selecaobrasileira – Blog do André Rocha http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte. Mon, 13 Jul 2020 13:46:43 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Seis anos do 7 a 1 e pouco aprendemos com a derrota. Só copiamos quem vence http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/07/08/seis-anos-do-7-a-1-e-pouco-aprendemos-com-a-derrota-so-copiamos-quem-vence/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/07/08/seis-anos-do-7-a-1-e-pouco-aprendemos-com-a-derrota-so-copiamos-quem-vence/#respond Wed, 08 Jul 2020 17:11:42 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8736

Imagem: Pedro Ugarte / AFP Photo

Seis de setembro de 2014. Menos de dois meses depois da maior derrota da história da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari dava entrevista coletiva no Maracanã como treinador do Grêmio. Este que escreve estava presente, trabalhando na cobertura do jogo para a ESPN Brasil. Altivo e refratário a qualquer questionamento sobre os 7 a 1, Felipão foi tratado pelos jornalistas dos veículos gaúchos, cariocas e nacionais como o dono da razão.

Afinal, seu time havia vencido o Flamengo de Vanderlei Luxemburgo por 1 a 0, gol de Luan, pelo Brasileiro. Encerrando uma série de cinco vitórias do time rubro-negro na competição. Era o primeiro triunfo do tricolor fora de casa sob o comando de Felipão e a equipe ocupava a sexta colocação, quatro à frente do Fla.

Grêmio que terminaria em sétimo e, no ano seguinte, Roger Machado seria o sucessor de Scolari e de um trabalho que deixou terra arrasada e a necessidade de reconstrução. O treinador novato encarou a missão e deixou base e conceitos que seriam aprimorados para em 2017 alcançar o auge com a conquista da Taça Libertadores. Com Renato Gaúcho no comando técnico.

Outro veterano e boleirão que viraria referência no ano seguinte. Junto com Felipão, de volta ao Brasil para comandar o Palmeiras que seria campeão brasileiro; A ponto de no final de 2018, o Flamengo, com nova diretoria liderada por Rodolfo Landim, o vitorioso na eleição para a sucessão de Eduardo Bandeira de Mello, escolher Abel Braga para ser o novo técnico.

Boleiro, perfil “paizão”, bom gestor de vestiário. Essa era a “moda” do futebol brasileiro no início de 2019. Reforçada com os títulos estaduais de Abel no Fla e Renato no Grêmio, mais o início avassalador do Palmeiras no Brasileiro. A ponto de na Copa América, disputada no Brasil, surgirem vozes críticas ao trabalho de Tite que tinham a coragem, quase audácia, de pedir a volta de Felipão no comando da seleção.

No dia 7 de julho, um dia antes de completar cinco anos do “Mineirazo” na semifinal da Copa do Mundo realizada no Brasil, a equipe de Tite conquistou o torneio continental como anfitrião. Sem saber que um furacão estava por vir.

Jorge Jesus no Flamengo. A união de qualidade, conceitos atuais e combinação de características dos jogadores que criou rapidamente um grande time. Cuja vitória de afirmação foi sobre o mesmo Palmeiras de Felipão. 3 a 0 no Maracanã que custou o emprego do técnico gaúcho.

Não foi o único. Fabio Carille, campeão brasileiro em 2017 e tri paulista, também ficou desempregado depois de uma goleada para os rubro-negros por 4 a 1. Assim como Mano Menezes, que caiu na antepenúltima rodada do Brasileiro por conta da derrota do Palmeiras em casa por 3 a 1 para a equipe de Jorge Jesus.

Ambos que carregaram um “hype” nos anos anteriores. Mano pelos títulos da Copa do Brasil pelo Cruzeiro, Carille pelas conquistas no Corinthians e sendo o ponta-de-lança de uma moda que veio antes dos técnicos veteranos: os “jovens, modernos e estudiosos” que ocuparam postos em grandes clubes e sinalizaram uma revolução no futebol brasileiro.

Nem era o caso. Carille simplesmente resgatou a  “identidade Corinthians” que assimilou e ajudou a implementar como auxiliar de Mano e Tite. Em entrevistas, deixava claro que não costumava acompanhar muito o que acontecia nos grandes centros da Europa. Enquanto vencia, essa prática não era criticada pela maioria na imprensa. Muitas vezes foi defendida, como se nossa realidade medíocre fosse imutável e qualquer influência do exterior não pudesse vingar.

Jorge Jesus chegou e virou tudo do avesso. Mas mesmo ele, apesar de toda excelência no desempenho do Flamengo, foi alvo de críticas, senões e “o trabalho é bom, mas…”, só calando a maioria das ressalvas quando alcançou o feito inédito de vencer Brasileiro e Libertadores no mesmo ano. Quebrando um paradigma que já tinha virado uma espécie de dogma: não seria possível disputar ambas em alto nível. Só rodando o elenco e poupando titulares em várias partidas do campeonato por pontos corridos.

Solução de Renato Gaúcho no Grêmio e também tratada como modelo. De Felipão no Palmeiras e depois do próprio Abel no início do Brasileiro pelo Flamengo. Pulverizada com os 5 a 0 na semifinal da Libertadores, com o time de Jesus atropelando a equipe do treinador que era tratado como o sucessor inevitável de Tite na seleção. Renato só não caiu no Grêmio depois do massacre no Maracanã por tudo que conquistou no clube, como jogador e técnico.

Jorge Jesus agora é a referência. Inclusive para a seleção brasileira. Porque venceu. E Tite, hoje questionado, já foi ídolo e tratado como um modelo de ética e competência até para ocupar a Presidência da República. Porque varreu os adversários nas Eliminatórias. A eliminação na Copa do Mundo para a Bélgica em um jogo igual, com tempos distintos, foi suficiente para colocá-lo em xeque.

E só conseguiu o tão sonhado posto na CBF porque em meados de 2016 era o último treinador campeão brasileiro, comandando o Corinthians. A bola da vez e sem concorrentes diretos. Se tivesse perdido o título para o Atlético Mineiro de Levir Culpi em 2015, mesmo com a evolução em métodos e no modelo de jogo depois de um ano “sabático” de estudos, talvez a oportunidade não tivesse surgido.

Enquanto tudo isso acontecia, o trauma e a reflexão sobre os 7 a 1 foi se diluindo com a passagem do tempo. A narrativa do “acidente” se fortaleceu, até pela queda dos alemães depois do ápice com o título mundial. A ponto de Felipão, o grande responsável pelas fragilidades da seleção anfitriã e pelas escolhas infelizes na escalação para o jogo do Mineirão, ser novamente tratado como solução e referência.

Seguimos olhando resultados e navegando ao sabor dos ventos. Na tentativa e erro em loop. O Flamengo se equivocou com Abel, agora acerta com Jesus, que pode voltar para Portugal treinar o Benfica. Se acontecer, quem será a próxima referência? A nova moda ou o “hype” da vez?

Não aprendemos nada, ou muito pouco. Só copiamos, ou tentamos copiar, quem vence. Só respeitamos quem sai com os três pontos. Um imediatismo que faz esquecer tudo muito rápido. O futebol é dinâmico, mas nem tanto.

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Sincerão – Olimpo do futebol só tem três: o rei, o artista e o arquiteto http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/07/01/sincerao-olimpo-do-futebol-so-tem-tres-o-rei-o-artista-e-o-arquiteto/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/07/01/sincerao-olimpo-do-futebol-so-tem-tres-o-rei-o-artista-e-o-arquiteto/#respond Wed, 01 Jul 2020 14:07:37 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8707

Foto: Acervo FIFA

Este colunista participou do quadro Sincerão do UOL Esporte e muitos questionaram por que Pelé, Maradona e Cruyff não foram citados no Top 5 de meio-campistas, nem de atacantes.

Justo. Talvez tenha sido mesmo um equívoco, mas há duas razões para tal.

Primeiro porque vejo esses três gênios como pontas-de-lança, exercendo aquela função híbrida de meia e atacante. O “camisa dez” que arma e finaliza. Zico, meu ídolo de infância e outra ausência sentida por muitos, se encaixa igualmente neste perfil. Messi também, mas em campo sempre funcionou mais como atacante, partindo da direita para dentro em busca da finalização ou da assistência.

Mas também porque os três fazem parte do Olimpo do futebol. Só eles, ao menos por enquanto. Ainda que o Olimpo abrigue doze deuses do panteão grego, É claro que Messi e Cristiano Ronaldo são candidatíssimos a pleitear vagas neste grupo muito seleto, mas é preciso esperar o fim de suas carreiras para que o distanciamento histórico entregue à dimensão dos feitos da dupla dos gênios do Século 21 até aqui.

Pelé é o rei. Entregou desempenho e resultados a longo prazo como nenhum outro. Colocou o Santos no mapa da bola e foi campeão e protagonista em duas Copas do Mundo, na época o grande parâmetro para medir os maiores. Transformou o jogo sendo um atleta completo que jogava futebol. Artilheiro implacável, domínio de todos os fundamentos do esporte.

Maradona é o artista. Genial, inquieto, imperfeito, errático. Capaz de lances espetaculares no campo e comportamentos nada exemplares fora dele. Quando quis ser competitivo foi a estrela máxima em uma edição de Copa do Mundo, no México em 1986. E também colocou um time outrora minúsculo no imaginário popular. Por isso é Deus em Napoli, assim como na Argentina. O grande ídolo da história do esporte.

E Johan Cruyff é o arquiteto. Craque cerebral, treinador dentro do campo, frasista nato. Pensou e reinventou o futebol muitas vezes, ancorado em princípios inegociáveis, como ter a bola para controlar o jogo. A conexão Holanda 1974 – Barcelona de 1992 – Pep Guardiola é única e pedra fundamental para o futebol há meio século.

É claro que há outros craques e gênios, e rankings são sempre discutíveis. Mas para este que escreve só esses três merecem ocupar o topo. Por seus feitos e legados. Esclarecido?

