo com a conquista sul-americana em casa no ano passado.
Época em que Jorge Jesus chegou ao Flamengo. Uma incógnita que virou certeza em seis meses com as conquistas do Brasileiro com recorde de pontos e da Libertadores, feito inédito no país. Quebrando paradigmas, como a da necessidade de priorizar uma competição e rodar muito o elenco para evitar desgaste. Jesus escalou o melhor possível quase sempre e o time voou fisicamente durante a maior parte do tempo.
Começa 2020 colocando o elenco principal, estelar e reforçado, para entrar em campo uma semana depois da apresentação para a pré-temporada. O português antecipou o retorno das próprias férias em uma semana e, pensando na disputa da Supercopa do Brasil no dia 16 de fevereiro, resolveu utilizar os jogos pelo Carioca, inicialmente desprezado, como uma preparação.
Solução que carrega até alguma lógica, considerando que seria praticamente impossível encontrar um “sparring” para jogos-treinos, como foi o Madureira na intertemporada em junho. Mas também certo risco, por expor os atletas a jogos oficiais, com o adversário competindo forte e sem a possibilidade de fazer substituições livremente ao longo da partida.
Jorge Jesus matou no peito e ainda colocou o time para treinar intensamente por uma hora e meia na manhã da partida na segunda-feira. Corriqueiro na Europa de temperaturas amenas, não no calor escaldante do Rio de Janeiro. O Resende abriu o placar no segundo tempo e muitos pensaram que o time se entregaria ao cansaço e à falta de sintonia naturais com tão pouco tempo de trabalho.
A equipe contou com o auxílio luxuoso dos estreantes Michael e Pedro, mais Gerson que iniciou no banco para que Diego Ribas tivesse oportunidade entre os titulares. Todos vindo da reserva para reoxigenar a equipe que voou na reta final e virou a partida para 3 a 1 no Maracanã. Com Jesus muitas vezes vociferando à beira do campo exigindo sempre mais.
Difícil prever se a estratégia vai durar, mas de Jorge Jesus é possível esperar qualquer coisa. Ainda que, por coerência, ele deva segurar um pouco o esforço depois das disputas da Supercopa do Brasil e da Recopa Sul-Americana para que o time não chegue em dezembro com oitenta partidas disputadas ou mais. Justamente a grande reclamação depois da derrota para o Liverpool no Mundial de Clubes.
Mas serviu para mostrar para torcida, imprensa e para os próprios jogadores rubro-negros que o nível de exigência seguirá muito alto. Quem diria que o tão esperado correspondente a Bernardinho no futebol brasileiro viria quase 14 anos depois. De Portugal que foi de Felipão em 2006. Não na seleção, mas em um clube do país.
Não por acaso vencedor e com fome para mais conquistas. Sem refresco.
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Defesa adiantada x pontas recuados: futebol é cobertor curto desde sempre http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/07/22/defesa-adiantada-x-pontas-recuados-futebol-e-cobertor-curto-desde-sempre/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/07/22/defesa-adiantada-x-pontas-recuados-futebol-e-cobertor-curto-desde-sempre/#respond Mon, 22 Jul 2019 11:00:17 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=6916

Foto: Vitor Silva/ Divulgação Botafogo

Este blogueiro teve uma queda dos sinal da TV por assinatura e internet, inclusive pacote de dados do celular, simultaneamente durante o jogo Botafogo x Santos no domingo pela manhã por cerca de meia hora. Era preciso seguir acompanhando o jogo realizado no Estádio Nilton Santos e só restou o bom e velho rádio.

Na Super Rádio Tupi do Rio de Janeiro, o comentarista Gerson – ele mesmo, o “Canhotinha de Ouro” campeão mundial em 1970 – reclamava do recuo excessivo dos pontas Erik e Luiz Fernando no time comandado por Eduardo Barroca. Meio-campista acostumado a lançar ponteiros velozes nos anos 1960, não se conformava de ver os jogadores pelos flancos deixando de ser os escapes do time que era empurrado para trás naquele momento pela equipe de Jorge Sampaoli.

De fato, vem sendo uma dificuldade. Não só do Botafogo. Times recuam e aproximam as linhas, usam até o centroavante no próprio campo para proteger a área e quando recuperam a bola, diante da pressão pós-perda do adversário, acabam apelando ao chutão que muitas vezes não encontra sequer o atacante mais avançado já na intermediária ofensiva.

A solução não é fácil. É uma escolha. O futebol está mais intenso e rápido, inclusive na circulação da bola. Deixar o ponta mais adiantado é risco de uma inversão de bola encontrar dois adversários contra o seu lateral, porque nem sempre vai dar tempo de um meio-campista se deslocar para ajudar – a sugestão de Gerson no comentário, com o Botafogo se organizando numa espécie de 4-3-1-2 com o recuo de Diego Souza e os ponteiros mais adiantados.

