zagallo – Blog do André Rocha http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte. Mon, 13 Jul 2020 13:46:43 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Seleção de 1994 tinha bola para vencer dando espetáculo. O que atrapalhou? http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/26/selecao-de-1994-tinha-bola-para-vencer-dando-espetaculo-o-que-atrapalhou/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/26/selecao-de-1994-tinha-bola-para-vencer-dando-espetaculo-o-que-atrapalhou/#respond Sun, 26 Apr 2020 06:16:28 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8377

Foto: Acervo / CBF

A vitória por 2 a 0 sobre o Uruguai no Maracanã pelas eliminatórias em 1993 ficou na história como “o jogo de Romário”. Justo, por toda via-crucis que trouxe o então melhor atacante do mundo, brilhando no Barcelona, de volta à seleção. Depois de uma “geladeira” de quase um ano por reclamar da reserva em um amistoso contra a Alemanha em Porto Alegre. Prometeu voltar garantindo o Brasil na Copa nos Estados Unidos e cumpriu. Com louvor e uma das maiores atuações individuais da história do mítico estádio.

Mas foi também uma fantástica exibição coletiva da equipe de Carlos Alberto Parreira. Trazendo tudo que fizera de bom até aquele momento, em especial nos 6 a 0 sobre a Bolívia em Recife, e adicionando o toque genial e diferente do mais genial e genioso jogador daquela geração. O bom desempenho coletivo potencializou o grande talento, como costuma acontecer.

O 4-4-2 que antes tinha Muller no ataque deixava Bebeto mais centralizado para finalizar. Raí precisava compor mais o lado direito para fechar a segunda linha e fazer dupla com Jorginho. No Maracanã, Bebeto ganhou mais liberdade para circular e procurar o setor no qual tinha entrosamento dos tempos de Flamengo com o lateral direito.

Assim Raí apareceu por dentro em vários momentos, quase como um “enganche”. Até porque Mauro Silva e Dunga eram fantásticos marcadores e, auxiliados por Zinho pela esquerda, davam conta de fechar o meio. E à direita ainda estava o zagueiro Ricardo Rocha, vivendo fase espetacular e muito rápido na cobertura, permitindo que, se necessário, Jorginho saísse para pressionar o adversário sem deixar um buraco às costas.

É o craque do São Paulo quem tabela com Romário no chute do camisa 11 no travessão, logo no início da partida. O camisa dez também chega na área, pouco atrás do Baixinho, quando Bebeto escapa pela direita e faz o cruzamento para o primeiro gol. Raí, bicampeão da Libertadores e ainda em boa forma no início da temporada 1993/1994 pelo Paris Saint-Germain.

O triunfo transformou o Brasil automaticamente em um dos favoritos ao título mundial. Até porque não havia uma seleção se destacando na Europa – na Euro 1992, a campeã foi a convidada Dinamarca.

Mais tranquilo com a classificação, Parreira poderia aperfeiçoar a base e melhorar o entrosamento da estrela redimida com os companheiros. A maioria calejada pelo fracasso em 1990 e pronta para a missão de encerrar uma seca de 24 anos.

O processo teve apenas uma mudança: Leonardo na vaga de Branco, com problemas físicos. Dando leveza e aproveitando a boa sintonia entre o lateral e Zinho, que jogaram juntos por três anos no Flamengo. Perderia o chute forte e a experiência de dois Mundiais do ex-titular, mas ganhava fluidez e rapidez nas ultrapassagens pela esquerda.Mesmo com Leonardo já atuando no meio-campo pelo São Paulo.

Do lado oposto, Jorginho e o revezamento entre Bebeto e Raí. Quem não aparecesse no flanco se juntaria a Romário por dentro na frente. A construção das jogadas ficava a cargo de Dunga e Mauro Silva se dedicava à proteção da defesa, especialmente o lado esquerdo, com Ricardo Gomes mais técnico, porém menos rápido que o xará Rocha e já sofrendo com dores atrozes nos joelhos.

Uma seleção segura, trocando passes, valorizando a posse e atacando com volume e um toque de fantasia. Competindo e, sempre que possível, dando espetáculo. A referência de Parreira, com Zagallo ao lado como coordenador técnico, continuava sendo a seleção de 1970. A síntese do futebol que aliava beleza e eficiência.

Parreira planejava uma seleção brasileira ofensiva: fluida e rápida pelos flancos, com Zinho e Leonardo pela esquerda e Jorginho com o apoio revezado de Bebeto e Raí e a rápida cobertura de Ricardo Rocha. Dunga seria o organizador no meio com Mauro Silva na proteção dos zagueiros Na frente, Romário para decidir (Tactical Pad).

Não foi possível pela queda brusca de produção de Raí com a má fase no time francês, inclusive perdendo ritmo ao ficar no banco. Ainda mais prejudicial pela compleição física que tornava o meia pesada se não estivesse em plena forma. Impossível cumprir as funções com e sem bola.

Parreira insistiu até o limite, deu moral mantendo a braçadeira de capitão, mas depois da fraca atuação contra a Suécia no empate por 1 a 1, Mazinho acabou ganhando a vaga. Mais fixo pela direita, liberou Bebeto para se juntar de vez a Romário. Na função que, na prática, era de meia-atacante. A mesma que o camisa sete já exercera em 1989, na seleção campeã da Copa América com Sebastião Lazaroni no comando técnico. Com Taffarel, Mazinho, Aldair, Ricardo Gomes, Branco, Dunga, Bebeto e Romário, pode ser considerada a gênese da equipe do tetracampeonato mundial.

O treinador também precisou se preocupar mais com a proteção da defesa, que perdeu a dupla de zaga por lesão. Entraram Aldair e Márcio Santos, que ganharam confiança justamente porque a seleção ficou mais engessada nas duas linhas de quatro. Com Dunga e Mauro Silva concentrados no combate, embora o camisa oito seguisse como o centro de distribuição das jogadas, com passes curtos e longos para inverter o lado da ação ofensiva.. Leonardo também precisou ser mais cuidadoso no apoio e guardar mais o próprio setor.

Até ser expulso e suspenso pela cotovelada que mandou Tab Ramos para o hospital, Branco retornou, mesmo longe das melhores condições atléticas. Menos mal que Aldair e Márcio Santos já haviam ganhado confiança para manter a defesa bem coordenada na proteção da meta de Taffarel.

A formação campeã mundial, sem a zaga titular, Leonardo e Raí. Por isso mais pragmática e engessada num 4-4-2 com meias protegendo laterais e Bebeto livre para articular com o meio-campo e se aproximar de Romário (Tactical Pad).

Assim como no Maracanã contra os uruguaios, a seleção viveu durante a campanha na Copa um grande  paradoxo: Romário criava as chances com genialidade, posicionamento correto e movimentação inteligente, mas desperdiçava muitas oportunidades cristalinas.

Não é absurdo pensar que o Brasil poderia ter marcado pelo menos mais dois gols contra os russos nos 2 a 0 da estreia, também vencido os Estados Unidos em 4 de julho por 2 a 0 – Romário perdeu uma chance depois de driblar o goleiro. Na semifinal contra a Suécia, pelo menos 3 a 0, já que Zinho e o próprio camisa onze perderam gols feitos. Na final, Bebeto e Romário falharam em finalizações simples com total liberdade.

Terminar a campanha com seis vitórias e um empate, marcando 17 gols e sofrendo apenas três gols era uma realidade palpável e compatível com o rendimento. Com esses resultados mais robustos e vencendo os italianos sem necessidade de disputa de pênaltis na decisão do Rose Bowl que a TV Globo reprisa neste domingo, talvez fosse menos criticada. Ou devidamente reconhecida.

Parreira queria vencer e planejou sua equipe para isso. Mas o contexto atrapalhou e não permitiu que houvesse mais beleza. Fez falta para consagrar ainda mais a melhor seleção daquela Copa do Mundo.

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O que é lenda e o que foi, de fato, inovador na seleção de 1970 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/20/o-que-e-lenda-e-o-que-foi-de-fato-inovador-na-selecao-de-1970/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/04/20/o-que-e-lenda-e-o-que-foi-de-fato-inovador-na-selecao-de-1970/#respond Mon, 20 Apr 2020 12:03:36 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8332

Foto: Arquivo / CBF

A seleção de 1970 foi a maior de todas as Copas e o intuito desta análise não é desqualificá-la. Pelo contrário. Mas depois da exibição dos jogos pelo Sportv cabe uma contextualização daquela equipe dentro da história do futebol.