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Tite e Jorge Jesus: as melhores respostas do futebol brasileiro ao 7 a 1 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/06/01/tite-e-jorge-jesus-as-melhores-respostas-do-futebol-brasileiro-ao-7-a-1/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/06/01/tite-e-jorge-jesus-as-melhores-respostas-do-futebol-brasileiro-ao-7-a-1/#respond Mon, 01 Jun 2020 15:19:04 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8576

Foto: Luciano Belford / Agência O Dia

O Sportv reprisou os 7 a 1 de 2014. Seis anos transformaram a maior derrota brasileira e o grande vexame da história dos esportes coletivos em clichê, inclusive saindo da esfera do futebol para invadir as muitas mazelas do país – “todo dia um 7 a 1 diferente”.

A goleada retumbante no Mineirão em uma semifinal de Copa do Mundo foi o grande revés de uma maneira de ver o jogo. Ou de não ver. Luiz Felipe Scolari mandou os observadores Alexandre Gallo e Roque Júnior ao Maracanã assistirem ao confronto das quartas que dariam o adversário brasileiro: Alemanha x França.

O treinador, porém, não deu muita bola para o que os assistentes disseram. Preferiu acreditar na intuição. E na superstição. Também na mística da camisa verde e amarela e  na força da torcida. Gallo e Roque Júnior sugeriram reforçar o meio-campo. Felipão escolheu Bernard. Porque tinha “alegria nas pernas”. Porque deu certo contra o Uruguai na Copa das Confederações, um ano antes. Resolveu ir para cima, mesmo sem Thiago Silva, o melhor zagueiro, e Neymar, o grande craque da seleção.

Além da escolha errada, encontrou uma Alemanha com fome. Que tinha encontrado a melhor formação, com Lahm de volta à lateral direita e um trio de meio-campistas técnico e versátil: Schweinsteiger, Khedira e Toni Kroos. Klose como referência na frente, puxando Muller para uma função híbrida partindo da direita, mas circulando pelo ataque, e Ozil guardando um pouco mais o lado esquerdo, até porque Howedes praticamente não descia, era um lateral-zagueiro.

Na prática, o que se viu foi a seleção brasileira em uma espécie de 5-1-4. Luiz Gustavo muito afundado perto da defesa, quarteto ofensivo isolado – Bernard e Hulk nas pontas, Oscar por dentro e Fred na frente. E Fernandinho sozinho no meio, entre o trio alemão e levando botes toda hora. Para piorar, um David Luiz tresloucado, num delírio de “Exército de Um Homem Só”, abandonando a defesa para tentar resolver tudo sozinho.

A Alemanha foi absurdamente eficiente em contragolpes e finalizações. Uma tarde única que produziu o placar histórico. Mas estava claro que o Brasil não poderia manter a visão de futebol valorizando o periférico e olhando pouco para o jogo. Por mais que muitos insistam até hoje em passar a mão na cabeça de Felipão por amizade e usar o termo “apagão” para reduzir uma humilhação para nunca mais esquecer.

Mesmo com resistências, alguns agentes do futebol brasileiro se esforçaram para avançar, evoluir. Tite foi o primeiro e  mais significativo. Mesmo campeão da Libertadores e Mundial em 2012, sentiu na virada de 2013 para 2014 que precisava aprender, ampliar o repertório. Ele que já havia afirmado no Brasil a marcação por zona em detrimento dos encaixes com perseguições individuais típicos. Também valorizado a compactação entre os setores. Mas ainda era pouco.

Rodou a Europa, fez uma espécie de “estágio” com Carlo Ancelotti no Real Madrid, estudou muito o Barcelona que começava a sinalizar o “arrastão” do trio Messi-Suárez-Neymar e voltou com elementos para acrescentar ao seu estilo, especialmente na fase ofensiva. Pensou em aplicar na seleção, mas a CBF preferiu Dunga.

Acabou voltando ao Corinthians em 2015. Precisou queimar etapas de preparação para tornar a equipe competitiva nas fases preliminares da Libertadores, teve a Flórida Cup para atrapalhar, mas deu uma boa resposta inicial que cobrou caro mais à frente. A oscilação depois de superar São Paulo, San Lorenzo e Danúbio na fase de grupos veio com problemas internos, como atraso de salários. Custou o Paulista e a elminação para o Guaraní paraguaio nas oitavas.

No Brasileiro, um ajuste fino no acréscimo de conceitos formou um time fortíssimo. Competitivo e capaz de proporcionar momentos de espetáculo. O Corinthians do Renato Augusto organizador, de Elias infiltrador como meia em um 4-1-4-1. De Jadson “ponta articulador” partindo da direita para circular às costas dos volantes adversários e ainda abrindo o corredor para Fagner. Uma equipe que apostava demais nas triangulações nas ações de ataque. Campeã brasileira sobrando na reta final, com direito a 3 a 0 sobre o Atlético Mineiro no Independência para consolidar a conquista.

Com a demissão de Dunga depois do fracasso na Copa América Centenário, era a vez de Tite. Que passou por cima de convicções acerca do “modus operandi” da CBF em nome do sonho de dirigir a seleção. E levou suas ideias e o “modelo Corinthians” para comandar Neymar, Philippe Coutinho, Gabriel Jesus e companhia.

Obviamente sem deixar de pensar no entorno. Criou um clima positivo com jogadores e imprensa. E repaginou a seleção no mesmo 4-1-4-1, trazendo Renato Augusto para a função única de organizador. Paulinho era Elias, Casemiro era Ralf, Coutinho era Jadson, Jesus era Love. E Neymar não era Malcom, mas o grande protagonista.

De sexto lugar e ameaçado a ficar de fora da Copa em agosto de 2016 a líder absoluto das Eliminatórias com classificação antecipada. Mas o ciclo de apenas dois anos começou a cobrar o preço em novembro de 2017, com o empate sem gols com a Inglaterra em Wembley que revelou a dificuldade de furar a linha de cinco defensores. Problema que virou drama com o sorteio para a Copa na Rússia que colocou no caminho Suíça, Costa Rica e Sérvia. Todas que em algum momento jogaram com linha de cinco e poderiam repetir contra o favorito Brasil.

Tite tentou uma nova “revolução”. Acrescentando elementos do ataque de posição. Trocando o Renato Augusto com problemas físicos por Willian. Um ponta para abrir o campo pela direita, trazendo Coutinho para o meio com Paulinho. Mais posse de bola e um jogo planejado para furar retrancas.

Sofreu com o corte por lesão de Daniel Alves e a recuperação tardia de Neymar. Mas fez uma Copa digna comparada com a saga tortuosa de 2014. Ao menos Tite buscava soluções olhando para o campo. Douglas Costa, Roberto Firmino, o próprio Renato Augusto. Os que mudaram o segundo tempo contra a Bélgica e quase recuperaram os 2 a 0 da primeira etapa. Faltou a eficiência nas finalizações.

Tite seguiu no comando técnico da seleção. Uma rara permanência sem título da CBF. Justa, porque o saldo dos dois anos  foi bastante positivo. Hoje parece um passado distante em tempos tão acelerados, mas o treinador era ídolo antes do Mundial, especialmente depois da “revanche” contra os alemães a poucos meses da Copa. Para os incautos era visto até como um exemplo para os candidatos a presidente.

2019 trouxe o título da Copa América disputada no Brasil, mas também uma sensação de estagnação. Em desempenho e resultados. Tite manteve a ideia do ataque guardando posições, de se instalar no campo ofensivo e valorizar a posse. Mas Arthur não trouxe a dinâmica na circulação da bola e Firmino não se afirmou como “falso nove”, função que exerce com brilhantismo no Liverpool.

Com Tite dando a impressão de que havia batido no teto, o futebol cinco vezes campeão mundial ficou um tanto órfão. A ponto de Felipão, redivivo com o título brasileiro do Palmeiras, voltar a ser tratado por alguns como uma velha/nova solução. Chocante e desanimador. Era preciso reencontrar um norte. Buscar uma resposta.

Veio de Portugal. Ou melhor, da Arábia Saudita. Jorge Jesus deixou o Al Hilal e acertou com o Flamengo, que efetuou uma correção de rota após a opção infeliz por Abel Braga. Inspirada na onda de técnicos experientes e boleirões que veio com o sucesso de Scolari no ano anterior. Abel deixou De Arrascaeta no banco para manter Willian Arão ao lado de Cuéllar à frente da defesa. Não queria um “time de índios”.

Jesus sofreu com a adaptação em um início já com partidas decisivas na Copa do Brasil e na Libertadores. Caiu nos pênaltis contra o Athletico pelo mata-mata nacional, mas sobreviveu contra o Emelec nas oitavas sul-americanas e teve tempo para encaixar os quatro que chegaram para o segundo semestre – Rafinha, Pablo Marí, Filipe Luís e Gérson – com os quatro contratados em janeiro: Rodrigo Caio, Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabriel Barbosa. Mantendo Diego Alves na meta e Everton Ribeiro como o ponta articulador.

Transformou Willian Arão em um ótimo primeiro volante. Com estatura para colaborar no jogo aéreo ofensivo e defensivo, qualidade técnica na saída de bola e capacidade de infiltração para momentos específicos visando surpreender os adversários.

Montou o melhor time brasileiro da década, superando o próprio Corinthians de Tite. Entregando respostas velhas e novas. Como reunir todos os talentos? Fazendo todos se comprometerem sem a  bola. Como não se expor defensivamente? Pressionando no ataque.

Como furar retrancas com linha de cinco na defesa? Aumentando a pressão, roubando bolas na frente e definindo rápido as jogadas. Ou variando taticamente sem trocar peças. O 4-1-3-2 básico pode se transformar em 4-2-3-1 ou 4-3-3. Bruno Henrique pode fazer dupla com Gabriel Barbosa ou trabalhar pelos flancos como ponteiro. Everton Ribeiro e Arrascaeta podem trabalhar por dentro. Gabriel abrir pela direita.