Mas o dilema não é novo. No Flamengo campeão brasileiro de 1992, os pontas Paulo Nunes e Nélio marcavam individualmente os laterais adversários. Função desgastante na era do 4-2-2-2 em que os laterais jogavam de uma linha de fundo a outra. Mas era outra época, com jogo menos rápido que dava tempo para o jogador recuar apenas quando a bola era invertida para o ala. Ainda assim, quase em todos os jogos a dupla de jovens formados na base do clube como atacantes era substituída por esgotamento físico.

No Corinthians de Carlos Alberto Parreira em 2002, a ordem para Deivid e Gil era que voltassem só até a intermediária, depois o problema ficava com os laterais com suporte dos meio-campistas e cobertura dos zagueiros. Deu certo durante a temporada vitoriosa com conquistas de Rio-São Paulo e Copa do Brasil, nem tanto quando Rogério se viu sozinho contra as pedaladas de Robinho na final do Brasileiro no Morumbi.

Contra o rival Atlético no Mineirão pela Copa do Brasil, o Cruzeiro de Mano Menezes encontrou a chave para não sobrecarregar Robinho e Marquinhos Gabriel pelos flancos: os contragolpes ficaram por conta de Thiago Neves e, principalmente, de Pedro Rocha, adaptado como atacante mais adiantado na vaga de Fred. A velocidade foi fator de desequilíbrio nos 3 a 0 que encaminharam a vaga da equipe celeste nas semifinais do mata-mata nacional.

Recuar duas linhas de quatro, ou ainda colocar um volante entre elas no 4-1-4-1, e deixar à frente um centroavante lento é pedir para levar sufoco. Porque os adversários têm mais coragem para adiantar as linhas e tentar recuperar a bola assim que perdem, diminuindo o tempo de resposta na transição defesa-ataque. É preciso ter uma referência de velocidade para sair de trás.

Também surpreender a defesa mais exposta. Porque adiantar os jogadores da retaguarda também pode ser muito perigoso. O risco é óbvio: abrir espaços às costas com muito campo para correr. Os times com propostas mais arrojadas se arriscam avançando o goleiro para fazer coberturas. Nem sempre dá certo. Como o Fluminense de Fernando Diniz no Brasileiro ou o Santos de Sampaoli sofreu na Sul-Americana e na Copa do Brasil, competição que viu o Flamengo de Jorge Jesus ser eliminado nos pênaltis pelo Athletico porque sofreu um gol de contragolpe vencendo por 1 a 0. No bote errado de Rafinha na intermediária que deu campo para Rony acelerar e aproveitar o buraco atrás para bater na saída de Diego Alves.

Não há fórmula perfeita. O histórico Barcelona de Guardiola sofreu com a defesa escancarada contra o Chelsea na semifinal da Champions em 2012. O Santos de Pelé e o Botafogo de Garrincha também foram derrotados várias vezes por fragilidades sem a bola porque jogavam no campo de ataque na maior parte do tempo. Assim como o Flamengo de Zico, quando pressionado, muitas vezes não conseguiu fazer a bola chegar a Nunes porque Tita e Lico, meias adaptados como pontas, estavam muito recuados e não conseguiam puxar contragolpes.

O cobertor sempre foi curto. Se cobrir a cabeça, os pés ficam para fora. Faz parte do encanto do futebol. Ensina a ganhar e a perder e que no jogo e na vida não há garantias.  Desde antes dos tempos do Gerson “Canhota”, quando o rádio nos fazia imaginar e não ver a partida. Época lúdica, mas de uma disputa não menos imprevisível. Essa é a graça do esporte.

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25 anos do tetra: o que faltou ao Brasil para depender menos de Romário http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/07/17/25-anos-do-tetra-o-que-faltou-ao-brasil-para-depender-menos-de-romario/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/07/17/25-anos-do-tetra-o-que-faltou-ao-brasil-para-depender-menos-de-romario/#respond Wed, 17 Jul 2019 11:09:51 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=6879

Foto: Antonio Gaudério/Folhapress

Ao vencer o Uruguai no Maracanã por 2 a 0 e garantir vaga na Copa do Mundo de 1994, a seleção brasileira passou do risco de não se classificar pela primeira vez para um Mundial à uma das favoritas ao título. Não só porque a fase espetacular de Romário no Barcelona mudava o Brasil de patamar como pela ausência de uma favorita destacada na Europa – a Eurocopa de 1992 foi vencida pela Dinamarca, convidada por conta da ausência da Iugoslávia, suspensa pela UEFA por conta da guerra.

Também pela bela exibição coletiva da equipe de Carlos Alberto Parreira na última partida das eliminatórias. O encaixe de Romário na vaga de Muller foi imediato em um time que vinha crescendo e teve seu grande momento nos 6 a 0 sobre a Bolívia no Arruda, em Recife. Solidez defensiva, posse de bola, criatividade e poder de decisão na frente. Um volume de jogo que, não fossem as muitas chances desperdiçadas, poderia ter feito os uruguaios voltarem para casa eliminados e com uma goleada histórica na bagagem.