A Copa do Mundo no México foi atípica. Altitude, forte calor, jogos ao meio-dia para encaixarem nas grades das emissoras de TV europeias. O ritmo foi naturalmente mais baixo que o do Mundial anterior, em 1966 na Inglaterra.

Por isso a preparação cuidadosa da seleção brasileira. Não só pela necessidade de se adaptar às condições da primeira Copa na América do Norte, mas principalmente pela bagunça no ciclo de 1966. O calendário de clubes na época permitiu que o escrete canarinho ganhasse prioridade total.

A análise individualizada dos atletas, o método Cooper e a perfeita aclimatação construíram a grande revolução brasileira: a imposição física. Por isso a superioridade total no segundo tempo das partidas e o zagueiro Britto sobrando no teste realizado com todas as seleções.

Exuberância atlética que ajudou Zagallo a fazer na seleção o que já realizava no Botafogo: “defender como pequeno, atacar como grande”, revelou o treinador em entrevista concedida a este blogueiro em 2014. Na Copa de 1966, Bulgária e Portugal, além de baterem em Pelé, aproveitaram os muitos espaços concedidos pelo 4-2-4 brasileiro.

No México, a equipe marcaria com todos no próprio campo, ainda que os mais adiantados apenas cercassem ou pressionassem os adversários, deixando os desarmes e interceptações para os quatro defensores e Clodoaldo à frente da retaguarda. Em vários momentos da carreira de treinador, Zagallo foi chamado de “retranqueiro” por recuar seu time sem a bola, mas em 1970 foi uma estratégia mais que acertada, com 12 dos 19 gols marcados em contra-ataques.

Foram as grandes inovações para a época, sem necessariamente deixar legado para os outros Mundiais. A Copa de 1966 já apresentara uma notável evolução física e no que hoje chamamos de intensidade, tanto em movimentos coletivos, na circulação da bola e também na força nas divididas.

O Mundial de 1974, disputado também na Europa, foi a continuação dessa evolução e teve influência maior dos grandes clubes daquele período: o Ajax de Michels e Cruyff e o Bayern de Munique de Beckenbauer e Muller. Times que baseavam seu jogo mais na pressão no campo de ataque do que em fechar espaços na defesa.

Já outras “revoluções”, especialmente na montagem da seleção, que ficaram no imaginário popular não eram exatamente novidades e viraram lendas pela conquista espetacular, com seis vitórias e 100% de aproveitamento.

Rivellino como o ponta que fechava o meio-campo era legado do próprio Zagallo como jogador. Voltando para fechar o setor esquerdo em 1958, definitivamente como um terceiro meio-campista formando o setor com Zito e Didi no Chile, quatro anos depois.

Tão inovador que fez Alf Ramsey, treinador da Inglaterra, armar o seu 4-4-2 com Ball e Peters pelos lados, dando mais liberdade ao craque Bobby Charlton para se aproximar da dupla de ataque formada por Hurst e Hunt. “Meus dois Zagallos”, diria o comandante do “English Team” campeão.

Carlos Alberto Torres como um lateral mais ofensivo que Everaldo do lado oposto também não era exatamente uma novidade. Em 1958, Nilton Santos já aparecia mais no ataque pela esquerda que De Sordi, depois Djalma Santos, à direita.

E a Internazionale de Helenio Herrera, bicampeã europeia e mundial em 1964/65, já tinha Giacinto Facchetti – aquele mesmo lateral que perseguiu Jairzinho e deixou o corredor aberto para o “Capita” estufar as redes de Albertosi no último gol dos 4 a 1 da final. O italiano era liberado para atacar pela esquerda, protegido pelo líbero Picchi e por Burgnich, mais marcador à direita.

O mito dos cinco camisas dez já foi abordado neste blog e vale a lembrança AQUI. Mas é claro que a combinação de características dos “dez” armadores – Gerson e Rivellino – com os “dez” atacantes – Pelé e Tostão – e o “dez” velocista, Jairzinho, foi mais uma grande sacada de Zagallo.

Tostão era um ponta de lança adaptado ao centro do ataque, com liberdade de movimentação e abrindo espaços para Jairzinho e Pelé infiltrarem. Como Everaldo descia pouco, o camisa nove, até por ser canhoto, procurava mais o lado esquerdo para trabalhar com Rivellino e Gerson ou Paulo César Caju.

Mas centroavante saindo da área já existia desde os anos 1930, com Matthias Sindelar no “Wunderteam” da Áustria. Ou na Hungria de 1954, com Hidegkuti recuando para trabalhar no meio com Bozsik, atraindo os zagueiros desavisados e marcando individualmente na execução do WM da época. Deixando a área do oponente para os artilheiros Kocsis e Puskas, que seria companheiro no Real Madrid de Di Stéfano, o argentino que seria mito na Espanha jogando com a camisa nove, mas circulando por todo campo.

A diferença de Tostão para os citados acima é que sua movimentação era mais pelos flancos e não recuando para criar com os meio-campistas. Mas até isso não era exatamente algo novo, já que o próprio Vavá, com o recuo de Zagallo e Pelé despontando como protagonista, também procurava naturalmente o lado esquerdo no Brasil bicampeão do mundo.

É claro que reunir todas essas valências num time campeão mundial é um feito único e espetacular.  Os méritos de Zagallo, comissão e jogadores são inegáveis – sem esquecer de João Saldanha, que iniciou o processo e foi fundamental no planejamento impecável. Tostão, Gerson e outros ainda em atividade na comunicação têm mais que lembrar e exaltar o que conquistaram, até para não serem engolidos pela “geração Z” que acha que o mundo começou com a internet.

Mas é dever do jornalismo se esforçar para entregar informação precisa sem perder o encantamento. O contexto sempre ajuda a não menosprezar, nem fantasiar. Melhor assim.

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Futebol em Quarentena – Seis partidas que mudaram a história do jogo http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/03/19/futebol-em-quarentena-seis-partidas-que-mudaram-a-historia-do-jogo/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/03/19/futebol-em-quarentena-seis-partidas-que-mudaram-a-historia-do-jogo/#respond Thu, 19 Mar 2020 14:36:55 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=8183

Foto: Filippo Monteforte / Getty Images

Dando continuidade à série “Futebol em Quarentena” no blog, uma reflexão olhando para trás enquanto a bola não volta a rolar, seguem os seis jogos que mudaram a história do jogo.

Ou os que marcaram alterações táticas mais significativas dentro de um esporte que felizmente se transforma constantemente, mesmo que muitas vezes só percebamos depois, com o tão necessário distanciamento histórico.

Vamos a eles!

Inglaterra 3×6 Hungria – Amistoso, 1953

A alcunha de “Jogo do Século” hoje soa um exagero até absurdo. Mas foi o grande primeiro impacto no futebol a imposição dos húngaros campeões olímpicos em 1952, nos Jogos de Helsinke.

A Inglaterra no WM e vivendo das ações individuais, especialmente de Stanley Matthews, foi engolida pela gênese do 4-2-4, com Hidegkuti com a camisa nove recuando para articular, abrindo espaços para os goleadores Kocsis e Puskas e desmontando a marcação individual do “English Team”, invicto em seus domínios contra seleções não britânicas.

O legado foi o de transformações que iam do aquecimento antes da partida, do uso de chuteiras mais leves e simples até a utilização de quatro defensores na última linha que o Brasil aproveitaria em 1958 com Vicente Feola, auxiliar do húngaro Béla Guttmann no São Paulo.

Brasil 1×0 Inglaterra – Copa do Mundo, 1970

Não era confronto eliminatório, mas o duelo no Estádio Jalisco, no México, carregava o simbolismo de colocar frente a frente os vencedores das últimas três Copas do Mundo.

Os “inventores” do futebol e então campeões, representando o chamado “futebol-força” – embora houvesse muita técnica nos Bobbies (Moore e Charlton) – e os precursores do 4-4-2 que viraria padrão no futebol britânico contra os brasileiros trazendo um jogo mais artístico, porém sustentados pelo planejamento tático mais cuidadoso de Zagallo, se defendendo num 4-5-1, e uma preparação física de vanguarda para a época.