Deu certo com o ano histórico do feito inédito de vencer Brasileiro e Libertadores. E já entrava em uma segunda etapa de conquistas e evolução faturando as taças da Supercopa do Brasil, Recopa Sul-Americana e Taça Guanabara. Ampliando o repertório e as possibilidades com um elenco mais recheado. Parado pela pandemia e agora com futuro incerto.

Ainda assim, um salto tão grande, trazendo Jorge Sampaoli na carona, que fez os técnicos brasileiros parecerem mais anacrônicos que em 2014. Renato Gaúcho, o grande favorito para suceder Tite na seleção, foi humilhado na semifinal da Libertadores com 6 a 1 no agregado e superioridade clara dos rubro-negros até no empate por 1 a 1 em Porto Alegre. Com direito a nova vitória, no Brasileiro, por 1 a 0 em Porto Alegre com Jesus poupando oito titulares para a final do torneio continental contra o River Plate.

Jesus virou tudo de ponta a cabeça. Sem ser hoje um dos melhores treinadores do planeta. Longe da primeira prateleira, mas com um olhar europeu que, com respaldo da direção do Flamengo e qualidade do elenco para executar suas ideias em campo, se impôs de maneira contundente.

Primeiro Tite, depois Jorge Jesus. As melhores respostas no futebol brasileiro aos 7 a 1 que deveriam ser tratados como um corretivo pedagógico, mas são vistos como “tragédia”. Felizmente o tempo não pára e a evolução arrasta, ainda que lentamente. Qual será o próximo passo?

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Dunga, o subestimado. Por culpa dele mesmo e do nosso jeito de ver futebol http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/05/30/dunga-o-subestimado-por-culpa-dele-mesmo-e-do-nosso-jeito-de-ver-futebol/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/05/30/dunga-o-subestimado-por-culpa-dele-mesmo-e-do-nosso-jeito-de-ver-futebol/#respond Sat, 30 May 2020 14:08:47 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8571

Imagem: Reprodução TV Globo

Dunga foi campeão mundial de juniores (sub-20) em 1983. Completaria 20 anos em outubro daquele ano, mas já demonstrava liderança, embora o capitão fosse o zagueiro Boni.

Mas chamou atenção mesmo pela capacidade de marcação. Como Geovani e Gilmar Popoca eram meias essencialmente criativos e o ataque era formado por Mauricinho, Marinho Rã e Paulinho, sem um “falso ponta” para ajudar no trabalho sem bola, Dunga ficava plantado à frente da defesa, combatia, dava carrinhos.

Volante sério, cobrava dos companheiros o tempo todo. Mesmo muito jovem, o semblante sempre fechado, também pela concentração máxima no jogo, começou a criar no imaginário popular a imagem de “bravo”. Como só ele marcava, era o cara do “serviço sujo”. O “brucutu” ou “carregador de piano”.

Mesmo que já tivesse bom passe e chute forte e preciso de média/longa distância. Virtude que apareceria mais na seleção brasileira que venceria a medalha de prata em 1984 nos Jogos Olímpicos de Los Angeles. Jogando como segundo homem de meio-campo, à frente do volante Ademir. Assim marcou dois gols pela equipe de Jair Picerni que contava com o Internacional como base.

Do clube gaúcho foi para o Corinthians, que remontou o time com o dinheiro da venda de Sócrates para a Fiorentina. Ajudou na campanha de recuperação no Paulista de 1984 que não impediu o título do Santos de Serginho Chulapa, mas entregou fibra e foi o pilar de sustentação de um meio-campo que tinha Arturzinho, Biro Biro e Zenon.

Seguiu acertando times na breve passagem pelo Vasco, vindo do Santos. Foi em 1987 a primeira vez que este que escreve viu Dunga no estádio. Além dos desarmes, o camisa cinco exigia que seus companheiros Geovani e Tita, que completavam o meio-campo na equipe de Joel Santana, e mais Mauricinho, Roberto Dinamite e até o jovem Romário voltassem até o próprio campo e dessem o primeiro combate. Para que ele viesse por trás para roubar a bola. Assim venceu a Taça Guanabara e fez parte da campanha do título estadual.

Dunga seguiu o caminho natural de jogadores de destaque à época. Inicialmente no Pisa, depois na Fiorentina, onde ficou de 1988 a 1992. Durante este processo foi campeão da Copa América de 1989 e virou titular absoluto da seleção para a Copa de 1990.

Ali começou a via-crúcis. Para elogiar o profissionalismo do jogador, o técnico Sebastião Lazaroni cunhou o termo “Era Dunga”. O impacto na imprensa e nos torcedores foi imediato. Porque ia na contramão da cultura do futebol brasileiro. “Como assim a seleção que conta com o talento de Careca, Bebeto, Romário, Jorginho, Mauro Galvão e Branco tem um volante marcador como símbolo?”

Junte a isso a escolha de um sistema com três zagueiros que era visto como “retranqueiro” e a entrada no meio-campo de Alemão, mais um jogador com características de volante, e tínhamos uma panela de pressão pronta para explodir. A seleção era vista como “europeia” e a briga por conta de premiação, com jogadores tapando com a mão o símbolo do patrocinador da CBF na foto oficial, alimentou a imagem de “mercenários”.

No campo, uma seleção intensa, dedicada e com proposta ofensiva. Os três zagueiros liberavam os alas, que contavam com o suporte dos meias Alemão e Valdo, que tentavam alimentar a dupla Muller-Careca na frente. Por trás, Dunga distribuía o jogo e chegava na frente para finalizar. Foi um dos destaques da melhor atuação brasileira naquele Mundial disputado na Itália: nas oitavas de final contra a Argentina, em Turim.

Mas o lampejo de Maradona servindo Caniggia jogou tudo por terra. As muitas chances desperdiçadas cobraram um preço alto. Dunga cabeceou uma bola na trave no primeiro tempo, mas foi driblado pelo gênio argentino no gol que definiu a eliminação precoce e o volante acabou virando símbolo daquele fracasso.

Uma injustiça reparada por Carlos Alberto Parreira em 1993. Um tanto à forceps, porque o treinador da seleção tentou montar um meio-campo com um volante, Mauro Silva, e três meias – Luis Henrique, Raí e Elivelton, de início. Era a exigência da época por um futebol mais “brasileiro”.

Quando Dunga se firmou como titular novamente ao lado de Mauro Silva, as críticas vieram pesadas. Como aquele “grosso” vai jogar de “oito”? No Brasil de Didi, Gerson, Rivelino, Falcão e Sócrates aquilo era considerado um acinte, uma ofensa ao futebol então tricampeão do mundo.

Na prática, Dunga era o melhor passador e o jogador que fazia o time jogar. Com passes diretos procurando os atacantes Bebeto e Muller, depois Romário. Ou invertendo para as combinações entre os laterais e os meias. Passes curtos e longos. De “chapa” ou de trivela. Um bom repertório, mesmo sem elegância e plástica.

Mas Dunga era volante, não podia armar as jogadas da seleção. E era o símbolo de uma derrota, podia “dar azar” novamente. Estereótipo e superstição sem olhar para o que acontecia no campo. Nada mais brasileiro.

Dunga virou o jogo sendo um dos destaques na conquista do tetra nos Estados Unidos. Teve personalidade para cobrar o último pênalti brasileiro antes de Baggio mandar nas nuvens as chances da Itália na decisão. Foi fundamental até nos bastidores, administrando as indisciplinas de Romário, seu colega de quarto.

Na hora de levantar a taça como capitão, um desabafo. Justo, mas que saiu desproporcional pelos muitos xingamentos. Um contraste com a alegria serena de Bellini, Mauro e Carlos Alberto Torres nas conquistas anteriores. De seleções também questionadas e criticadas pela imprensa, mas nenhum capitão quis se vingar em um momento de êxtase.

Dunga se queimou de vez. O título sem gols na final marcou uma seleção criticada. Magoado, Dunga passou a alfinetar sem nenhuma necessidade a seleção de 1982. Pragmático, não entendia como uma equipe que perdeu podia ser mais elogiada que a dele, que venceu. Comprou brigas bobas, alimentou a antipatia.

Em 1998, a briga com Bebeto durante o jogo contra Marrocos. Grito, xingamento, até uma cabeçada leve no companheiro de seleção. Durante uma partida tranquila ainda na fase de grupos da Copa do Mundo na França. Só porque o atacante veterano demorou a voltar para ajudar na marcação. Para quê?

Com nova derrota, desta vez na final para a anfitriã, mais críticas. Encerrando aos 34 anos um ciclo mais que vitorioso, porém cercado de polêmicas e ódio. De Dunga, de boa parte da imprensa e da torcida. O título de 2002, com os mesmos três zagueiros e dois meio-campistas com características de volante – Gilberto Silva e Kléberson – não atraíram tantas críticas por defensivismo. Afinal, na frente havia Rivaldo e os Ronaldos e a equipe de Felipão venceu os sete jogos, mesmo com dificuldades claras e alguns “apitos amigos”.

Encerrou a carreira salvando o Internacional do rebaixamento com um gol contra o Palmeiras em 1999. Mas a maioria, tirando os colorados, lembra mesmo dos dribles humilhantes do menino Ronaldinho Gaúcho pelo Grêmio. Os detratores de Dunga também lembram de sua carreira sem grandes conquistas e clubes de ponta no exterior para menosprezá-lo, mas na época ir para a Europa significava dinheiro, prestígio e mais chances de ser convocado. Servir à seleção era o grande objetivo dos brasileiros.

E bastou o escrete canarinho fracassar em 2006, com Parreira novamente e uma seleção acusada de pouco compromisso e sem liderança para lembrarem de Dunga. Na impossibilidade de contar com o “Sargento” Scolari, a serviço de Portugal, a CBF inventou o capitão do tetra como treinador. E muitos apoiaram à época. O líder que xingava e gritava seria importante pelo “pulso firme” para controlar os craques. Outro estereótipo tipicamente brasileiro.

Venceu Copa América e Copa das Confederações, terminou na liderança das Eliminatórias. Mas de novo as brigas com jornalistas, declarações nada amigáveis, alimentando um clima de tensão que só piorava o ambiente. Patadas para explicar as ausências de Neymar e Ganso, respostas cheias de veneno para justificar uma convocação que entregava pouco além do forte time titular.