Com a vaga garantida, o planejamento da dupla Parreira/Zagallo até a Copa era dar um polimento e tornar a seleção mais ofensiva. A solução mais urgente era resgatar definitivamente a confiança de Raí. Camisa dez que ganhou o posto de capitão e esperança para formar com Bebeto e Romário um trio imparável. Contra o Uruguai,  revezamento perfeito com Bebeto: um abria pela direita apoiando Jorginho e o outro fazia companhia a Romário na área adversária.

Havia, porém, dois problemas: a queda de produção do meia com a transferência do São Paulo para o Paris Saint-Germain, inclusive com perda de ritmo de jogo por ter virado reserva na equipe francesa, e o sacrifício tático para compor pela direita a segunda linha de quatro no meio-campo com Mauro Silva, Dunga e Zinho. Faltava intensidade para acompanhar o lateral esquerdo adversário e ainda se juntar à dupla de ataque nas ações ofensivas.

Em entrevista a este blogueiro em 2014 para o livro “É Tetra”, em colaboração com o amigo Michel Costa, Raí alegou cansaço:

– Eu vinha de três temporadas fantásticas, eleito melhor jogador do Brasil e das Américas, mas praticamente sem férias. Me sentia sobrecarregado, cansado. Em pelo menos duas delas eu joguei mais de noventa partidas. Quando cheguei ao PSG, o técnico Artur Jorge me chamou e ofereceu uns dez dias para que eu descansasse e me recondicionasse. Talvez por orgulho, para mostrar que estava bem e disposto, recusei. Hoje reconheço que foi um erro.

Parreira deu todas as chances, mesmo com críticas pesadas, especialmente da imprensa do Rio de Janeiro. No entanto, apesar do gol de pênalti e da boa atuação na estreia do Mundial contra a Rússia, Raí perderia a vaga para Mazinho na virada da primeira fase com empate contra a Suécia por 1 a 1 para o jogo contra os Estados Unidos nas oitavas de final no dia 4 de julho, da independência americana.

Talvez tivesse valido a pena testar um losango no meio-campo, com Mauro Silva plantado, Dunga cobrindo mais o lado direito e Zinho pela esquerda, liberando Raí como “enganche” ou ponta-de-lança, função que executava com perfeição no São Paulo de Telê Santana. Mas as duas linhas de quatro eram inegociáveis para o treinador e o camisa dez foi o sacrificado. Mazinho entrou e formou dupla eficiente com Jorginho, atacando e defendendo.

A outra mudança seria na lateral esquerda. Branco era uma liderança no grupo, com experiência dos Mundiais de 1986 e 1990, mas convivia com problemas físicos e já caminhava para uma reta final de carreira. Contribuía mais em campo com técnica nos passes e cruzamentos, além da força e precisão nos chutes de longe. A seleção, porém, ganhava mais fluência pela esquerda com a presença de Leonardo.

Mesmo atuando como meia no São Paulo, a volta à posição de defensor não era problemática e o entrosamento com Zinho dos tempos de Flamengo para tabelas e ultrapassagens se dava naturalmente e o camisa 16 virou titular. Mas na Copa, talvez pela tensão do primeiro Mundial e a preocupação com a entrada de Marcio Santos na zaga com a lesão de Ricardo Gomes, Leonardo ficou mais preso, menos desenvolto no apoio.

Até a cotovelada em Tab Ramos contra os Estados Unidos, o cartão vermelho e a suspensão até o fim da Copa que abriu espaço para Branco decidir as quartas de final com a lendária cobrança de falta nos 3 a 2 sobre a Holanda e ir até a final no Rose Bowl, sendo um dos cobradores na decisão por pênaltis contra a Itália. Mas contribuindo menos no apoio.

Por tudo isso o Brasil campeão foi o da segurança. Um 4-4-2 mais rígido e pragmático, mantendo a posse de bola com os passes precisos de Dunga na distribuição e a iniciativa de atacar em todas as sete partidas do Mundial. Investindo em jogadas pelas laterais e, principalmente, na sintonia fina entre Bebeto e Romário. Grandes protagonistas, mas também, de certa forma, responsáveis pelos placares magros contra Estados Unidos e Suécia e pelo empate sem gols na decisão ao desperdiçarem chances claras que poderiam tornar a campanha mais consistente no ataque.

Foram apenas 11 gols, quatro a menos com dois jogos a mais na eterna comparação com a seleção de 1982, comandada por Telê Santana. Mas a crítica histórica de “retranca” não se justifica. A postura era ofensiva, mas o contexto, que ainda carregava o peso de uma eliminação nas oitavas para a a Argentina em 1990, com pesadas críticas à mesma geração, e os 24 anos sem título mundial, era bastante pesado.