A jogada fantástica de Tostão pela esquerda que passou por Pelé e chegou a Jairzinho no gol da vitória e a defesa portentosa de Gordon Banks em cabeçada de Pelé ficaram para a história, mas naquela partida a melhor seleção de todos os tempos consolidou sua maneira de jogar em uma espécie de “batismo de fogo” e ganhou confiança para buscar o tri.

Itália 3×2 Brasil – Copa do Mundo, 1982

Talvez a partida mais representativo de todas. O jogo que marcou gerações e, de certa forma, pauta o futebol brasileiro até hoje. Criando a falsa dicotomia “ganhar feio ou perder bonito”.

O confronto entre a seleção de Telê Santana que sonhava combinar a dinâmica do “Carrossel Holandês” de 1974 com o improviso canarinho e a Azzurra de Enzo Bearzot, que ainda acreditava no “gioco all’italiana”: Scirea como líbero, marcação individual no craque adversário (Gentile x Zico) e os demais por encaixe, Conti como “ala tornante” (ponta que volta), Cabrini o “terzino fluidificante” (lateral que apoia) e Antognioni sendo uma mistura de “regista” (maestro) e “trequartista” (ponta-de-lança).

Assim superaram o Brasil encantador de Leandro, Júnior, Sócrates, Zico, Falcão e Éder, porém irregular e com sérios problemas defensivos – em especial, as muitas falhas de Junior no posicionamento como lateral que resultaram em dois dos três gols de Paolo Rossi. Para muitos, a vitória italiana resultou no futebol mais defensivo que viveu seu ápice (ou anticlímax) na Copa do Mundo de 1990.

Barcelona 1×0 Internazionale – Liga dos Campeões 2009/10

Aqui um enorme salto no tempo, de quase três décadas, e a mudança de protagonismo do futebol de seleções para o de clubes. E da Copa do Mundo para a Liga dos Campeões.

O Barcelona venceu, mas não levou a vaga para a decisão contra o Bayern de Munique. A Internazionale de José Mourinho havia superado o time de Pep Guardiola, que assombrara o mundo vencendo a tríplice coroa em sua primeira temporada num time de primeira divisão combinando elementos das escolas holandesa, espanhola e argentina, por 3 a 1 em Milão.

Aos 28 minutos no Camp Nou, Thiago Motta foi expulso e Mourinho apelou para uma linha “de handebol” que chegou a aglutinar oito jogadores guardando a meta de Julio César. A “retranca inteligente”, negando os espaços mais perigosos ao oponente, passou a ser utilizada em larga escala depois disso, com os quatro defensores ficando mais próximos e centralizados e os dois pontas voltando como laterais. Tudo para evitar as infiltrações. Xeque-mate do português sobre o catalão.

Barcelona 5×0 Real Madrid – La Liga, 2010/11

A resposta de Guardiola no ano seguinte. Aproveitando a arrogância de Mourinho, que acreditou que com Cristiano Ronaldo e o elenco milionário do Real Madrid poderia encarar um Barcelona ainda melhor coletivamente no Camp Nou.

Levou um “rondo” de 90 minutos, com Messi deitando e rolando entre a defesa e o meio-campo do rival e servindo seus companheiros. Pedro, Xavi, Villa duas vezes e o jovem Jeffren para fechar a “maneta” e esfregar na cara dos merengues o sucesso de sua cantera. O estado de arte do jogo posicional com posse, pressão pós-perda e a ocupação perfeita dos espaços sem deixar o adversário respirar.

O maior espetáculo de melhor time que vi em ação. E saiu barato para o Madrid. Mourinho tentou resgatar a retranca da Inter nos confrontos seguintes, mas só foi bem sucedido na final da Copa do Rei. No duelo mais importante, pela semifinal da Champions, Messi desequilibrou com dois gols no Santiago Bernabéu. Os 5 a 0, porém, foram mais emblemáticos.

Bayern de Munique 0x4 Real Madrid – Liga dos Campeões 2013/14

A resposta mais completa e avassaladora a Guardiola não foi de Mourinho, nem de Klopp – o treinador que mais venceu o catalão, porém em jogos quase sempre muito duros, parelhos.

Carlo Ancelotti conseguiu com o Real Madrid que venceria “La Decima” fechar espaços à frente da própria área como a Inter de 2010. Com duas linhas de quatro muito próximas e Gareth Bale se desdobrando fechando espaços pela direita, mas se juntando a Benzema e Cristiano Ronaldo em um tridente ofensivo que atropelou o Bayern num 4-2-4 e com posse de bola inócua.

Contragolpes demolidores, com passes rápidos e objetivos para fugir da pressão pós-perda do time alemão. E eficiência na bola parada procurando o implacável Sergio Ramos. Guardiola até hoje admite ser sua pior derrota pelos erros que cometeu. Mas a estratégia de Ancelotti, mais versátil e completa, serviu como mais uma transformação no futebol que graças a esses treinadores evoluiu 30 anos na última década.

 

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O futebol mudou tanto que Vanderlei Luxemburgo hoje lembra José Mourinho http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/10/27/o-futebol-mudou-tanto-que-vanderlei-luxemburgo-hoje-lembra-jose-mourinho/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/10/27/o-futebol-mudou-tanto-que-vanderlei-luxemburgo-hoje-lembra-jose-mourinho/#respond Sun, 27 Oct 2019 12:04:45 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=7492

Foto: Diego Vara / Reuters

Vanderlei Luxemburgo sempre foi muito observador. No seu auge era um bom “ladrão de ideias”, como Pep Guardiola se autointitula. Na segunda metade dos anos 1980, viu no Vasco de Antônio Lopes a movimentação de Roberto Dinamite, recuando e abrindo espaços para as infiltrações em diagonal dos pontas Mauricinho e Romário. Levou para o Palmeiras no início da década seguinte com Evair, fã de Dinamite, trabalhando com os rápidos Edmundo e Edílson.

Quando recuou Rincón para jogar à frente da defesa no Corinthians, em tempos de 4-2-2-2 com dois volantes típicos dando suporte aos zagueiros para que laterais apoiassem e meias criassem, suas inspirações eram Andrade, do Flamengo que, ainda como jogador, viu nascer no final dos anos 1970, e Clodoaldo, tricampeão mundial com a seleção no México. Comandada por Zagallo, grande referência como treinador para Luxemburgo.

Vanderlei também sabia pegar referências contemporâneas. Quando chegou ao Flamengo em 1995 para comandar Romário, pensou em fazer de Sávio um parceiro do então melhor jogador do mundo como foi o búlgaro Hristo Stoichkov no Barcelona: um canhoto que se movimentava em torno do centroavante, caindo pela direita e, cortando para dentro buscando a finalização. Com a contratação de Edmundo, que nem chegou a comandar no time rubro-negro, acabou abandonando a ideia e trabalhou a então joia da Gávea de outra forma até ser demitido depois da perda do Carioca para o Fluminense de Joel Santana e Renato Gaúcho.

Hoje Luxemburgo insiste que o futebol não mudou em nada, apenas nas nomenclaturas. Compreensível. Para alguém que já se classificou como um “cara de vanguarda” é difícil admitir que o tempo passou e inovações de ontem não se aplicam mais hoje. Ou mudaram bastante na execução em rapidez e intensidade.

Mas olhando para o campo é possível dizer que o hoje treinador do Vasco se atualizou na aplicação de alguns conceitos. É claro que nunca vai admitir, até porque marcou território com esse debate passado x presente e criou rusgas e até questões pessoais com quem discorda do seu ponto de vista. Só que Luxemburgo se transformou quase virando do avesso.

Antes a essência era ofensiva. E não precisava de grandes talentos para buscar o ataque. O Bragantino campeão paulista em 1990 estava longe de ser um elenco estelar, mas atacava. O Flamengo no qual deixou a semente do que seria o time campeão estadual e brasileiro em 1991/92 também não era repleto de craques, mas jogava visando o gol adversário. Assim como o Santos de 2007, bicampeão paulista e semifinalista da Libertadores.