Novo revés, mais uma execração pública. Demissão e a volta em 2014, de novo para apagar incêndio. Desta vez os 7 a 1. Com apenas uma experiência no comando técnico de clube, no Internacional em 2013. Um pouco mais calmo e sorridente no trato com a imprensa e nas declarações públicas. Mas faltou conteúdo e a eliminação da Copa América Centenário encerrou o ciclo.

Muito de positivo nesses 31 anos à serviço da seleção poderia ser lembrado, mas acaba soterrado por questões menores. Responsabilidade do próprio jogador e treinador, com seu temperamento irascível, implacável, sem concessões. Tratada como virtude quando convém na cultura do futebol brasileiro. Tinha que ser o “general”, mas sem se atrever a querer ser destaque como jogador. Este era o papel dos mais habilidosos, malemolentes, criativos. Ele era um “europeu” que vestia a camisa verde e amarela.

Dunga fez parte da seleção da FIFA em duas Copas do Mundo: 1994 e 1998. O melhor passador no título dos Estados Unidos – 589 corretos, só ficando atrás de Xavi em 2010 na história dos mundiais –  e um dos mais eficientes na campanha do vice, quatro anos depois. Mas poucos lembram. Porque Dunga é um dos jogadores mais subestimados da história. Por culpa dele e do jeito brasileiro de ver o futebol. Uma pena.

 

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Matheus Cunha é mais um na fábrica brasileira de ótimos coadjuvantes http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/05/28/matheus-cunha-e-mais-um-na-fabrica-brasileira-de-otimos-coadjuvantes/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/05/28/matheus-cunha-e-mais-um-na-fabrica-brasileira-de-otimos-coadjuvantes/#respond Thu, 28 May 2020 15:47:57 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8568

Foto: Divulgação / Hertha Berlin

Com a Bundesliga como única grande liga de volta, um brasileiro ganhou destaque: Matheus Cunha, do Hertha Berlin. Contratado ao Leipzig por cerca de 20 milhões de euros no último dia da janela de inverno na Europa, o atacante de 21 anos marcou quatro gols em sete partidas.

No retorno da competição, dois belos gols contra Hoffenheim e Union Berlin. Contra o ex-time, na data do seu aniversário e quatro dias depois do nascimento do filho, Levi, não foi às redes. Mas sofreu as duas faltas que resultaram na expulsão de Halstenberg e sofreu o pênalti que definiu o empate por 2 a 2.

Matheus já havia se destacado no Pré-Olímpico, como campeão e artilheiro, com quatro gols. É atacante versátil, pode trabalhar nas quatro funções ofensivas do 4-2-3-1: referência, pelos lados ou atrás do centroavante. Trabalha bem fazendo parede ou atacando espaços às costas da defesa. Mas gosta mesmo de tabelar vindo de trás para finalizar.

Sua história é a mesma de tantos, cada vez mais comum: revelado pelo Coritiba, descoberto pelo Sion, após uma boa participação na Dallas Cup, foi para o futebol suíço com 18 anos. Sem criar raízes no Brasil, amadureceu na Europa. Marcou dez gols em 29 jogos e foi para o Leipzig. Ganhou notoriedade por um golaço sobre o Bayer Leverkusen, que concorreu ao Prêmio Puskas no ano passado.

É bom atacante e pode vislumbrar uma oportunidade na seleção principal. Provavelmente estará na Olimpíada de Tóquio, se e quando ocorrer. É certo que já está no radar de Tite. Parece ter boa cabeça e profissionalismo.

Mas alguém consegue imaginar Matheus Cunha como protagonista no mais alto nível europeu? Decidindo Champions e fazendo história?

Difícil. Assim como o cenário internacional para brasileiros parece reservar lugar apenas para ótimos coadjuvantes, com exceção de Neymar. Até Firmino, destaque no Liverpool, não é exatamente um jogador “disruptivo”. Desequilibrante, de exceção.

Quem lê o blog sabe que aqui há espaço para saudades, nostalgia. Saudosismo, não. Mas é possível refletir sobre a “nova ordem mundial” em relação ao Brasil: descobrir cada vez mais cedo, levar logo para a Europa, trabalhar o atleta dentro dos conceitos mais atuais e discipliná-lo no jogo coletivo.

Positivo, claro. Até porque os mais “peladeiros” vêm sofrendo bastante – como Lucas Paquetá no Milan, por exemplo. Vinicius Júnior vai lutando contra deficiências crônicas em finalização e tomada de decisão no Real Madrid. E é possível que a seleção brasileira volte a ser campeã mundial casando características de bons jogadores, mesmo sem nenhum extra-classe. Ou apenas Neymar.

Mas é cada vez mais difícil termos um jogador com o currículo do craque do PSG. Neymar poderia ter partido ainda adolescente para o Real Madrid. Ficou, brilhou no Santos, fez gol em final de Libertadores e foi para o Barcelona já acostumado com o protagonismo. Assumindo o papel de desequilibrante, mesmo que a estrela máxima fosse Lionel Messi.

Matheus Cunha se espelha em Ronaldo e Romário. Mas em seu discurso nota-se que quer ser apenas mais um. Outro que pode sentir o peso da responsabilidade em jogo grande de Copa do Mundo e não tentar nada diferente. Será que um pouco de egocentrismo, de “me dá a bola aqui que eu vou resolver” não faz falta em determinados momentos?

A França foi campeã do mundo em 2018 com Griezmann, Mbappé e Pogba assumindo responsabilidades. E o treinador Deschamps mexendo na equipe para potencializar os talentos, que deram a devida resposta. Com a “casca” de reveses doídos, principalmente a derrota como anfitriã para Portugal na final da Eurocopa 2016.

O Brasil tem bons valores, mas o teto parece baixo. Porque é possível formar uma seleção competitiva, porém naquela partida eliminatória tensa, condicionada mais à força mental e à personalidade que às questões técnicas/táticas, é difícil achar em quem se possa confiar. E o futuro parece menos promissor.

É a fábrica de coadjuvantes brasileiros. Todos ótimos, mas com papeis secundários. Na hora do aperto o que se vê é um deserto. Matheus Cunha é a bola da vez, enquanto os olhos estão voltados para a Alemanha. Quem será o próximo?

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Seleção de 1994 tinha bola para vencer dando espetáculo. O que atrapalhou? http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/26/selecao-de-1994-tinha-bola-para-vencer-dando-espetaculo-o-que-atrapalhou/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/26/selecao-de-1994-tinha-bola-para-vencer-dando-espetaculo-o-que-atrapalhou/#respond Sun, 26 Apr 2020 06:16:28 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8377

Foto: Acervo / CBF

A vitória por 2 a 0 sobre o Uruguai no Maracanã pelas eliminatórias em 1993 ficou na história como “o jogo de Romário”. Justo, por toda via-crucis que trouxe o então melhor atacante do mundo, brilhando no Barcelona, de volta à seleção. Depois de uma “geladeira” de quase um ano por reclamar da reserva em um amistoso contra a Alemanha em Porto Alegre. Prometeu voltar garantindo o Brasil na Copa nos Estados Unidos e cumpriu. Com louvor e uma das maiores atuações individuais da história do mítico estádio.

Mas foi também uma fantástica exibição coletiva da equipe de Carlos Alberto Parreira. Trazendo tudo que fizera de bom até aquele momento, em especial nos 6 a 0 sobre a Bolívia em Recife, e adicionando o toque genial e diferente do mais genial e genioso jogador daquela geração. O bom desempenho coletivo potencializou o grande talento, como costuma acontecer.

O 4-4-2 que antes tinha Muller no ataque deixava Bebeto mais centralizado para finalizar. Raí precisava compor mais o lado direito para fechar a segunda linha e fazer dupla com Jorginho. No Maracanã, Bebeto ganhou mais liberdade para circular e procurar o setor no qual tinha entrosamento dos tempos de Flamengo com o lateral direito.

Assim Raí apareceu por dentro em vários momentos, quase como um “enganche”. Até porque Mauro Silva e Dunga eram fantásticos marcadores e, auxiliados por Zinho pela esquerda, davam conta de fechar o meio. E à direita ainda estava o zagueiro Ricardo Rocha, vivendo fase espetacular e muito rápido na cobertura, permitindo que, se necessário, Jorginho saísse para pressionar o adversário sem deixar um buraco às costas.

É o craque do São Paulo quem tabela com Romário no chute do camisa 11 no travessão, logo no início da partida. O camisa dez também chega na área, pouco atrás do Baixinho, quando Bebeto escapa pela direita e faz o cruzamento para o primeiro gol. Raí, bicampeão da Libertadores e ainda em boa forma no início da temporada 1993/1994 pelo Paris Saint-Germain.

O triunfo transformou o Brasil automaticamente em um dos favoritos ao título mundial. Até porque não havia uma seleção se destacando na Europa – na Euro 1992, a campeã foi a convidada Dinamarca.

Mais tranquilo com a classificação, Parreira poderia aperfeiçoar a base e melhorar o entrosamento da estrela redimida com os companheiros. A maioria calejada pelo fracasso em 1990 e pronta para a missão de encerrar uma seca de 24 anos.

O processo teve apenas uma mudança: Leonardo na vaga de Branco, com problemas físicos. Dando leveza e aproveitando a boa sintonia entre o lateral e Zinho, que jogaram juntos por três anos no Flamengo. Perderia o chute forte e a experiência de dois Mundiais do ex-titular, mas ganhava fluidez e rapidez nas ultrapassagens pela esquerda.Mesmo com Leonardo já atuando no meio-campo pelo São Paulo.

Do lado oposto, Jorginho e o revezamento entre Bebeto e Raí. Quem não aparecesse no flanco se juntaria a Romário por dentro na frente. A construção das jogadas ficava a cargo de Dunga e Mauro Silva se dedicava à proteção da defesa, especialmente o lado esquerdo, com Ricardo Gomes mais técnico, porém menos rápido que o xará Rocha e já sofrendo com dores atrozes nos joelhos.