Para Mauro Silva, a ausência da dupla de zaga titular formada pelos Ricardos, Rocha e Gomes, também pesou muito para os maiores cuidados defensivos. O volante explicou, também em entrevista para “É Tetra”, como a mudança no miolo da retaguarda alterou a estratégia:

– A ideia era mesmo atacar pelos lados. O Parreira me conhecia bem do Bragantino e, por conta das lesões dos Ricardos (Rocha e Gomes) com a entrada de Aldair e Marcio Santos, que foram muito bem ao longo do Mundial, o treinador me pediu para dar uma sustentação maior na cobertura. Eu atuava como uma espécie de líbero. A lógica era: se o adversário tivesse apenas um atacante os zagueiros cuidavam. Contra dois eu recuava e fazia a
sobra, à frente ou atrás deles.

Convivendo com críticas fortes, muitas injustas, desde as eliminatórias, Parreira sabia que precisava ser duro, até inflexível, para tornar a seleção competitiva. Por necessidade mudou quatro peças da ideia original e, ainda assim, terminou vencedor. Cedendo à pressão por Romário um ano antes e se apoiando no craque do Mundial para voltar para casa com a taça tão sonhada. Tirando o peso dos ombros e pavimentando o caminho para a geração de Ronaldo Fenômeno, então o menino Ronaldinho com 16 anos que foi campeão sem jogar, chegar a duas finais de Copa e ganhar o penta em 2002.

Uma história que completa 25 anos e merece ser contextualizada para fugir de clichês e dogmas que sobrevivem e se cristalizam. O tetra teve menos arte que o planejado, mas se impôs pela eficiência que faltava desde a Era Pelé.

 

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Há 30 anos, seleção venceu desconfiança em casa e foi “gênese” do tetra http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/06/11/ha-30-anos-selecao-venceu-desconfianca-em-casa-e-foi-genese-do-tetra/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/06/11/ha-30-anos-selecao-venceu-desconfianca-em-casa-e-foi-genese-do-tetra/#respond Tue, 11 Jun 2019 11:01:19 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=6684

Foto: Conmebol/Divulgação

Em 1989, a seleção brasileira completava 19 anos sem títulos mundiais, vivia uma fase de entressafra, o futebol jogado em nossos campos era muito criticado por jornalistas como João Saldanha pelo baixo nível técnico, Zico se aposentaria no final daquele ano e a maioria dos grandes talentos do país já atuava na Europa.

A Copa América disputada em casa era a grande chance de uma conquista. Na América do Sul, o jejum era de 40 anos. Mas a seleção comandada por Sebastião Lazaroni, técnico do Vasco alçado ao posto sucedendo Carlos Alberto Silva por conta da ascendência de Eurico Miranda sobre Ricardo Teixeira à época, não inspirava confiança. Pouco antes da competição havia sofrido uma goleada de 4 a 0 para a Dinamarca, o que motivou a mudança tática para um  sistema com três zagueiros.

Para piorar, o início da campanha em Salvador foi conturbado pela insatisfação da torcida do Bahia por conta da ausência do artilheiro Charles. O “Anjo 45”, em referência à canção de Jorge Benjor, que foi cortado da lista final com o jogador já fazendo parte da delegação e sendo o mais festejado na chegada. Muitas vaias, futebol fraco e até ovos atirados no campo, um deles atingindo Renato Gaúcho.

A ausência de Careca, grande destaque do futebol brasileiro na Europa atuando no Napoli de Maradona também pesava contra. Nos 3 a 1 sobre a Venezuela na estreia, o primeiro gol sofrido na história dos confrontos com o então saco de pancadas do continente. Depois o empate sem gols contra o Peru com novos protestos.

A virada anímica em Recife nos 2 a 0 sobre o Paraguai, com apoio dos pernambucanos, gols de Bebeto e um melhor desempenho. Para voar no Maracanã na fase final, começando pelo triunfo sobre a Argentina por 2 a 0 – com o lendário gol de voleio de Bebeto e o espetáculo de Romário, com direito a caneta em Maradona e um lance antológico no final distribuindo chapéus na defesa da então campeã mundial, mas errando a finalização. Depois 3 a 0 sobre o Paraguai e a vitória no encerramento do quadrangular sobre o Uruguai.

Exatos 39 anos depois do “Maracanazo”. De novo em um 16 de julho, domingo. O “fantasma” de 1950 foi exorcizado no passe de Bebeto para Mazinho que cruzou na cabeça de Romário. Uma festa inesquecível no apito final. Este que escreve estava no estádio e lembra da emoção de ver pela primeira vez a seleção erguendo uma taça. O capitão era Ricardo Gomes.

A escalação: Taffarel; Mauro Galvão, Aldair e Ricardo Gomes; Mazinho, Dunga, Silas, Valdo e Branco; Bebeto e Romário. No fracasso na Copa de 1990, Lazaroni trocaria Aldair, Mazinho, Silas, Bebeto e Romário por Ricardo Rocha, Jorginho, Alemão, Muller e Careca. Meio time.