Depois da passagem pelo Sport em 2017 e quase um ano e meio desempregado, Luxemburgo voltou diferente. Sabia das dificuldades da equipe cruzmaltina para competir no topo e repetiu o que fizera em outros clubes: jogou a meta lá para baixo. Salvar do rebaixamento e, quem sabe, tentar algo na metade de cima da tabela do Brasileiro.

Em campo, um time que se fecha, não faz questão de ter a bola e baseia seu jogo em forte compactação defensiva, transições rápidas e velocidade para definir as jogadas. Em momentos específicos adianta a marcação para pressionar, mas, uma vez em vantagem, recua as linhas e joga em contragolpes.

É competitivo. Os 51% de aproveitamento desde a estreia do técnico na quinta rodada colocaria o time na sétima colocação, quatro posições acima do atual 11ª lugar. Só foi goleado pelo Flamengo de Jorge Jesus (4 a 1), mas não foi às redes mais que duas vezes em uma partida. Anotou 23 gols, sofreu 22. Foram dez vitórias, sete derrotas e sete empates.

O último, por 1 a 1 com o Ceará em Fortaleza, teve reclamação contra a arbitragem pelo gol de Bergson confirmado depois de Jean Pierre Gonçalves Lima contar com o “auxílio” do árbitro de vídeo. No visual, impedimento claro. Mas há o argumento de que o ângulo da TV não é preciso. Entram, então, as linhas azul e vermelha, tracejada e pontilhada, utilizada pelo VAR que tornam tudo ainda mais confuso e polêmico.

Mas Luxemburgo, que protestou contra o diretor de arbitragem da CBF, Leonardo Gaciba, não pode lamentar tanto o resultado. Porque o Vasco sentou em cima da vantagem construída no primeiro tempo com belo gol de Rossi, completando precisa inversão de Richard. Depois de ótimo início, pressionando mesmo como visitante. No final, apenas 36% de posse e nove finalizações, três no alvo, contra 15 da equipe de Adilson Batista.

No segundo tempo, o time visitante chegou a se defender com todos os jogadores em um espaço de 30 metros. Rossi em vários momentos recuava como lateral, permitindo que Yago Pikachu marcasse mais por dentro, estreitando a última linha de defesa para guardar a meta de Fernando Miguel. Lembrou o “ônibus” de José Mourinho, estacionado à frente da própria área.

O treinador português que espera voltar logo ao futebol, porém encontra alguma dificuldade para se reinserir no mercado dentro do mais alto nível na Europa. Justamente porque colou em si um rótulo de “retranqueiro” que é difícil tirar. Que o diga Zagallo, que montou o Brasil de 1970 e foi vice em 1998 com uma seleção ofensiva, armou times no país voltados para o ataque, a ponto de inspirar Luxemburgo, mas ficou com a fama de priorizar a defesa por buscar o equilíbrio entre os setores.

O sonho cruzmaltino de buscar o G-6 ficou mais distante depois da empolgação com as três vitórias seguidas sobre Fortaleza, Botafogo e Internacional. Falta um pouco mais de ímpeto ao Vasco que é o sexto ataque menos efetivo da competição. A quarta equipe que menos troca passes e a quinta que menos finaliza no alvo.

Há quem ache o suficiente pelo contexto atual. Mas é pouco se olharmos para a trajetória do técnico cinco vezes campeão brasileiro. E, se nada mudou no futebol, Luxemburgo deveria manter a vocação ofensiva de suas equipes. Ele já provou no passado que atacar é um princípio, não depende de elenco milionário. Afinal, “o medo de perder tira a vontade de ganhar”.

A questão é que o jogo não é o mesmo. Por isso Vanderlei Luxemburgo, sem grande repertório ofensivo, se organiza para defender. Porque é mais fácil negar espaço do que criá-los. Dá para aprender olhando, sem desenvolver o conteúdo.

Mas perde o brilho, se torna apenas mais um. No meio da tabela. Poderia “roubar” ideias melhores, mas prefere manter o personagem que no discurso busca a essência do futebol brasileiro e, na prática, arma uma retranca moderna, mas nem tanto. De Zagallo a Mourinho. Na contramão da história.

(Estatísticas: Footstats)

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25 anos do tetra: o que faltou ao Brasil para depender menos de Romário http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/07/17/25-anos-do-tetra-o-que-faltou-ao-brasil-para-depender-menos-de-romario/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/07/17/25-anos-do-tetra-o-que-faltou-ao-brasil-para-depender-menos-de-romario/#respond Wed, 17 Jul 2019 11:09:51 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=6879

Foto: Antonio Gaudério/Folhapress

Ao vencer o Uruguai no Maracanã por 2 a 0 e garantir vaga na Copa do Mundo de 1994, a seleção brasileira passou do risco de não se classificar pela primeira vez para um Mundial à uma das favoritas ao título. Não só porque a fase espetacular de Romário no Barcelona mudava o Brasil de patamar como pela ausência de uma favorita destacada na Europa – a Eurocopa de 1992 foi vencida pela Dinamarca, convidada por conta da ausência da Iugoslávia, suspensa pela UEFA por conta da guerra.

Também pela bela exibição coletiva da equipe de Carlos Alberto Parreira na última partida das eliminatórias. O encaixe de Romário na vaga de Muller foi imediato em um time que vinha crescendo e teve seu grande momento nos 6 a 0 sobre a Bolívia no Arruda, em Recife. Solidez defensiva, posse de bola, criatividade e poder de decisão na frente. Um volume de jogo que, não fossem as muitas chances desperdiçadas, poderia ter feito os uruguaios voltarem para casa eliminados e com uma goleada histórica na bagagem.

Com a vaga garantida, o planejamento da dupla Parreira/Zagallo até a Copa era dar um polimento e tornar a seleção mais ofensiva. A solução mais urgente era resgatar definitivamente a confiança de Raí. Camisa dez que ganhou o posto de capitão e esperança para formar com Bebeto e Romário um trio imparável. Contra o Uruguai,  revezamento perfeito com Bebeto: um abria pela direita apoiando Jorginho e o outro fazia companhia a Romário na área adversária.

Havia, porém, dois problemas: a queda de produção do meia com a transferência do São Paulo para o Paris Saint-Germain, inclusive com perda de ritmo de jogo por ter virado reserva na equipe francesa, e o sacrifício tático para compor pela direita a segunda linha de quatro no meio-campo com Mauro Silva, Dunga e Zinho. Faltava intensidade para acompanhar o lateral esquerdo adversário e ainda se juntar à dupla de ataque nas ações ofensivas.

Em entrevista a este blogueiro em 2014 para o livro “É Tetra”, em colaboração com o amigo Michel Costa, Raí alegou cansaço:

– Eu vinha de três temporadas fantásticas, eleito melhor jogador do Brasil e das Américas, mas praticamente sem férias. Me sentia sobrecarregado, cansado. Em pelo menos duas delas eu joguei mais de noventa partidas. Quando cheguei ao PSG, o técnico Artur Jorge me chamou e ofereceu uns dez dias para que eu descansasse e me recondicionasse. Talvez por orgulho, para mostrar que estava bem e disposto, recusei. Hoje reconheço que foi um erro.

Parreira deu todas as chances, mesmo com críticas pesadas, especialmente da imprensa do Rio de Janeiro. No entanto, apesar do gol de pênalti e da boa atuação na estreia do Mundial contra a Rússia, Raí perderia a vaga para Mazinho na virada da primeira fase com empate contra a Suécia por 1 a 1 para o jogo contra os Estados Unidos nas oitavas de final no dia 4 de julho, da independência americana.

Talvez tivesse valido a pena testar um losango no meio-campo, com Mauro Silva plantado, Dunga cobrindo mais o lado direito e Zinho pela esquerda, liberando Raí como “enganche” ou ponta-de-lança, função que executava com perfeição no São Paulo de Telê Santana. Mas as duas linhas de quatro eram inegociáveis para o treinador e o camisa dez foi o sacrificado. Mazinho entrou e formou dupla eficiente com Jorginho, atacando e defendendo.