Uma seleção segura, trocando passes, valorizando a posse e atacando com volume e um toque de fantasia. Competindo e, sempre que possível, dando espetáculo. A referência de Parreira, com Zagallo ao lado como coordenador técnico, continuava sendo a seleção de 1970. A síntese do futebol que aliava beleza e eficiência.

Parreira planejava uma seleção brasileira ofensiva: fluida e rápida pelos flancos, com Zinho e Leonardo pela esquerda e Jorginho com o apoio revezado de Bebeto e Raí e a rápida cobertura de Ricardo Rocha. Dunga seria o organizador no meio com Mauro Silva na proteção dos zagueiros Na frente, Romário para decidir (Tactical Pad).

Não foi possível pela queda brusca de produção de Raí com a má fase no time francês, inclusive perdendo ritmo ao ficar no banco. Ainda mais prejudicial pela compleição física que tornava o meia pesada se não estivesse em plena forma. Impossível cumprir as funções com e sem bola.

Parreira insistiu até o limite, deu moral mantendo a braçadeira de capitão, mas depois da fraca atuação contra a Suécia no empate por 1 a 1, Mazinho acabou ganhando a vaga. Mais fixo pela direita, liberou Bebeto para se juntar de vez a Romário. Na função que, na prática, era de meia-atacante. A mesma que o camisa sete já exercera em 1989, na seleção campeã da Copa América com Sebastião Lazaroni no comando técnico. Com Taffarel, Mazinho, Aldair, Ricardo Gomes, Branco, Dunga, Bebeto e Romário, pode ser considerada a gênese da equipe do tetracampeonato mundial.

O treinador também precisou se preocupar mais com a proteção da defesa, que perdeu a dupla de zaga por lesão. Entraram Aldair e Márcio Santos, que ganharam confiança justamente porque a seleção ficou mais engessada nas duas linhas de quatro. Com Dunga e Mauro Silva concentrados no combate, embora o camisa oito seguisse como o centro de distribuição das jogadas, com passes curtos e longos para inverter o lado da ação ofensiva.. Leonardo também precisou ser mais cuidadoso no apoio e guardar mais o próprio setor.

Até ser expulso e suspenso pela cotovelada que mandou Tab Ramos para o hospital, Branco retornou, mesmo longe das melhores condições atléticas. Menos mal que Aldair e Márcio Santos já haviam ganhado confiança para manter a defesa bem coordenada na proteção da meta de Taffarel.

A formação campeã mundial, sem a zaga titular, Leonardo e Raí. Por isso mais pragmática e engessada num 4-4-2 com meias protegendo laterais e Bebeto livre para articular com o meio-campo e se aproximar de Romário (Tactical Pad).

Assim como no Maracanã contra os uruguaios, a seleção viveu durante a campanha na Copa um grande  paradoxo: Romário criava as chances com genialidade, posicionamento correto e movimentação inteligente, mas desperdiçava muitas oportunidades cristalinas.

Não é absurdo pensar que o Brasil poderia ter marcado pelo menos mais dois gols contra os russos nos 2 a 0 da estreia, também vencido os Estados Unidos em 4 de julho por 2 a 0 – Romário perdeu uma chance depois de driblar o goleiro. Na semifinal contra a Suécia, pelo menos 3 a 0, já que Zinho e o próprio camisa onze perderam gols feitos. Na final, Bebeto e Romário falharam em finalizações simples com total liberdade.

Terminar a campanha com seis vitórias e um empate, marcando 17 gols e sofrendo apenas três gols era uma realidade palpável e compatível com o rendimento. Com esses resultados mais robustos e vencendo os italianos sem necessidade de disputa de pênaltis na decisão do Rose Bowl que a TV Globo reprisa neste domingo, talvez fosse menos criticada. Ou devidamente reconhecida.

Parreira queria vencer e planejou sua equipe para isso. Mas o contexto atrapalhou e não permitiu que houvesse mais beleza. Fez falta para consagrar ainda mais a melhor seleção daquela Copa do Mundo.

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As dez maiores atuações individuais em Copas do Mundo http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/23/as-dez-maiores-atuacoes-individuais-em-copas-do-mundo/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/23/as-dez-maiores-atuacoes-individuais-em-copas-do-mundo/#respond Thu, 23 Apr 2020 08:26:03 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8349

Foto: Acervo / FIFA

10º – Alcides Ghiggia (Uruguai – 1950)

É claro que eu não assisti a nenhum jogo completo da campanha uruguaia em 1950. Mas, ora bolas, o ponta direita da Celeste fez gols nas quatro partidas da campeã mundial. Mesmo descontando a bizarra primeira fase com apenas um adversário – a Bolívia, que levou de 8 a 0 no Independência, em Belo Horizonte. No jogo decisivo do quadrangular final, encarou um Maracanã abarrotado e deitou e rolou em cima do lateral Bigode. Assistência para Schiaffino e  gol da virada e do título, o do “Maracanazo”. Virou lenda e merece constar nesta lista, mesmo que na base da “licença poética”.

9º – Lotthar Matthaus (Alemanha – 1990)

A Copa na Itália não é das mais memoráveis, mas Matthaus compensou. Depois de ser o volante disciplinado que dificultou a vida de Maradona na final em 1986, foi o craque, capitão e camisa dez que liderou a Alemanha na vingança, quatro anos depois. Compensava o meio-campo esvaziado no 5-3-2 armado por Franz Beckenbauer com dinamismo e versatilidade. Quatro gols, liderança e protagonismo que lhe valeram a Bola de Ouro da “France Football” e, na carona, o primeiro prêmio de melhor da FIFA em 1991. Recordista de partidas em Copas, com 25 em cinco edições. Craque.

8º – Zinedine Zidane (França – 2006)

O primeiro não campeão da lista. Vencedor em 1998, com dois gols na final contra o Brasil, mas nem sombra do que fez o craque já veterano a partir das oitavas da Copa na Alemanha, oito anos depois: gols contra Espanha, Portugal e na final contra a Itália. Atuação majestosa, flutuando em campo nas quartas contra a então campeã, além da assistência para o gol da vitória, de Henry. Na prorrogação da decisão, uma cabeçada parou nas mãos de Buffon, outra no peito de Materazzi. Encerrando uma carreira brilhante que merecia uma última taça. Pena.

7º – Romário (Brasil – 1994)

Foram cinco gols, um pênalti sofrido contra a Rússia, um chute que Bebeto aproveitou no rebote contra Camarões, a assistência para Bebeto derrubar os Estados Unidos em casa num quatro de julho. Mais o “fingir de morto” no gol de Bebeto e o contorcionismo para deixar a bomba de Branco passar pelo seu corpo contra a Holanda nas quartas. Na final contra a Itália, o peso dos 24 anos sem título e a atuação quase perfeita de Baresi na marcação. Perdeu gol feito na prorrogação, mas assumiu a responsabilidade e converteu o pênalti na decisão. Definitivamente, foi a Copa do Baixinho.

6º – Johan Cruyff (Holanda – 1974)

O arquiteto do futebol moderno é o segundo e último sem taça da lista. Azar da Copa, embora tenha ficado bem entregue para os anfitriões Beckenbauer, Muller, Maier e Breitner. A arrancada no primeiro minuto da final desde a defesa – era o holandês mais recuado quando recebeu a bola – é a síntese do grande líder do “Carrossel” que influencia o jogo até hoje. A Holanda jogava no 4-3-Cruyff-2. Liderança, leitura de espaços, capacidade de ditar o ritmo e o tempo do jogo. Tudo isso sendo marrento, usando uniforme diferente e sendo um fumante compulsivo. Surreal.

5º – Pelé (Brasil – 1958)

Dezessete anos. Seis gols decisivos nas três partidas eliminatórias. Dois antológicos, contra País de Gales nas quartas e Suécia na final. Imagine o que isso renderia de visibilidade e milhões de euros para esses feitos hoje. A camisa verde e amarela, e a dez em particular, ganhou outro significado graças a um menino, que nem foi o melhor da seleção e da Copa. Mas brilhou intensamente na equipe de Feola que ganhou encaixe desde os primeiros segundos da estreia de Pelé, e também de Garrincha, contra a União Soviética. Começava a trajetória épica do maior de todos.

4º – Didi (Brasil – 1958)

Apenas o cidadão que tirou de Pelé, Garrincha e do francês Just Fontaine – até hoje o maior artilheiro de uma edição de Copa, com 13 gols – o prêmio de melhor jogador do Mundial na Suécia. O líder que calmamente pegou a bola no fundo das redes em uma final contra os anfitriões depois de sofrer o primeiro gol, acalmou os companheiros enquanto caminhava até o centro do campo e, logo após a saída, acertou um lançamento de quarenta metros para Garrincha acertar a trave. Meio-campista completo, de passes curtos e longos, dribles e elegância única. Um monstro de jogador!

3º – Pelé (Brasil – 1970)

Quatro gols e sete assistências. Mais três quase-gols históricos: a cabeçada para a defesa lendária de Banks, o chute do meio do campo por cobertura na estreia contra a Tchecoslováquia e a finta em Mazurkiewski sem tocar na bola e o chute para fora na semifinal diante dos uruguaios. A última Copa de Pelé foi a do atleta do século XX no esplendor da leitura de jogo e da liderança técnica. A grande referência da maior seleção de todos os tempos. Servindo Jairzinho contra a Inglaterra e Carlos Alberto no gol que consolidou o tri. Os mais simbólicos da campanha. A0s 29 anos, a consagração no México.

2º Mané Garrincha (Brasil – 1962)

Um gênio improvável decidindo o bi brasileiro no Chile que pareceu impossível com a lesão de Pelé vivendo o auge da carreira na segunda partida da Copa. Nas fases finais, um Mané impossível contra Inglaterra e na semifinal diante do anfitrião. Percebendo a necessidade da seleção envelhecida e ampliando o repertório além do famoso drible na direita em busca da linha de fundo. Marcou de cabeça e de pé esquerdo. Fez o inimaginável para alguém com problemas cognitivos e longe de levar uma vida de atleta, mesmo para os padrões dos anos 1960. Simplesmente genial.