Mas aquela seleção vencedora no continente seria a base do tetracampeonato cinco anos depois. Na vitória sobre a Itália na disputa por pênaltis no Rosebowl estavam em campo nada menos que sete atletas do time de 1989: Taffarel, Aldair, Mazinho, Dunga, Branco, Bebeto e Romário. Seriam oito se Ricardo Gomes não tivesse sido cortado pelos problemas crônicos nos joelhos que abreviaram sua carreira.

Mais que isso, a ideia de jogo de Carlos Alberto Parreira era muito semelhante à de Lazaroni. Ambos “discípulos” de Zagallo, coordenador técnico de Parreira nos Estados Unidos. Só mudava a linha de defesa. Em 1989, três zagueiros com Mauro Galvão na sobra. Linha de quatro em 1994 com a proteção de Mauro Silva, volante plantado à frente da retaguarda.

Os princípios eram os mesmos: organização defensiva, Dunga onipresente no meio-campo, marcando e distribuindo as jogadas, meias e laterais/alas combinando pelos flancos, Bebeto recuando como meia atacante para fazer a bola chegar a Romário na frente. Não é absurdo dizer que a seleção de Lazaroni foi a “gênese” da equipe que ganharia o tetra. O pragmatismo apostando no talento dos atacantes era muito semelhante.

A seleção de Lazaroni em 1989 com princípios bem semelhantes aos de 1994 com Parreira: solidez defensiva, Dunga na proteção e distribuição, meias e laterais/alas combinando pelos flancos, Bebeto armando e se aproximando de Romário. A única diferença era a linha de três na defesa, com Mauro Galvão na sobra (Tactical Pad).

Agora o contexto é muito diferente e as pressões são outras. Os 12 anos sem título da Copa América já incomodam. Mais ainda os 17 desde o Mundial conquistado na Ásia em 2002. Assim como Careca há 30 anos, Neymar é ausência que pode ser compensada com novas soluções. O clima frio entre torcida e seleção é parecido. Mas pode virar e vencer a desconfiança outra vez.

O certo é que Tite espera ter o desfecho do trabalho como Parreira. A Lazaroni só restou o papel de “outsider” que ressurge de tempos em tempos para explicar mais o fracasso na Itália do que a campanha vitoriosa de três décadas atrás. Bem a cara do nosso futebol que no resultadismo mudou pouco de lá pra cá.

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Croácia é um belo “case de caos”. Mas não deve ser exemplo mesmo que vença http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/07/12/croacia-e-um-belo-case-de-caos-mas-nao-deve-ser-exemplo-mesmo-que-venca/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/07/12/croacia-e-um-belo-case-de-caos-mas-nao-deve-ser-exemplo-mesmo-que-venca/#respond Thu, 12 Jul 2018 17:04:06 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=4915

Foto: Yuri Cortez/AFP

O último título mundial do Brasil em 2002 foi um curioso caso, talvez único, no qual a conquista ficou parecendo a consolidação de um trabalho que vinha do título em 1994, passando pelo vice quatro anos depois. Mas a trajetória de fato foi caótica: Vanderlei Luxemburgo, Candinho e Emerson Leão até chegar a Luiz Felipe Scolari.

Sofrimento nas Eliminatórias, vergonha na Copa América contra Honduras. Tudo deu certo mesmo apenas na Ásia – com seus percalços, como a estreia contra a Turquia vencida no pênalti “mandrake” sobre Luisão e nas oitavas, quando a arbitragem também interferiu no triunfo sobre a Bélgica.

Curiosamente, depois do título veio um período de esperança e prosperidade. Amadurecimento de Kaká e Adriano Imperador, surgimento de Robinho e Diego no Santos campeão brasileiro ainda naquele ano. Com Parreira no comando, títulos da Copa América, Copa das Confederações e liderança nas Eliminatórias. A queda pós ascensão veio logo no Mundial na Alemanha.

Depois o Brasil não mais se impôs. Com ciclo completo de Dunga em 2010, os nas mudanças de Mano Menezes para Felipão em 2014 e agora saindo de Dunga para Tite. Pelas mais variadas circunstâncias, inclusive a aleatoriedade em jogos eliminatórios.

A classificação da Croácia para a final contra a França despertou aqui e ali uma tese bastante presente em nosso país: planejamento e organização não garantem sucesso, que se resume ao título. Ainda mais em tempos de Flamengo e Palmeiras equacionando dívidas e sem conseguir alcançar os troféus desejados justamente no momento em que os investimentos aumentaram.