A outra mudança seria na lateral esquerda. Branco era uma liderança no grupo, com experiência dos Mundiais de 1986 e 1990, mas convivia com problemas físicos e já caminhava para uma reta final de carreira. Contribuía mais em campo com técnica nos passes e cruzamentos, além da força e precisão nos chutes de longe. A seleção, porém, ganhava mais fluência pela esquerda com a presença de Leonardo.

Mesmo atuando como meia no São Paulo, a volta à posição de defensor não era problemática e o entrosamento com Zinho dos tempos de Flamengo para tabelas e ultrapassagens se dava naturalmente e o camisa 16 virou titular. Mas na Copa, talvez pela tensão do primeiro Mundial e a preocupação com a entrada de Marcio Santos na zaga com a lesão de Ricardo Gomes, Leonardo ficou mais preso, menos desenvolto no apoio.

Até a cotovelada em Tab Ramos contra os Estados Unidos, o cartão vermelho e a suspensão até o fim da Copa que abriu espaço para Branco decidir as quartas de final com a lendária cobrança de falta nos 3 a 2 sobre a Holanda e ir até a final no Rose Bowl, sendo um dos cobradores na decisão por pênaltis contra a Itália. Mas contribuindo menos no apoio.

Por tudo isso o Brasil campeão foi o da segurança. Um 4-4-2 mais rígido e pragmático, mantendo a posse de bola com os passes precisos de Dunga na distribuição e a iniciativa de atacar em todas as sete partidas do Mundial. Investindo em jogadas pelas laterais e, principalmente, na sintonia fina entre Bebeto e Romário. Grandes protagonistas, mas também, de certa forma, responsáveis pelos placares magros contra Estados Unidos e Suécia e pelo empate sem gols na decisão ao desperdiçarem chances claras que poderiam tornar a campanha mais consistente no ataque.

Foram apenas 11 gols, quatro a menos com dois jogos a mais na eterna comparação com a seleção de 1982, comandada por Telê Santana. Mas a crítica histórica de “retranca” não se justifica. A postura era ofensiva, mas o contexto, que ainda carregava o peso de uma eliminação nas oitavas para a a Argentina em 1990, com pesadas críticas à mesma geração, e os 24 anos sem título mundial, era bastante pesado.

Para Mauro Silva, a ausência da dupla de zaga titular formada pelos Ricardos, Rocha e Gomes, também pesou muito para os maiores cuidados defensivos. O volante explicou, também em entrevista para “É Tetra”, como a mudança no miolo da retaguarda alterou a estratégia:

– A ideia era mesmo atacar pelos lados. O Parreira me conhecia bem do Bragantino e, por conta das lesões dos Ricardos (Rocha e Gomes) com a entrada de Aldair e Marcio Santos, que foram muito bem ao longo do Mundial, o treinador me pediu para dar uma sustentação maior na cobertura. Eu atuava como uma espécie de líbero. A lógica era: se o adversário tivesse apenas um atacante os zagueiros cuidavam. Contra dois eu recuava e fazia a
sobra, à frente ou atrás deles.

Convivendo com críticas fortes, muitas injustas, desde as eliminatórias, Parreira sabia que precisava ser duro, até inflexível, para tornar a seleção competitiva. Por necessidade mudou quatro peças da ideia original e, ainda assim, terminou vencedor. Cedendo à pressão por Romário um ano antes e se apoiando no craque do Mundial para voltar para casa com a taça tão sonhada. Tirando o peso dos ombros e pavimentando o caminho para a geração de Ronaldo Fenômeno, então o menino Ronaldinho com 16 anos que foi campeão sem jogar, chegar a duas finais de Copa e ganhar o penta em 2002.

Uma história que completa 25 anos e merece ser contextualizada para fugir de clichês e dogmas que sobrevivem e se cristalizam. O tetra teve menos arte que o planejado, mas se impôs pela eficiência que faltava desde a Era Pelé.

 

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Há 30 anos, seleção venceu desconfiança em casa e foi “gênese” do tetra http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/06/11/ha-30-anos-selecao-venceu-desconfianca-em-casa-e-foi-genese-do-tetra/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/06/11/ha-30-anos-selecao-venceu-desconfianca-em-casa-e-foi-genese-do-tetra/#respond Tue, 11 Jun 2019 11:01:19 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=6684

Foto: Conmebol/Divulgação

Em 1989, a seleção brasileira completava 19 anos sem títulos mundiais, vivia uma fase de entressafra, o futebol jogado em nossos campos era muito criticado por jornalistas como João Saldanha pelo baixo nível técnico, Zico se aposentaria no final daquele ano e a maioria dos grandes talentos do país já atuava na Europa.

A Copa América disputada em casa era a grande chance de uma conquista. Na América do Sul, o jejum era de 40 anos. Mas a seleção comandada por Sebastião Lazaroni, técnico do Vasco alçado ao posto sucedendo Carlos Alberto Silva por conta da ascendência de Eurico Miranda sobre Ricardo Teixeira à época, não inspirava confiança. Pouco antes da competição havia sofrido uma goleada de 4 a 0 para a Dinamarca, o que motivou a mudança tática para um  sistema com três zagueiros.

Para piorar, o início da campanha em Salvador foi conturbado pela insatisfação da torcida do Bahia por conta da ausência do artilheiro Charles. O “Anjo 45”, em referência à canção de Jorge Benjor, que foi cortado da lista final com o jogador já fazendo parte da delegação e sendo o mais festejado na chegada. Muitas vaias, futebol fraco e até ovos atirados no campo, um deles atingindo Renato Gaúcho.

A ausência de Careca, grande destaque do futebol brasileiro na Europa atuando no Napoli de Maradona também pesava contra. Nos 3 a 1 sobre a Venezuela na estreia, o primeiro gol sofrido na história dos confrontos com o então saco de pancadas do continente. Depois o empate sem gols contra o Peru com novos protestos.

A virada anímica em Recife nos 2 a 0 sobre o Paraguai, com apoio dos pernambucanos, gols de Bebeto e um melhor desempenho. Para voar no Maracanã na fase final, começando pelo triunfo sobre a Argentina por 2 a 0 – com o lendário gol de voleio de Bebeto e o espetáculo de Romário, com direito a caneta em Maradona e um lance antológico no final distribuindo chapéus na defesa da então campeã mundial, mas errando a finalização. Depois 3 a 0 sobre o Paraguai e a vitória no encerramento do quadrangular sobre o Uruguai.

Exatos 39 anos depois do “Maracanazo”. De novo em um 16 de julho, domingo. O “fantasma” de 1950 foi exorcizado no passe de Bebeto para Mazinho que cruzou na cabeça de Romário. Uma festa inesquecível no apito final. Este que escreve estava no estádio e lembra da emoção de ver pela primeira vez a seleção erguendo uma taça. O capitão era Ricardo Gomes.

A escalação: Taffarel; Mauro Galvão, Aldair e Ricardo Gomes; Mazinho, Dunga, Silas, Valdo e Branco; Bebeto e Romário. No fracasso na Copa de 1990, Lazaroni trocaria Aldair, Mazinho, Silas, Bebeto e Romário por Ricardo Rocha, Jorginho, Alemão, Muller e Careca. Meio time.

Mas aquela seleção vencedora no continente seria a base do tetracampeonato cinco anos depois. Na vitória sobre a Itália na disputa por pênaltis no Rosebowl estavam em campo nada menos que sete atletas do time de 1989: Taffarel, Aldair, Mazinho, Dunga, Branco, Bebeto e Romário. Seriam oito se Ricardo Gomes não tivesse sido cortado pelos problemas crônicos nos joelhos que abreviaram sua carreira.

Mais que isso, a ideia de jogo de Carlos Alberto Parreira era muito semelhante à de Lazaroni. Ambos “discípulos” de Zagallo, coordenador técnico de Parreira nos Estados Unidos. Só mudava a linha de defesa. Em 1989, três zagueiros com Mauro Galvão na sobra. Linha de quatro em 1994 com a proteção de Mauro Silva, volante plantado à frente da retaguarda.

Os princípios eram os mesmos: organização defensiva, Dunga onipresente no meio-campo, marcando e distribuindo as jogadas, meias e laterais/alas combinando pelos flancos, Bebeto recuando como meia atacante para fazer a bola chegar a Romário na frente. Não é absurdo dizer que a seleção de Lazaroni foi a “gênese” da equipe que ganharia o tetra. O pragmatismo apostando no talento dos atacantes era muito semelhante.