1º Diego Maradona (Argentina – 1986)

Não foi só pelo gol mais belo, emblemático e tocante da história das Copas, representando cada cidadão argentino contra os ingleses pela derrota na Guerra das Ilhas Malvinas. Nem pela atuação magnífica na semifinal contra a Bélgica ou por causa da assistência para Burruchaga decidir a Copa contra os alemães no Estádio Azteca. Diego Armando Maradona foi o melhor da Copa de 1986 desde que tocou na bola pela primeira vez, na estreia contra os violentos sul-coreanos. Apanhou, compensou as limitações dos companheiros e desequilibrou. Ninguém jogou mais que ele em uma edição de Mundial. Ponto.

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Flamengo de Jorge Jesus é mais Cláudio Coutinho e menos Carpegiani http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/21/flamengo-de-jorge-jesus-e-mais-claudio-coutinho-e-menos-carpegiani/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/21/flamengo-de-jorge-jesus-e-mais-claudio-coutinho-e-menos-carpegiani/#respond Tue, 21 Apr 2020 12:25:19 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8339

Foto: Acervo / Jornal do Brasil

Com as conquistas da Libertadores e do Brasileiro no mesmo ano, algo que nenhum time brasileiro alcançou desde o Santos de Pelé, o Flamengo de Jorge Jesus entrou para a história do futebol nacional e provocou comparações com times do passado.

Entre os rubro-negros, o paralelo óbvio é com a outra equipe lendária do clube, a campeão sul-americana e mundial em 1981, com o “bônus”  do título brasileiro no ano seguinte. Análises e mais análises sobre um possível duelo entre os Flamengos, quase sempre tendo como vencedora a equipe de quase quarenta anos atrás. Com Zico sendo o fator de desequilíbrio.

Pode ser, embora comparar times de épocas diferentes seja sempre um exercício complicado. Porque sem contextualização ou equiparação temporal, a tendência seria o time atual passar por cima fisicamente. Ainda mais pela marcação adiantada e com pressão no homem da bola que Zico, em entrevista a este blogueiro para o livro “1981” lançado em parceria com Mauro Beting e a Maquinária Editora em 2011, admitiu ser uma dificuldade grande para o time que liderou em campo. Jogo mais intenso normalmente praticado por equipes do sul do país, assim como as argentinas e uruguaias.

Mais racional é tentar buscar semelhanças entre as propostas de jogo. E analisando a trajetória vencedora que começa em 1978, com a conquista do título estadual – quando eles ainda valiam muito em um calendário sem Copa do Brasil – no gol inesquecível do zagueiro Rondinelli sobre o Vasco, um Flamengo anterior ao que Paulo César Carpegiani herdou de Dino Sani lembra mais a equipe atual. Ou uma versão desta dentro das variações táticas do treinador português.

O time campeão brasileiro de 1980, comandado por Cláudio Coutinho. Gaúcho com formação militar, preparador físico da seleção do tri em 1970 que conheceu o professor americano Kenneth Cooper e passou a adotar o então moderno método de avaliação física. Foi parar no Olympique de Marseille e de lá para a seleção olímpica, primeiro como preparador, depois supervisor e, por fim, treinador em uma emergência por conta da demissão de Zizinho.

Mesmo sem medalha, terminando em quarto lugar, acabou indicado para suceder Carlos Froner no Flamengo e assumiu em setembro de 1976. Trazendo a visão pós-Copa de 1974, impactada pela revolução do futebol holandês simbolizada por Rinus Michels. O coletivo acima do individual, organização para atacar e defender quase em ato contínuo e versatilidade dos jogadores, utilizando o termo “polivalência”, além de outros que acabaram virando folclore, como “overlapping” (ultrapassagem do lateral pelo ponta) e “ponto futuro” – local onde a bola chegaria em uma jogada ensaiada.

O Fla de Coutinho amadureceu primeiro com o revés estadual para o Vasco em 1977, depois as conquistas estaduais que levaram o técnico a comandar a seleção brasileiro na Copa do Mundo de 1978 e na Copa América no ano seguinte. 1979 dos dois títulos cariocas em calendário confuso, mas também do sofrimento pela eliminação para o Palmeiras de Telê Santana no Brasileiro de 1979 com uma goleada por 4 a 1. Com o domínio local, o Brasileiro virou obsessão.

Chegou em 1980 com início oscilante até Nunes chegar para ser o camisa nove que daria o “click” na formação titular que engrenou até a decisão contra o Atlético Mineiro. Passando pela “vingança” contra o Palmeiras com implacável 6 a 2 no Maracanã. A grande atuação coletiva que consolidou o modelo de jogo.

Time que já tinha clara preocupação com conceitos atuais como amplitude, profundidade e superioridade numérica, ainda que esses termos nunca tenham saído da boca de Coutinho. O “overlapping” pela direita se dava com Tita por dentro atraindo o lateral adversário e deixando o corredor para Toninho Baiano. Forte, rápido e incansável em busca da linha de fundo.

Do lado oposto, Júlio César era o ponteiro aberto e driblador, típico da época. Júnior fazia o papel de lateral “construtor”, apoiando por dentro e se juntando aos meio-campistas Andrade, Paulo César Carpegiani, Zico e ainda Tita que tinha liberdade de circulação. Cinco homens contra três, no máximo quatro do oponente no trabalho entre as intermediárias.

O Flamengo de Coutinho campeão brasileiro de 1980, com Toninho e Júlio César abrindo o campo e Junior e Tita atacando por dentro, criando superioridade numérica no meio-campo ao se juntar a Andrade, Carpegiani e Zico, que infiltrava no espaço deixado por Nunes, o centroavante móvel (Tactical Pad).

Na frente, Nunes se movimentava pelos flancos e abria espaços para a infiltração de Zico, craque, ídolo e artilheiro da equipe e daquela edição do torneio nacional com 21 gols. Sem a bola, compactação dos setores, momentos de pressão sobre o adversário com a bola e linhas adiantadas. Na fase ofensiva, toque de bola refinado e algum controle pela posse, porém com definição mais rápida dos ataques.

Que versão do Flamengo atual é parecida? Aquela em que Bruno Henrique ocupa mais o setor esquerdo, bem aberto, embora também entrando em diagonal para finalizar. Fazendo Gabriel Barbosa procurar naturalmente o lado direito e abrindo espaços por dentro para De Arrascaeta. Everton Ribeiro, assim como Tita, sai da direita para articular por dentro, colaborando com Willian Arão e Gerson. Mais Filipe Luís, o lateral que pensa mais o jogo. Na direita, Rafinha ataca mais o corredor aberto e busca o fundo.

Uma das variações de Jorge Jesus no Fla atual tem Bruno Henrique aberto pela esquerda e Gabriel Barbosa procurando mais à direita e abrindo espaços para De Arrascaeta infiltrar pelo meio. Everton Ribeiro sai da ponta para dentro armar o time com Gerson, protegido por Willian Arão. No corredor, Rafinha apoia mais aberto buscando o fundo. Do lado oposto, Filipe Luís é um lateral mais construtor (Tactical Pad).

A conexão entre Coutinho e Jesus, claro, é a escola holandesa. O brasileiro no contato com o Ajax e a “Laranja Mecânica”, o português no estágio em 1993 com Johan Cruyff, a grande referência do atual treinador rubro-negro.

Paulo César Carpegiani também tinha seus pontos de contato com a Holanda: primeiro esteve em campo na derrota da seleção brasileira por 2 a 0 para a equipe de Rinus Michels em 1974, depois jogou em 1976 com Marinho Peres, que trabalhara com Michels e Cruyff no Barcelona e agregou conceitos ao Internacional de Rubens Minelli e Falcão na conquista do bicampeonato brasileiro naquele mesmo ano.

Carpegiani, claro, entendia a necessidade de rotação, porém gostava mais da bola e com toques mais curtos, embora tivesse precisão também nos lançamentos. O estilo do jogador falou alto na rápida transição para o comando técnico – aposentadoria por lesão no joelho aos 31 anos, curto período como auxiliar de Dino Sani e logo estava treinando os ex-companheiros.

Tanto que sacou o ponteiro Baroninho para encaixar o meia Lico. A ideia era soltar todas as peças à frente do volante Andrade. Aproveitando a mobilidade de Adílio, que herdou a posição de Carpegiani, porém sem o mesmo perfil organizador.

A estreia da equipe mais móvel foi espetacular nos históricos 6 a 0 sobre o Botafogo. O rival foi para o intervalo levando quatro gols e sem entender o que acontecera. Os laterais Leandro e Júnior atacando abertos ou por dentro, Andrade e Zico mais centralizados e o trio Tita-Adílio-Lico girando por todo campo, assim como Nunes mantendo a movimentação pelas pontas. Algo muito fora dos padrões da época.

Proposta que se consagrou nos 3 a 0 sobre o Liverpool em Tóquio, embora em organização mais conservadora: um 4-2-3-1 com Adílio mais próximo de Andrade, até para auxiliar Júnior que jogou sentindo o joelho direito. Tita e Lico guardando mais as posições pelos flancos e Zico buscando os espaços às costas dos meio-campistas britânicos para acionar Nunes em diagonal.

Foi no Brasileiro de 1982, disputado no primeiro semestre, antes da Copa do Mundo na Espanha, que o novo modelo de jogo foi consolidado. Com a mesma mobilidade, mas adquirindo alguns padrões. Como Nunes bem aberto, quase como um ponteiro,  e Tita, que havia abandonado a seleção brasileira por não aceitar ser ponta e Telê avisar que no meio não havia vaga, jogando por dentro.