Devia ser óbvio defender uma linha de trabalho com ideias claras e objetivos bem definidos. Que no futebol não pode ser atrelada tão diretamente a algo sem controle como o resultado final. Muito menos em uma Copa do Mundo. Torneio que conta com sorteio e chaveamentos. No qual a ordem de adversários e as circunstâncias são totalmente aleatórias. Premia o melhor daquele mês, não necessariamente o do ciclo inteiro.

O trabalho sério é para garantir a competitividade. Sair de um papel de coadjuvante, desclassificado na primeira fase, para brigar no topo ou no mais próximo disto. Assim foi com Espanha, França, Alemanha e Bélgica. Assim pensa o Brasil ao vislumbrar mais quatro anos com Tite.

Porque a Croácia pode até ser campeã mundial. Mas correu sérios riscos de ficar de fora da Copa. Quando contratou Zlatko Dalic às pressas depois de demitir Ante Cacic precisava vencer a Ucrânia fora de casa para ir à repescagem, já que a Islândia garantira o primeiro lugar do grupo na eliminatória. Conseguiu um 2 a 0. A ventura no sorteio com a Grécia. O resto é história.

Que podia nem ter chegado a Rússia. Como aconteceu com Itália e Holanda. Uma renegou a formação de talentos, a outra encontra-se presa numa escola de futebol que tanto ofereceu ao mundo, mas parou no tempo. Risco que o Brasil correu com Dunga. Agora é fácil dizer que independentemente do treinador o país sempre vai à Copa. Era sexto colocado, atrás do Chile, bicampeão da Copa América que não se repaginou após a saída de Jorge Sampaoli e o espasmo com Pizzi na conquista do torneio Centenário nos Estados Unidos e ficou fora.

A Croácia é um “case de caos” para virar filme. Admirar a força mental dos jogadores, invejar a presença de meio-campistas talentosos como Modric e Rakitic e reconhecer a capacidade de mobilização e trabalhar no improviso de Dalic, que chega a seu 14º jogo no comando da seleção em uma final. Mas não pode servir de exemplo.

Melhor a França, que manteve o contestado Didier Deschamps depois do decepcionante revés em casa na final da Eurocopa contra Portugal e, sem tantos tempos extras e sofrimento, também está na decisão de domingo. Com favoritismo pelo menor desgaste e por contar com um trabalho mais consolidado.

Carrega, porém, o peso da responsabilidade de vencer. Exatamente o que sangra tantas equipes. Os croatas não têm absolutamente nada a perder. A campanha já é histórica, superando a geração de 1998. O cansaço já é um álibi até em caso de derrota por goleada. Se num último esforço conseguirem a vitória serão heróis eternos de um país.

Posição cômoda na Copa do Mundo da força mental. Mas até chegar lá esbarrou em muitas variáveis que podiam fazer tudo dar errado. Sem contar que é uma geração que não deve deixar legado para 2022. Porque há talento, sorte e muita fibra. Mas pouco trabalho e estrutura pensando a longo prazo. É a exceção à regra, como o Brasil da “Família Scolari” há 16 anos. Não pode ser referência para ninguém.

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Tite merece as críticas justas e um ciclo completo até 2022 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/07/07/tite-merece-as-criticas-justas-e-um-ciclo-completo-ate-2022/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/07/07/tite-merece-as-criticas-justas-e-um-ciclo-completo-ate-2022/#respond Sat, 07 Jul 2018 10:42:41 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=4862

Foto: Luis Acosta/AFP

Todo mundo já encontrou pela vida uma pessoa da qual se podia discordar e até se aborrecer com suas palavras e atos. Mas o respeito era obrigatório pela certeza de que, acertando ou errando, ela sabia o que estava fazendo.

Assim é Tite na seleção brasileira. Talvez o treinador mais preparado e bem informado a prestar serviços à camisa verde e amarela cinco vezes campeã do mundo. Também o mais atuante, criando uma rotina de observação e planejamento com sua comissão técnica nunca antes vista na CBF. Necessária pelo equilíbrio que o futebol no universo das seleções vem apresentando nesta Copa.

De 1970 para cá, o comando técnico sempre pareceu algo mais ligado à intuição, que também é importante. De Zagallo a Felipão e Parreira. Com ideias mais assentadas no futebol brasileiro, sem abrir muito os horizontes. Mas que atrelada ao conhecimento ficam bem mais sólidas. Inclusive para convencer os jogadores. As serpentes que precisam ser encantadas.

Como sempre acontece, Tite chamou atenção mais pela forma do que pelo conteúdo. A maneira quase messiânica de se comportar e comunicar foi vista por muitos como uma liderança que poderia até se arriscar na política. Foi bem aproveitada pela publicidade, inclusive. Para outros não passou de um discurso enfadonho, requentando estratégias de autoajuda, coaching e misturando com termos complexos.

De fato, em alguns momentos a linguagem poderia ter sido mais simples. Mas os jogadores, que, a rigor, são os que precisavam entender o que era dito por Tite sempre foram só elogios.