A seleção de Lazaroni em 1989 com princípios bem semelhantes aos de 1994 com Parreira: solidez defensiva, Dunga na proteção e distribuição, meias e laterais/alas combinando pelos flancos, Bebeto armando e se aproximando de Romário. A única diferença era a linha de três na defesa, com Mauro Galvão na sobra (Tactical Pad).

Agora o contexto é muito diferente e as pressões são outras. Os 12 anos sem título da Copa América já incomodam. Mais ainda os 17 desde o Mundial conquistado na Ásia em 2002. Assim como Careca há 30 anos, Neymar é ausência que pode ser compensada com novas soluções. O clima frio entre torcida e seleção é parecido. Mas pode virar e vencer a desconfiança outra vez.

O certo é que Tite espera ter o desfecho do trabalho como Parreira. A Lazaroni só restou o papel de “outsider” que ressurge de tempos em tempos para explicar mais o fracasso na Itália do que a campanha vitoriosa de três décadas atrás. Bem a cara do nosso futebol que no resultadismo mudou pouco de lá pra cá.

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Zagallo, a melhor resposta à tese de Casagrande sobre “contaminação tática” http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/03/27/zagallo-a-melhor-resposta-a-tese-casagrande-sobre-contaminacao-tatica/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2019/03/27/zagallo-a-melhor-resposta-a-tese-casagrande-sobre-contaminacao-tatica/#respond Wed, 27 Mar 2019 09:29:38 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=6231

Foto: Lucas Figueiredo/Divulgação CBF

Nos 3 a 1 sobre a República Tcheca, a seleção brasileira sofreu novamente com pouca mobilidade e falta de triangulação pelos lados. Até Tite mandar a campo Gabriel Jesus, David Neres, Arthur e Everton e, numa espécie de 4-2-4, virar o jogo no segundo tempo. Com nítida vantagem física e muita gente chegando na área adversária.

Mas, não por acaso, enquanto o Brasil perdia por 1 a 0 na primeira etapa, a transmissão da Rede Globo teve um comentário de Casagrande que chamou atenção: “O futebol brasileiro não está ultrapassado, nem envelhecido. Está contaminado por esquemas táticos. Tem que cumprir isso e aquilo e tira a criatividade do jogador brasileiro. Tira a ginga, perde a iniciativa, a capacidade da jogada individual, de partir para cima e tabelar. Perde a ousadia. É uma ‘contaminação tática'”.

O curioso é que este mesmo Casagrande elogiava Tite nas vitórias durante as últimas Eliminatórias exatamente porque tinha organizado a seleção brasileira, ao contrário de Dunga, e, com isso, potencializado os talentos de uma geração que não era tão fraca assim. De novo o nosso resultadismo de todo dia.

A melhor resposta a esta tese do ex-jogador e comentarista, porém, é a lembrança de um dos grandes personagens da história do futebol brasileiro e tantas vezes elogiado pelo próprio “Casão”: Mário Jorge Lobo Zagallo.

Talvez o maior “contaminador tático” da camisa verde e amarela cinco vezes campeã do mundo. Quatro com ele. A primeira sendo o ponta esquerda do 4-2-4 de Vicente Feola que ajudava Nilton Santos pela esquerda e Zito e Didi no meio-campo já na primeira conquista mundial em 1958.

Para quatro anos depois, com Aymoré Moreira, ser incorporado definitivamente ao meio-campo e deixar o espaço pela esquerda para Amarildo, substituto do lesionado Pelé, fazer suas principais jogadas. Também liberar Garrincha do outro lado para ser o craque do Mundial no Chile.

Seleção que foi vanguarda tática já em 1950 com a “diagonal” de Flávio Costa. Oito anos depois, Feola, discípulo do húngaro Béla Guttmann, desfez o 3-2-2-3 do “WM”, sistema tático tradicional da época, e adotou linha de quatro na defesa. Em 1962, o 4-3-3 que foi influência para o 4-4-2 da Inglaterra campeã mundial quatro anos depois em casa. Alf Ramsey, o treinador do “English Team”, chamava os ponteiros Ball e Peters de “meus dois Zagallos”.

Em 1970, já como treinador, Zagallo também fez a tática organizar o talento. Everaldo não era mais jogador que Marco Antonio, mas dava sustentação defensiva como lateral pela esquerda para Carlos Alberto Torres descer mais do lado oposto. Também permitia que os canhotos Gerson, Rivelino e Tostão tivessem espaços para trabalhar no setor preferido.

A primeira execução, na prática, do 4-2-3-1 teve muito de tática e também preparo físico. A ideia de Zagallo era simples: se os europeus ganham na força e velocidade, explorando os espaços deixados pelos brasileiros, basta defender com todos no próprio campo e usar as brechas deixadas por eles. Defender como time pequeno e atacar como grande. Ou contra-atacar.

Como no último gol dos 4 a 1 sobre a Itália no México. Que Tite utilizou em sua palestra no evento “Somos Futebol”, com Marcelo Bielsa e Fabio Capello na CBF em 2017. Jogada pensada e ensaiada, com Jairzinho tirando Fachetti da esquerda dentro da marcação individual italiana para abrir o corredor e o “Capita” aparecer para receber assistência de Pelé e finalizar. Tática e estratégia facilitando a qualidade individual.

Tanto que quando faltou a organização o próprio Zagallo sucumbiu. Em 1974 a seleção era uma bagunça dentro e fora de campo e foi atropelada pela Holanda de Michels e Cruyff. Para não tirar a confiança dos jogadores, o técnico chamou o “Carrossel” de “tico-tico no fubá” antes da partida e foi criticado depois da derrota.

Irônico lembrar que uma simplificação foi detonada, enquanto Tite foi massacrado após o empate com o Panamá por usar termos mais complexos. Para variar, o resultado é que define o tom da análise. Como bem lembrou o colega Gustavo Zupak no Twitter, nas vitórias por 3 a 0 sobre a Argentina e 4 a 1 sobre o Uruguai pelas Eliminatórias, o treinador também usou expressões pouco usuais como “link inicial”, “externos de agressividade” e “flutuações”. Mas com vitórias e bom futebol o vocabulário vira até alvo de elogios ao “técnico estudioso”.

Zagallo também foi alvo em 1998, mesmo chegando à decisão da Copa. Pelo “nó tático” da França de Zidane. Já com a saúde prejudicada, viu o Brasil de Carlos Alberto Parreira, o do “quadrado mágico” com Kaká, Ronaldinho, Adriano e Ronaldo, se arrastar no Mundial de 2006. Muita qualidade, pouca organização.

Casagrande, não está sobrando tática na seleção, nem no futebol brasileiro. O que falta na seleção é confiança e nos nossos times um plano melhor para atacar, sem depender tanto de jogadas aéreas, bola parada e lampejos dos mais habilidosos. Organização ofensiva, como no lendário gol da confirmação do tri em 1970. Pensada e treinada por Zagallo.

No final, o mais irônico é perceber que o Brasil virou o jogo em Praga com Neres e Everton sendo os “externos desequilibrantes”. Se a seleção de Tite vencer a Copa América, Casagrande, Galvão Bueno e companhia nem vão lembrar do que disseram neste momento de baixa. Eles estão lá para “vender emoções”, dar voz ao delírio, à catarse. Para cima ou para baixo. Ufanismo ou fatalismo. Sempre de acordo com o placar.

Tite é a bola da vez. Já foi Zagallo, mesmo com quatro títulos mundiais no currículo. É assim que funciona. Mas não deveria.

 

 

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Tite merece as críticas justas e um ciclo completo até 2022 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/07/07/tite-merece-as-criticas-justas-e-um-ciclo-completo-ate-2022/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/07/07/tite-merece-as-criticas-justas-e-um-ciclo-completo-ate-2022/#respond Sat, 07 Jul 2018 10:42:41 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=4862

Foto: Luis Acosta/AFP

Todo mundo já encontrou pela vida uma pessoa da qual se podia discordar e até se aborrecer com suas palavras e atos. Mas o respeito era obrigatório pela certeza de que, acertando ou errando, ela sabia o que estava fazendo.