Era a solução encontrada por Carpegiani para aproveitar um jogador de temperamento complicado, mas também de boa técnica e poder de finalização interessante. Ele e Zico articulavam pelo meio e alternavam na chegada à área adversária com Lico e Adílio, que circulava por todo campo com vitalidade impressionante. Às vezes alternando com Zico, que recuava para organizar. Ideias à frente do tempo e vencedoras.

Na vitória sobre o São Paulo por 4 a 3 no Morumbi pelo Brasileiro de 1982, um flagrante do Flamengo móvel de Carpegiani: Júnior atacando por dentro dando suporte a Adílio, com Zico dando opção mais à direita e Lico e Tita, em tese os ponteiros, centralizados. E o centroavante Nunes? Dando opção bem aberto e mais recuado pela esquerda (Reprodução TV Globo).

Mas que guardavam poucas semelhanças com o time atual. Porque era mais intuitivo e concentrava mais jogadores no trabalho entre as intermediárias. Às vezes afunilando demais os ataques e se expondo por atacar com os dois laterais simultaneamente.

A equipe de Cláudio Coutinho, um ano antes, era mais coordenada. Faltou paciência ao treinador para ver o auge da equipe que formou. Irritado com a diretoria, partiu no início de 1981 para uma aventura nos Estados Unidos, comandando o Los Angeles Aztecs. Voltou em novembro daquele ano e foi receber os campeões da Libertadores no aeroporto no dia 24. Três dias depois, convidou Junior para comer  peixe depois de um mergulho para pesca submarina nas Ilhas Cagarras, arquipélago próximo da praia de Ipanema. Não voltou. Faleceu, por afogamento, aos 42 anos.

Deixou, no entanto, um legado no Flamengo mais vencedor da história. Que o time de Jorge Jesus tentou igualar ou até superar quase quatro décadas depois. Cinco troféus em nove meses, antes da pandemia. Como será na volta? A maior torcida do país sonha com um final ainda mais feliz.

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O que é lenda e o que foi, de fato, inovador na seleção de 1970 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/20/o-que-e-lenda-e-o-que-foi-de-fato-inovador-na-selecao-de-1970/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/20/o-que-e-lenda-e-o-que-foi-de-fato-inovador-na-selecao-de-1970/#respond Mon, 20 Apr 2020 12:03:36 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8332

Foto: Arquivo / CBF

A seleção de 1970 foi a maior de todas as Copas e o intuito desta análise não é desqualificá-la. Pelo contrário. Mas depois da exibição dos jogos pelo Sportv cabe uma contextualização daquela equipe dentro da história do futebol.

A Copa do Mundo no México foi atípica. Altitude, forte calor, jogos ao meio-dia para encaixarem nas grades das emissoras de TV europeias. O ritmo foi naturalmente mais baixo que o do Mundial anterior, em 1966 na Inglaterra.

Por isso a preparação cuidadosa da seleção brasileira. Não só pela necessidade de se adaptar às condições da primeira Copa na América do Norte, mas principalmente pela bagunça no ciclo de 1966. O calendário de clubes na época permitiu que o escrete canarinho ganhasse prioridade total.

A análise individualizada dos atletas, o método Cooper e a perfeita aclimatação construíram a grande revolução brasileira: a imposição física. Por isso a superioridade total no segundo tempo das partidas e o zagueiro Britto sobrando no teste realizado com todas as seleções.

Exuberância atlética que ajudou Zagallo a fazer na seleção o que já realizava no Botafogo: “defender como pequeno, atacar como grande”, revelou o treinador em entrevista concedida a este blogueiro em 2014. Na Copa de 1966, Bulgária e Portugal, além de baterem em Pelé, aproveitaram os muitos espaços concedidos pelo 4-2-4 brasileiro.

No México, a equipe marcaria com todos no próprio campo, ainda que os mais adiantados apenas cercassem ou pressionassem os adversários, deixando os desarmes e interceptações para os quatro defensores e Clodoaldo à frente da retaguarda. Em vários momentos da carreira de treinador, Zagallo foi chamado de “retranqueiro” por recuar seu time sem a bola, mas em 1970 foi uma estratégia mais que acertada, com 12 dos 19 gols marcados em contra-ataques.

Foram as grandes inovações para a época, sem necessariamente deixar legado para os outros Mundiais. A Copa de 1966 já apresentara uma notável evolução física e no que hoje chamamos de intensidade, tanto em movimentos coletivos, na circulação da bola e também na força nas divididas.

O Mundial de 1974, disputado também na Europa, foi a continuação dessa evolução e teve influência maior dos grandes clubes daquele período: o Ajax de Michels e Cruyff e o Bayern de Munique de Beckenbauer e Muller. Times que baseavam seu jogo mais na pressão no campo de ataque do que em fechar espaços na defesa.

Já outras “revoluções”, especialmente na montagem da seleção, que ficaram no imaginário popular não eram exatamente novidades e viraram lendas pela conquista espetacular, com seis vitórias e 100% de aproveitamento.

Rivellino como o ponta que fechava o meio-campo era legado do próprio Zagallo como jogador. Voltando para fechar o setor esquerdo em 1958, definitivamente como um terceiro meio-campista formando o setor com Zito e Didi no Chile, quatro anos depois.

Tão inovador que fez Alf Ramsey, treinador da Inglaterra, armar o seu 4-4-2 com Ball e Peters pelos lados, dando mais liberdade ao craque Bobby Charlton para se aproximar da dupla de ataque formada por Hurst e Hunt. “Meus dois Zagallos”, diria o comandante do “English Team” campeão.

Carlos Alberto Torres como um lateral mais ofensivo que Everaldo do lado oposto também não era exatamente uma novidade. Em 1958, Nilton Santos já aparecia mais no ataque pela esquerda que De Sordi, depois Djalma Santos, à direita.

E a Internazionale de Helenio Herrera, bicampeã europeia e mundial em 1964/65, já tinha Giacinto Facchetti – aquele mesmo lateral que perseguiu Jairzinho e deixou o corredor aberto para o “Capita” estufar as redes de Albertosi no último gol dos 4 a 1 da final. O italiano era liberado para atacar pela esquerda, protegido pelo líbero Picchi e por Burgnich, mais marcador à direita.

O mito dos cinco camisas dez já foi abordado neste blog e vale a lembrança AQUI. Mas é claro que a combinação de características dos “dez” armadores – Gerson e Rivellino – com os “dez” atacantes – Pelé e Tostão – e o “dez” velocista, Jairzinho, foi mais uma grande sacada de Zagallo.

Tostão era um ponta de lança adaptado ao centro do ataque, com liberdade de movimentação e abrindo espaços para Jairzinho e Pelé infiltrarem. Como Everaldo descia pouco, o camisa nove, até por ser canhoto, procurava mais o lado esquerdo para trabalhar com Rivellino e Gerson ou Paulo César Caju.

Mas centroavante saindo da área já existia desde os anos 1930, com Matthias Sindelar no “Wunderteam” da Áustria. Ou na Hungria de 1954, com Hidegkuti recuando para trabalhar no meio com Bozsik, atraindo os zagueiros desavisados e marcando individualmente na execução do WM da época. Deixando a área do oponente para os artilheiros Kocsis e Puskas, que seria companheiro no Real Madrid de Di Stéfano, o argentino que seria mito na Espanha jogando com a camisa nove, mas circulando por todo campo.

A diferença de Tostão para os citados acima é que sua movimentação era mais pelos flancos e não recuando para criar com os meio-campistas. Mas até isso não era exatamente algo novo, já que o próprio Vavá, com o recuo de Zagallo e Pelé despontando como protagonista, também procurava naturalmente o lado esquerdo no Brasil bicampeão do mundo.

É claro que reunir todas essas valências num time campeão mundial é um feito único e espetacular.  Os méritos de Zagallo, comissão e jogadores são inegáveis – sem esquecer de João Saldanha, que iniciou o processo e foi fundamental no planejamento impecável. Tostão, Gerson e outros ainda em atividade na comunicação têm mais que lembrar e exaltar o que conquistaram, até para não serem engolidos pela “geração Z” que acha que o mundo começou com a internet.

Mas é dever do jornalismo se esforçar para entregar informação precisa sem perder o encantamento. O contexto sempre ajuda a não menosprezar, nem fantasiar. Melhor assim.

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Fracasso da seleção “Joga Bonito” em 2006 começou com ilusão no Mangueirão http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/18/fracasso-da-selecao-joga-bonito-em-2006-comecou-com-ilusao-no-mangueirao/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/18/fracasso-da-selecao-joga-bonito-em-2006-comecou-com-ilusao-no-mangueirao/#respond Sat, 18 Apr 2020 08:39:14 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8316

Foto: Evaristo Sá / AFP Photo

É preciso dar nome aos bois. Foram os perfis do Esporte Interativo no Facebook e no Twitter que começaram a onda de saudosismo com a seleção brasileira de 2006. Difícil entender  a razão, mas foi lá. Talvez uma espécie de “efeito rebote” dos 7 a 1 de 2014.

Muito já foi dito sobre o fracasso do grande favorito, o time do slogan “Jogo Bonito”. Que ganhou tudo depois do título mundial em 2002: Copa América (com reservas), Eliminatórias e Copa das Confederações. Menos o principal, na Alemanha.

Por isso é preciso contextualizar, resgatar a história com informação precisa. Justamente para entender que o período de futebol exuberante foi bastante efêmero, embora impactante e capaz de despertar emoções que andavam adormecidas. Talvez desde o recital de Romário contra o Uruguai em 1993 garantindo vaga no Mundial dos Estados Unidos, com favoritismo imediato acoplado. Ou o encantamento em 1982, para os mais velhos.

Temos que voltar ao dia 20 de maio de 2004, no Stade de France, em Paris. Ao jogo comemorativo do centenário da FIFA. Aquele dos uniformes que replicavam modelos do passado, de um lendário domínio de Zidane saltando e aconchegando a bola no peito. Do empate sem gols.

Também da seleção comandada por Carlos Alberto Parreira com Juninho Pernambucano, usando a camisa dez, e Zé Roberto no meio-campo, Kaká e Ronaldinho, este com a camisa sete, mais adiantados encostando em Ronaldo Fenômeno. Isso soa familiar, não?