Escolhas são muito particulares. Sempre. Envolvem questões que vão muito além do desempenho puro e simples. Numa Copa do Mundo, fazer mudanças constantes pode gerar instabilidade na gestão do grupo. Desconfiança. A linha é muito tênue. Pegue qualquer documentário sobre um time campeão e sempre haverá aquele jogador contestado, mas que ganhou um voto de confiança e reescreveu sua história e a da equipe. Quando perde vira teimosia.

É óbvio que cada um pensa de um jeito. Este que escreve, para começar, não teria aceitado o convite e, consequentemente, a presença na coletiva de apresentação e muito menos o beijo de Marco Polo Del Nero em 2016. Sem escorregar na coerência.

Uma vez lá, teria convocado Arthur, do Grêmio. Potencialmente nosso melhor jogador em um setor crucial e carente no futebol brasileiro. Não teria mantido Fred no grupo com uma contusão grave e sem poder contribuir em campo. Talvez retornasse ao time da Eliminatória, com Renato Augusto no meio-campo dando maior suporte a Marcelo, Coutinho com liberdade de movimentação e o espaço para Gabriel Jesus se movimentar e Paulinho infiltrar. Uma voz mais firme com Neymar seria bem-vinda no processo.

Faltou um pouco de sorte também. Quando Tite sinalizou que faria a mudança que poderia ajustar a seleção, como Mazinho na vaga de Raí em 1994 e Kléberson no lugar de Juninho Paulista em 2002, Douglas Costa se lesionou e fez o técnico recuar e manter Willian.

Trocar Gabriel Jesus por Firmino pura e simplesmente nunca se mostrou uma opção tão segura. No segundo tempo da derrota para a Bélgica, o atacante do Liverpool também teve erros técnicos e chegou atrasado na hora de finalizar. A jogada desequilibrante foi de Jesus, pouco antes de ser substituído: caneta em Vertonghen e uma disputa com Kompany que a arbitragem poderia ter interpretado como pênalti.

Não era para ser. Mas pode ser melhor no Qatar. Desta vez com um ciclo completo de quatro anos. Mais habituado à tarefa de selecionar e com mais vivência, inclusive de Copa do Mundo. Mas principalmente porque Tite é disparado o melhor treinador brasileiro. Abaixo dele há uma grande névoa de profissionais ainda buscando afirmação. Sem a combinação de conteúdo e experiência, inclusive como jogador. Domina a prancheta e o vestiário. É atualizado e acompanha obsessivamente a bola jogada no país e no mundo. Não há “plano B”.

A crítica pela crítica é bem fácil. Em qualquer tempo, porque a chance de ser derrotado é sempre maior do que vencer. Então basta procurar defeitos até onde não existem, insistir para marcar território e no momento do revés capitalizar vendendo a imagem do isento em meio ao “oba oba”. No Brasil do pensamento binário, o que não for pancada é “passar pano”.

Difícil é ser justo no tom para discordar, mas reconhecendo o valor quando desmerecer é mais simples por conta de um resultado. A CBF tem a oportunidade de fazer a coisa certa e dar sequência ao trabalho. Com os devidos ajustes e a “casca” e o aprendizado de uma derrota doída. Ela deve isso a Tite, inclusive. Afinal, roubou dois anos de trabalho com a aventura de resgatar Dunga.

Tite é humano e carrega suas falhas e idiossincrasias. Pode e deve ser questionado. Mas lança um desafio que só acrescenta: para discordar é preciso conhecer. O simplismo de “falta um camisa dez”, “centroavante só é bom quando faz gol” e outros clichês não cabe mais. Que sejamos todos melhores no próximo ciclo até 2022.

 

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De Flávio Costa a Tite, toda escolha é julgada pelo resultado final da Copa http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/05/16/de-flavio-costa-a-tite-toda-escolha-e-julgada-pelo-resultado-final-da-copa/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/05/16/de-flavio-costa-a-tite-toda-escolha-e-julgada-pelo-resultado-final-da-copa/#respond Wed, 16 May 2018 11:03:29 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=4583

Foto: CBF/Divulgação

Talvez não houvesse 7 a 1 em 2014 se doze anos antes o chute de Neuville no início do segundo tempo da final da Copa do Mundo, também entre Brasil e Alemanha, não tivesse parado em Marcos e na trave esquerda. Ou alguém imagina Luiz Felipe Scolari voltando tranquilo para seguir sua carreira no país depois de perder a decisão do Mundial na Ásia para uma Alemanha enfraquecida, sem o craque Ballack, e deixando Romário fora da lista final enfrentando um clamor popular poucas vezes visto?

O que seria de Carlos Alberto Parreira em 1994 sem o tetra? Talvez viajasse direto dos Estados Unidos para assumir o Valencia. Certamente lembrariam da falta de um meia criativo como plano B para a irregularidade de Raí. Ou não ter ousado enfiando mais um atacante, Viola ou o menino Ronaldinho, junto com Bebeto e Romário.

