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André Rocha

Renato Augusto na China é um soco na cara. Todos estamos errados

André Rocha

06/01/2016 08h18

Renato Augusto Corinthians

Qualquer profissional tem direito de aceitar a melhor proposta financeira. É uma opção legítima e tem que ser respeitada. Ponto.

Mas cabe aqui a reflexão: o dinheiro vai encerrar qualquer questão e discussão sempre?

Renato Augusto tem 27 anos. Hoje é difícil precisar o esplendor físico de um jogador, mas nesta idade há ainda muita lenha para queimar. Tanto que foi considerado o craque do último Brasileiro. Tanto que surgiu a proposta para retornar para o futebol alemão. Era o Schalke 04, não o Bayern de Munique. Mas a oportunidade de disputar uma das principais ligas do planeta.

Pediu alto, queria ficar no Corinthians. Clube que recuperou o meia fisicamente, encerrou a sequência de lesões. Ajudou na volta à seleção brasileira depois de quatro anos. Havia gratidão.

Mas veio o dinheiro da China e derrubou tudo. Dois milhões de reais mensais. Antes balançava, agora chega devastando.

Porque todos estamos errados.

Começando por nós, jornalistas, que damos luz à ostentação dos craques milionários. Carros de luxos, iates, jóias, belas mulheres. A divulgação dos salários astronômicos. Para que tanto? Não questionamos. De onde vem todo esse dinheiro? Da China, dos novos ricos da Europa…Não investigamos a fundo. Apenas quem vai contratar quem, de preferência na frente dos colegas. O furo. Concorrência. Para tentar capitalizar. Ou só por vaidade.

O clube brasileiro, que perde seu jogador e vê o time campeão se dissolver também não é vítima. Outro dia Andrés Sanchez, agora ex-dirigente do clube, afirmou categoricamente: "Futebol é dinheiro". A discussão era sobre premiação da Libertadores, mas vale para quase qualquer tema. Ou qualquer um. É só isso?

Ou este que escreve é ingênuo em pensar que existe um outro lado? Do torcedor, que no fundo é o que faz essa roda girar por aqui com a grana do sócio-torcedor, do produto oficial, do pay-per-view para os jogos fora de casa. Dinheiro que sustenta PAIXÃO. Que não pode ser medida em reais, dólares ou euros. Que se abala cada vez mais com esse pragmatismo.

Não a visão ingênua do amor à camisa, que no fundo nunca existiu desde o início do profissionalismo por aqui nos anos 1930. Mas o amor pelo ofício em si, pela carreira. Acordar todo dia motivado a crescer, evoluir. Não só faturar.

É o que Renato Augusto deixa para trás ao vender seu talento para o Beijing Guoan. Em uma liga tentando crescer, mas ainda pouco competitiva. Eleva a conta bancárias nas alturas, mas faz descer muitos degraus. Faz esquecer a seleção brasileira.

Seleção que lembra CBF. A que mercantiliza um símbolo nacional e fatura alto. Que há tempos chutou os valores para longe. Certamente o ex-meia do Corinthians deve ter pensado ao menos por um segundo se valia trocar o dinheiro que garante gerações da família por ceder o seu trabalho, ainda que eventualmente, a uma entidade mais que suspeita. Que só pensa no quanto tem a ganhar. Em contratos e propinas. Que perde mais um para o dinheiro fácil da China que já escondeu Diego Tardelli, Ricardo Goulart…

Jadson, o outro craque do último Brasileiro, é um caso diferente. 32 anos, sem convocações com Dunga. Era carta fora do baralho até no Corinthians no início de 2015. A última chance de um grande contrato. Mais que compreensível. Mesmo para a segunda divisão chinesa.

Renato, não. Sua saída é um soco na cara do futebol brasileiro. Dói ainda mais pensar que se o jogador ficasse, mas voltasse a sofrer com as contusões que prejudicaram tanto sua carreira seria primeiro criticado cruelmente e depois esquecido. Por clube, torcida, imprensa…Todos.

Porque todos nós estamos errados.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.