Assim é Tite na seleção brasileira. Talvez o treinador mais preparado e bem informado a prestar serviços à camisa verde e amarela cinco vezes campeã do mundo. Também o mais atuante, criando uma rotina de observação e planejamento com sua comissão técnica nunca antes vista na CBF. Necessária pelo equilíbrio que o futebol no universo das seleções vem apresentando nesta Copa.

De 1970 para cá, o comando técnico sempre pareceu algo mais ligado à intuição, que também é importante. De Zagallo a Felipão e Parreira. Com ideias mais assentadas no futebol brasileiro, sem abrir muito os horizontes. Mas que atrelada ao conhecimento ficam bem mais sólidas. Inclusive para convencer os jogadores. As serpentes que precisam ser encantadas.

Como sempre acontece, Tite chamou atenção mais pela forma do que pelo conteúdo. A maneira quase messiânica de se comportar e comunicar foi vista por muitos como uma liderança que poderia até se arriscar na política. Foi bem aproveitada pela publicidade, inclusive. Para outros não passou de um discurso enfadonho, requentando estratégias de autoajuda, coaching e misturando com termos complexos.

De fato, em alguns momentos a linguagem poderia ter sido mais simples. Mas os jogadores, que, a rigor, são os que precisavam entender o que era dito por Tite sempre foram só elogios.

Escolhas são muito particulares. Sempre. Envolvem questões que vão muito além do desempenho puro e simples. Numa Copa do Mundo, fazer mudanças constantes pode gerar instabilidade na gestão do grupo. Desconfiança. A linha é muito tênue. Pegue qualquer documentário sobre um time campeão e sempre haverá aquele jogador contestado, mas que ganhou um voto de confiança e reescreveu sua história e a da equipe. Quando perde vira teimosia.

É óbvio que cada um pensa de um jeito. Este que escreve, para começar, não teria aceitado o convite e, consequentemente, a presença na coletiva de apresentação e muito menos o beijo de Marco Polo Del Nero em 2016. Sem escorregar na coerência.

Uma vez lá, teria convocado Arthur, do Grêmio. Potencialmente nosso melhor jogador em um setor crucial e carente no futebol brasileiro. Não teria mantido Fred no grupo com uma contusão grave e sem poder contribuir em campo. Talvez retornasse ao time da Eliminatória, com Renato Augusto no meio-campo dando maior suporte a Marcelo, Coutinho com liberdade de movimentação e o espaço para Gabriel Jesus se movimentar e Paulinho infiltrar. Uma voz mais firme com Neymar seria bem-vinda no processo.

Faltou um pouco de sorte também. Quando Tite sinalizou que faria a mudança que poderia ajustar a seleção, como Mazinho na vaga de Raí em 1994 e Kléberson no lugar de Juninho Paulista em 2002, Douglas Costa se lesionou e fez o técnico recuar e manter Willian.

Trocar Gabriel Jesus por Firmino pura e simplesmente nunca se mostrou uma opção tão segura. No segundo tempo da derrota para a Bélgica, o atacante do Liverpool também teve erros técnicos e chegou atrasado na hora de finalizar. A jogada desequilibrante foi de Jesus, pouco antes de ser substituído: caneta em Vertonghen e uma disputa com Kompany que a arbitragem poderia ter interpretado como pênalti.

Não era para ser. Mas pode ser melhor no Qatar. Desta vez com um ciclo completo de quatro anos. Mais habituado à tarefa de selecionar e com mais vivência, inclusive de Copa do Mundo. Mas principalmente porque Tite é disparado o melhor treinador brasileiro. Abaixo dele há uma grande névoa de profissionais ainda buscando afirmação. Sem a combinação de conteúdo e experiência, inclusive como jogador. Domina a prancheta e o vestiário. É atualizado e acompanha obsessivamente a bola jogada no país e no mundo. Não há “plano B”.

A crítica pela crítica é bem fácil. Em qualquer tempo, porque a chance de ser derrotado é sempre maior do que vencer. Então basta procurar defeitos até onde não existem, insistir para marcar território e no momento do revés capitalizar vendendo a imagem do isento em meio ao “oba oba”. No Brasil do pensamento binário, o que não for pancada é “passar pano”.

Difícil é ser justo no tom para discordar, mas reconhecendo o valor quando desmerecer é mais simples por conta de um resultado. A CBF tem a oportunidade de fazer a coisa certa e dar sequência ao trabalho. Com os devidos ajustes e a “casca” e o aprendizado de uma derrota doída. Ela deve isso a Tite, inclusive. Afinal, roubou dois anos de trabalho com a aventura de resgatar Dunga.

Tite é humano e carrega suas falhas e idiossincrasias. Pode e deve ser questionado. Mas lança um desafio que só acrescenta: para discordar é preciso conhecer. O simplismo de “falta um camisa dez”, “centroavante só é bom quando faz gol” e outros clichês não cabe mais. Que sejamos todos melhores no próximo ciclo até 2022.

 

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Primeira vitória do São Paulo fora passa por Araruna, o “ponta-volante” http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/05/28/primeira-vitoria-do-sao-paulo-fora-passa-por-araruna-o-ponta-volante/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/05/28/primeira-vitoria-do-sao-paulo-fora-passa-por-araruna-o-ponta-volante/#respond Mon, 28 May 2018 12:48:22 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=4648 No Brasileiro que em sete rodadas apresenta um cenário de apenas três pontos separando o líder Flamengo do Sport, nono colocado, vencer fora de casa pode ser a chave para brigar no topo e não se contentar com o final da primeira página da tabela. Ou nem isso.

Por isso a importância do triunfo do São Paulo sobre o América por 3 a 1 no Estádio Independência. Também foi o primeiro revés do time mineiro em seus domínio. Podia estar em quarto, caiu para 11º.

O protagonista foi Nenê, com dois gols de bola parada, mas fundamental não só tecnicamente, mas também na liderança em campo que influi na transformação anímica da equipe desde a chegada de Diego Aguirre. A invencibilidade é apenas uma indicação nos resultados que hoje não é fácil se impor diante do tricolor como em outros tempos.

Diego Souza abriu o placar completando assistência de Everton. Com Nenê formaram o trio ofensivo que vai ganhando liga. Antes fechando o quarteto com Marcos Guilherme pela direita. Ponteiro que tem contrato até 30 de junho e, sem acordo com o Atlético Paranaense, dosa as partidas para não chegar a sete e ele não poder mais atuar pelo Brasileiro. Em Belo Horizonte entrou Araruna, titular depois de quatro meses. Um volante aberto pela direita.

Com Araruna, São Paulo preencheu melhor o meio-campo no 4-2-3-1 com um “ponta-volante” pela direita no auxilío a Militão e, principalmente, deu liberdade ao trio Nenê-Everton-Diego Souza (Tactical Pad).

Não é novidade. No momento em que o 4-2-3-1 virou moda no mundo e chegou ao Brasil, uma das grandes preocupações dos treinadores era com o preenchimento do meio-campo. Um meia de criação, dois ponteiros e o centroavante. Um volante mais fixo na proteção da defesa e sobrava um imenso pedaço de campo a ser preenchido pelo volante mais adiantado.

Dunga e Jorginho encontraram uma solução com Elano para auxiliar Gilberto Silva e Felipe Melo e dando liberdade a Kaká e Robinho se juntando a Luis Fabiano. Ramires era a reposição em função que se tornou fundamental na execução do misto de 4-2-3-1 com o losango no meio-campo. Ou um 4-3-1-2 sem sacrificar tanto os laterais, motivo pelo qual o desenho caiu em desuso.

Até hoje Dunga lamenta não ter sacado Ramires com a vitória garantida sobre o Chile nas oitavas. Cartão amarelo, suspensão e, com Daniel Alves, o meio enfraquecido que sucumbiu diante da Holanda.

Ficou o legado desta variação tática, que Dunga colocou em prática na sua passagem pelo Internacional em 2013. Com Fred, hoje na seleção brasileira e de partida para o Manchester United. Fez eco em outras equipes e hoje é uma das marcas do rival colorado, o Grêmio.