Por outro lado, quem lembraria da romaria de políticos em campanha por São Januário na véspera da final de 1950 no Maracanã ainda que o Brasil conquistasse seu primeiro título mundial com um suado empate contra os uruguaios? E quem criticaria Flávio Costa, considerado “carioca” demais pelos paulistas e “vascaíno” demais no Rio de Janeiro?

O mesmo vale para Telê Santana em 1982. Curioso lembrar que até a derrota para a Itália a seleção brasileira era a favorita absoluta ao título, jogando um futebol considerado de outro planeta. Mas bastou ser eliminada para que Waldir Peres, Luisinho, Júnior, Cerezo e Serginho Chulapa fossem contestados como titulares. Meio time. Se Zoff não segurasse sem rebote a cabeçada certeira de Oscar no ataque final e a caminhada fosse segura para o título, estes mesmos jogadores hoje seriam lembrados como os herois de 1970.

Até Zagallo poderia virar alvo se a considerada maior seleção de todos os tempos tivesse sido vencida pelo nervosismo ao sofrer o gol do uruguaio Cubilla que abriu o placar da semifinal no México. Talvez cobrassem Marco Antonio na lateral esquerda no lugar de um Everaldo que se limitava a defender. Ou Paulo César Caju na vaga de Rivelino ou Gérson. Quem sabe até o contestado Dadá Maravilha não seria uma “solução”?

Sem contar Vicente Feola, que apostou em Pelé e Garrincha, dupla que, segundo o psicólogo a serviço da CBD, não teria capacidade cognitiva e equilíbrio emocional para disputar uma Copa. Se a anfitriã Suécia fosse mais um país a usar o fator casa para conquistar um título mundial, algo perfeitamente plausível, é bem provável que por aqui a linha de quatro na defesa e a utilização de um ponta recuando para se juntar à dupla de meio-campistas demorassem bem mais tempo para acontecer. Viraram vanguarda porque o “escrete” voltou com a taça.

No Brasil é corriqueiro dizer que o “se” não entra em campo. Mas a partir do momento que o resultado final norteia toda a análise e surgem os “profetas do acontecido” para dizer o que devia ser feito pelos derrotados e apontar os “segredos” dos vencedores, vale o exercício de imaginar o que seria caso vencidos e campeões trocassem os papéis.

O resultado é consequência das escolhas, sim. Mas também de uma infinidade de fatores, inclusive a sorte. Ou o imponderável. Um detalhe. A bola que bate na trave e quica dentro ou fora da meta. A arbitragem que erra a favor ou contra. Escorregar para fazer ou salvar um gol.

Todas as decisões podem ser questionadas. Antes, durante e depois da competição. O problema está no parâmetro único para este julgamento dos treinadores da seleção brasileira: ganhar ou perder.

Tite pode e diz que aceita ser contestado por não ter levado Arthur e Luan. Ou porque incluiu na lista final Fagner, Taison, Fred…Assume a dificuldade que é escolher. Mas merece respeito por ter trabalhado como nenhum outro treinador na história da seleção brasileira. Ele e sua comissão técnica. Acompanhando jogos in loco, na TV e até treinamentos. Estudando, atualizando, aprimorando. Em menos de dois anos de trabalho. Para enriquecer a análise e embasar as decisões. Com desempenho e resultado em campo sinalizando que a rota está correta. Ao menos até aqui.

Só que nesta terra cinco vezes campeã do mundo a derrota sempre é para si mesmo. Não há mérito do adversário. Basta fazer tudo certo que ninguém nos supera. Ainda que a Alemanha seja campeã do mundo, a Espanha jogue o melhor futebol dos últimos tempos e um português e um argentino estejam fazendo história há uma década. Somos imbatíveis. Se perdermos foi porque alguém errou.

Então se o resultado esperado na Rússia não vier o discurso já estará pronto. Mesmo que Tite mande a campo Roberto Firmino e Douglas Costa, destaques da temporada em Liverpool e Juventus, e eles até saiam do banco para melhorar o desempenho, se vier a eliminação a culpa recairá sobre a presença de Taison entre os reservas.

Usando apenas um exemplo no universo dos clubes, chega a ser engraçado ouvir ou ler que hoje”falta gente no banco para mudar o jogo” e lembrar que em 2006 os torcedores do Internacional explodiram no Orkut, a grande rede social da época, quando Abel Braga chamou o contestado Adriano Gabiru para entrar em campo. Numa final de Mundial de Clubes contra o poderoso Barcelona de Ronaldinho Gaúcho. Podia ter dado bem errado…

Como pode acontecer de tudo na trajetória brasileira em mais uma Copa do Mundo. Só uma coisa não vai mudar. Desde Flávio Costa até Tite. O julgamento será pelo resultado final. E só. Pouco, mas é o que tem para hoje. E ontem. Sempre.

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