O 4-3-1-2 brasileiro em 2004 contra a França: Juninho e Zé Roberto atrás de Kaká, que encostava na dupla de Ronaldos na frente. Cafu e Roberto Carlos faziam os corredores pelos flancos (Tactical Pad).

Desenho tático que dava mais liberdade à então estrela reluzente Ronaldinho e exigia um pouco mais taticamente do Kaká em ascensão no Milan. Que continuava dependendo fundamentalmente de Cafu e Roberto Carlos – o primeiro com 34 anos, o outro com 29 – para abrir o campo e chegar à linha de fundo.

O desempenho coletivo não empolgava e os resultados eram apenas razoáveis nas eliminatórias. Cinco vitórias, cinco empates e uma derrota para o Equador por 1 a 0 na despedida da temporada. O grande momento com os titulares foi contra a Argentina, no Mineirão, com os três pênaltis sofridos e convertidos por Ronaldo. Com Juninho, Zé Roberto e Kaká no meio, mas Luís Fabiano fazendo companhia ao Fenômeno na frente na vitória por 3 a 1.

Seguiu monótono e burocrático no início de 2005 com uma vitória magra sobre o Peru no Serra Dourada, gol de Kaká. Com a substituição que foi uma espécie de ensaio para o que viria: saiu Juninho Pernambucano, entrou Robinho. Desfazendo o 4-3-1-2/4-3-2-1 e indo para o 4-2-2-2.

Contra o Uruguai em Montevidéu, com Ricardo Oliveira se juntando a Ronaldo na frente, mas dando lugar a Robinho. Empate por 1 a 1. O suficiente para amadurecer Parreira, que no jogo seguinte arriscou o sistema mais ousado que variava naturalmente em campo para o 4-2-3-1 pela mobilidade de Robinho, se juntando a Kaká e Ronaldinho no apoio a Adriano, o substituto de Ronaldo em Porto Alegre.

Os 4 a 1 empolgaram Parreira, que repetiu a ousadia no Monumental de Nuñez. Mas a sede de revanche dos argentinos ajudou a construir os 3 a 1, na última derrota brasileira naquelas eliminatórias. No dia oito de junho, a oito dias da estreia na Copa das Confederações contra a Grécia.

Sem Cafu, Roberto Carlos e Ronaldo. Com Cicinho, Gilberto e Adriano. Campanha oscilante, com boa estreia nos 3 a 0 sobre os gregos, mas derrota por 1 a 0 para o México e empate por 2 a 2 com o Japão. Segunda colocação do grupo, confronto com a anfitriã Alemanha na semifinal.

E Adriano, já “Imperador” na Internazionale e com moral por ter sido decisivo na conquista da Copa América com o gol salvador sobre a Argentina, ganhou de vez a confiança de Parreira com dois gols nos alemães e mais dois sobre a mesma albiceleste.

Nos 4 a 1 tratados como um marco daquela seleção. A despeito do desgaste e dos desfalques dos grandes rivais, de fato a seleção apresentou futebol de alto nível com momentos de arte, como na longa troca de passes até o cruzamento de Cicinho na cabeça de Adriano.

O “click” se deu com a movimentação na frente que preenchia melhor os espaços: Adriano, ao contrário de Ronaldo, procurava o lado direito para cortar para dentro e finalizar. Isso permitia que Robinho e Ronaldinho se alternassem à esquerda e Kaká circulasse com liberdade. Com vitalidade nas laterais, o jogo ficou mais fluido.

A formação que venceu a Copa das Confederações, com Robinho se mexendo no quarteto com Kaká, Ronaldinho e Adriano e mais o apoio dos laterais Cicinho e Gilberto (Tactical Pad).

A expectativa, então, era como seria com a volta dos titulares. Contra o Chile não foi possível pela suspensão de Ronaldinho. O Fenômeno entrou na frente, com Robinho recuando para fazer dupla com Kaká na criação. O espetáculo nos 5 a 0 empolgaram o Mané Garrincha e muitos brasileiros. Este que escreve se lembra de receber “scraps” de amigos mais jovens no finado Orkut perguntando: “era assim em 1981/1982?”

Com três gols, Adriano virou titular absoluto e Parreira enxergou a viabilidade do “quarteto mágico” contar com o Imperador e Ronaldo na frente. Apesar da loucura de alguns torcedores e comentaristas que sonhavam com um quinteto que incluiria Ronaldinho e Robinho, o treinador sabia que um teria que ficar de fora.

Na despedida das eliminatórias, dos estádios brasileiros e dos jogos oficiais em um ano mais que vencedor, a primeira oportunidade de escalar Kaká e Ronaldinho no meio, Adriano e Ronaldo na frente. Também a chance de terminar com mais uma conquista, ainda que simbólica: a liderança na disputa sul-americana, pelo saldo de gols, em caso de vitória sobre a Venezuela em Belém e uma derrota da Argentina, já classificada, para o Uruguai que lutava pela quinta vaga, a da repescagem, com a Colômbia.

Deu tudo certo em Montevidéu com os uruguaios marcando 1 a 0. Também no Mangueirão, com os 3 a 0 sobre o frágil adversário, antepenúltimo colocado. Sem atuação de gala,com o quarteto centralizando demais o jogo. O suficiente, porém, para convencer Parreira que a base para o Mundial estava montada. Foi o erro capital. O jogo da ilusão.

Com Kaká e Ronaldinho na articulação e Adriano e Ronaldo na frente, uma seleção engessada, que centralizava demais o jogo e necessitava de seus laterais veteranos para abrir o campo – note Cafu bem aberto no canto inferior direito (reprodução TV Globo).

Porque a convicção foi alimentada pelo amistoso “inconclusivo” contra a Rússia em março – vitória por 1 a 0, gol de Ronaldo. E as “carnes assadas” Luzern, da Suíça, e Nova Zelândia, já na preparação para a Copa, que começou com a bagunça em Weggis.

É óbvio que o desgaste de Ronaldinho na temporada europeia com título da Champions, a queda vertiginosa de rendimento de Adriano e os problemas físicos de Ronaldo contribuíram, mas o fato é que a seleção ficava engessada no 4-2-2-2. Cafu e Roberto Carlos não conseguiam mais entregar tanta eficiência e vigor jogando de uma linha de fundo à outra e Zé Roberto era sobrecarregado cobrindo o enorme buraco no meio.

Porque Parreira queria Kaká bem aberto à direita, como exigiu de Raí em 1994. O mesmo com Ronaldinho do lado oposto, na esperança que ele brilhasse adotando posicionamento parecido com o do 4-3-3 do Barcelona de Frank Rijkaard. Não podia dar certo. O fato é que a mobilidade de Robinho alternando pelos flancos era mais que necessária.

Ficou claro no terceiro jogo do Mundial, depois dos triunfos sem nenhum brilho sobre Croácia por 1 a 0, gol de Kaká, e por 2 a 0 sobre a Austrália – Adriano e Fred. Mesmo considerando a fragilidade do Japão treinado por Zico, a seleção ficou mais solta com as mudanças de Parreira: Cicinho e Gilberto nas laterais, Gilberto Silva e Juninho Pernambucano no meio e Robinho se juntando a Kaká, Ronaldinho e Ronaldo, que marcou dois gols e ficou a um do recorde em Copas do Mundo.

O 15º tento veio no início das oitavas contra Gana, aproveitando bela assistência de Kaká. Com a volta de Adriano, forçada por uma lesão de Robinho, e o quarteto engessado. Mas deu para o gasto, especialmente pela atuação fantástica de Zé Roberto, autor do terceiro gol. Nas quartas, o reencontro com a França do redivivo Zidane, que foi às redes contra a Espanha e sonhava se aposentar como bicampeão mundial.

Robinho se recuperou, mas não para noventa minutos. Sem confiança em Adriano, Parreira cometeu seu último equívoco no ciclo como treinador da seleção: resgatar o que não deu certo e precisou mudar lá em 2004: Juninho Pernambucano entrando no meio-campo com Gilberto Silva, substituto do lesionado Emerson, e Zé Roberto. Kaká na ligação e Ronaldinho se juntando a Ronaldo na frente.

O mesmo 4-3-1-2 do amistoso em Paris dois anos antes. Mas diante dos Bleus mais concentrados e coordenados, com Ribéry e Malouda negando espaços a Cafu e Roberto Carlos, Makelele e Vieira cuidando de Kaká e Ronaldinho e Zinedine Zidane flutuando em campo e humilhando quem aparecesse na frente. Inclusive com chapéu em Ronaldo.

O 1 a 0 com gol de Henry saiu barato. A única finalização na direção da meta de Barthez foi de Ronaldo, aos 45 minutos do segundo tempo. Já com Adriano na vaga de Juninho, Robinho na de Kaká e Cicinho no lugar de Cafu. Era tarde e o Mundial se encerrou para o Brasil com Ronaldinho como grande decepção. Uma caricatura do melhor do planeta, aquele que ameaçava concorrer ao Olimpo de Pelé e Maradona.

Frustração que provocou mudanças como a invenção de Dunga como treinador, para impor disciplina e evitar a farra de Weggis. A volta do capitão de 1994 sepultava o sonho de resgatar 1970 com os craques que não conseguiram brilhar coletivamente.

Deixa saudades talvez pela reunião dos Bolas de Ouro – incluindo Kaká, que venceria em 2007 – antes da Era Messi x Cristiano Ronaldo. Mas como time era inviável, mesmo há 14 anos. E o jogo pouco comentado em outubro no Mangueirão pesou mais que os 4 a 1 sobre a Argentina em Frankfurt.

Os colegas do Esporte Interativo não devem se lembrar. Memória afetiva e, por isso, seletiva. Compreensível.  Ainda mais com as derrotas que viriam depois, com Neymar como estrela solitária e sem chances nas premiações individuais. Seja como for, é preciso reconhecer: em 2005 foi mais lúdico e divertido mesmo.

 

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