Ramiro é o “ponta volante” de Renato Gaúcho. Que tem função parecida com a do ponteiro “armador”, que parte do flanco para o centro, porém é menos ofensivo. Participa da construção um pouco mais recuado, perto da dupla de volantes. Tem liberdade de movimentação e abre o corredor para o lateral, além de liberar o meia central e o ponta do lado oposto para se juntar ao centroavante. Também deixa um espaço para que alguém infiltre como elemento surpresa.

Na prática, a lógica é a mesma da origem da inclusão de um terceiro homem no meio-campo que ganhou o mundo com Zagallo mais claramente na Copa de 1962, embora já se fizesse notar quatro anos antes na Suécia. Reforça o meio-campo ao lado de Zito e Didi e o espaço pela esquerda é aproveitado por alguém do trio ofensivo. Na Copa realizado no Chile, Amarildo, o substituto do lesionado Pelé, foi quem apareceu por ali, inclusive para marcar o primeiro gol dos 3 a 1 na final sobre a Tchecoslováquia.

Voltando ao São Paulo em 2018, Araruna ajudou Militão a fechar o setor direito e equilibrou o meio-campo com Jucilei e Hudson. Nada especial, até pela falta de costume na função e o desentrosamento com os companheiros. Segundo o Footstats, acertou 13 passes, errou dois. Nenhum desarme correto, nenhuma interceptação. Dois cruzamentos errados. Não finalizou nenhuma jogada.

Importante foi o posicionamento em campo que deu um encaixe melhor ao time e facilitou o trabalho do trio da frente. No primeiro gol, o contragolpe é trabalhado por Nenê, que aciona Everton e este serve Diego Souza aparecendo pela direita para completar.

No contragolpe do primeiro gol, Nenê aciona Everton, que vai servir Diego Souza aparecendo do lado oposto. Na imagem, Araruna chega por trás porque estava mais próximo dos volantes que dos companheiros do setor ofensivo (reprodução Premiere).

Aguirre é adepto do rodízio e das mudanças táticas de acordo com o adversário e dependendo do contexto. Mas pode usar  mais vezes Araruna ou outro jogador como o “ponta-volante” que equilibra o time e distribui melhor as peças em campo.

(Estatísticas: Footstats)

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De Flávio Costa a Tite, toda escolha é julgada pelo resultado final da Copa http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/05/16/de-flavio-costa-a-tite-toda-escolha-e-julgada-pelo-resultado-final-da-copa/ http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2018/05/16/de-flavio-costa-a-tite-toda-escolha-e-julgada-pelo-resultado-final-da-copa/#respond Wed, 16 May 2018 11:03:29 +0000 http://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/?p=4583

Foto: CBF/Divulgação

Talvez não houvesse 7 a 1 em 2014 se doze anos antes o chute de Neuville no início do segundo tempo da final da Copa do Mundo, também entre Brasil e Alemanha, não tivesse parado em Marcos e na trave esquerda. Ou alguém imagina Luiz Felipe Scolari voltando tranquilo para seguir sua carreira no país depois de perder a decisão do Mundial na Ásia para uma Alemanha enfraquecida, sem o craque Ballack, e deixando Romário fora da lista final enfrentando um clamor popular poucas vezes visto?

O que seria de Carlos Alberto Parreira em 1994 sem o tetra? Talvez viajasse direto dos Estados Unidos para assumir o Valencia. Certamente lembrariam da falta de um meia criativo como plano B para a irregularidade de Raí. Ou não ter ousado enfiando mais um atacante, Viola ou o menino Ronaldinho, junto com Bebeto e Romário.

Por outro lado, quem lembraria da romaria de políticos em campanha por São Januário na véspera da final de 1950 no Maracanã ainda que o Brasil conquistasse seu primeiro título mundial com um suado empate contra os uruguaios? E quem criticaria Flávio Costa, considerado “carioca” demais pelos paulistas e “vascaíno” demais no Rio de Janeiro?

O mesmo vale para Telê Santana em 1982. Curioso lembrar que até a derrota para a Itália a seleção brasileira era a favorita absoluta ao título, jogando um futebol considerado de outro planeta. Mas bastou ser eliminada para que Waldir Peres, Luisinho, Júnior, Cerezo e Serginho Chulapa fossem contestados como titulares. Meio time. Se Zoff não segurasse sem rebote a cabeçada certeira de Oscar no ataque final e a caminhada fosse segura para o título, estes mesmos jogadores hoje seriam lembrados como os herois de 1970.

Até Zagallo poderia virar alvo se a considerada maior seleção de todos os tempos tivesse sido vencida pelo nervosismo ao sofrer o gol do uruguaio Cubilla que abriu o placar da semifinal no México. Talvez cobrassem Marco Antonio na lateral esquerda no lugar de um Everaldo que se limitava a defender. Ou Paulo César Caju na vaga de Rivelino ou Gérson. Quem sabe até o contestado Dadá Maravilha não seria uma “solução”?

Sem contar Vicente Feola, que apostou em Pelé e Garrincha, dupla que, segundo o psicólogo a serviço da CBD, não teria capacidade cognitiva e equilíbrio emocional para disputar uma Copa. Se a anfitriã Suécia fosse mais um país a usar o fator casa para conquistar um título mundial, algo perfeitamente plausível, é bem provável que por aqui a linha de quatro na defesa e a utilização de um ponta recuando para se juntar à dupla de meio-campistas demorassem bem mais tempo para acontecer. Viraram vanguarda porque o “escrete” voltou com a taça.

No Brasil é corriqueiro dizer que o “se” não entra em campo. Mas a partir do momento que o resultado final norteia toda a análise e surgem os “profetas do acontecido” para dizer o que devia ser feito pelos derrotados e apontar os “segredos” dos vencedores, vale o exercício de imaginar o que seria caso vencidos e campeões trocassem os papéis.

O resultado é consequência das escolhas, sim. Mas também de uma infinidade de fatores, inclusive a sorte. Ou o imponderável. Um detalhe. A bola que bate na trave e quica dentro ou fora da meta. A arbitragem que erra a favor ou contra. Escorregar para fazer ou salvar um gol.

Todas as decisões podem ser questionadas. Antes, durante e depois da competição. O problema está no parâmetro único para este julgamento dos treinadores da seleção brasileira: ganhar ou perder.

Tite pode e diz que aceita ser contestado por não ter levado Arthur e Luan. Ou porque incluiu na lista final Fagner, Taison, Fred…Assume a dificuldade que é escolher. Mas merece respeito por ter trabalhado como nenhum outro treinador na história da seleção brasileira. Ele e sua comissão técnica. Acompanhando jogos in loco, na TV e até treinamentos. Estudando, atualizando, aprimorando. Em menos de dois anos de trabalho. Para enriquecer a análise e embasar as decisões. Com desempenho e resultado em campo sinalizando que a rota está correta. Ao menos até aqui.

Só que nesta terra cinco vezes campeã do mundo a derrota sempre é para si mesmo. Não há mérito do adversário. Basta fazer tudo certo que ninguém nos supera. Ainda que a Alemanha seja campeã do mundo, a Espanha jogue o melhor futebol dos últimos tempos e um português e um argentino estejam fazendo história há uma década. Somos imbatíveis. Se perdermos foi porque alguém errou.

Então se o resultado esperado na Rússia não vier o discurso já estará pronto. Mesmo que Tite mande a campo Roberto Firmino e Douglas Costa, destaques da temporada em Liverpool e Juventus, e eles até saiam do banco para melhorar o desempenho, se vier a eliminação a culpa recairá sobre a presença de Taison entre os reservas.

Usando apenas um exemplo no universo dos clubes, chega a ser engraçado ouvir ou ler que hoje”falta gente no banco para mudar o jogo” e lembrar que em 2006 os torcedores do Internacional explodiram no Orkut, a grande rede social da época, quando Abel Braga chamou o contestado Adriano Gabiru para entrar em campo. Numa final de Mundial de Clubes contra o poderoso Barcelona de Ronaldinho Gaúcho. Podia ter dado bem errado…

Como pode acontecer de tudo na trajetória brasileira em mais uma Copa do Mundo. Só uma coisa não vai mudar. Desde Flávio Costa até Tite. O julgamento será pelo resultado final. E só. Pouco, mas é o que tem para hoje. E ontem. Sempre.

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