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André Rocha

Micale quer o “caos organizado” nas Olimpíadas. Boa ideia que não é nova

André Rocha

02/07/2016 08h23

O nosso Dassler Marques do Uol  trouxe os planos de Rogério Micale para encaixar Neymar na seleção olímpica. Leia AQUI.

Independentemente dos jogadores escolhidos para acompanhar o craque brasileiro e do sistema tático, o técnico quer trabalhar a ideia do "caos organizado", que nada mais é que os seus comandados não guardarem posição na frente, com constantes inversões e abertura de espaços para confundir a marcação.

Tudo muito alinhado ao futebol atual. E necessário, já que o Brasil, como anfitrião e favorito, deve tentar propor o jogo e atuar no campo de ataque em todos os jogos do torneio. Nos últimos trinta metros, muitas vezes diante de oito ou nove jogadores muito próximos, a jogada diferente e o deslocamento que surpreende são fundamentais.

Mas a movimentação na frente não é algo novo em nossos campos. A lendária seleção de 1970 já dava muita liberdade ao seu quarteto ofensivo. Tostão abria espaços, Jairzinho procurava os flancos para infiltrar em diagonal, Pelé circulava e Rivellino saía da esquerda e aparecia pelo meio para lançar ou finalizar de fora da área.

O advento do 4-4-2 em quadrado (ou 4-2-2-2) foi uma transformação natural do "falso ponta" inspirado em Zagallo nas Copas de 1958 e 1962, com este virando meia e os armadores como Gérson e Ademir da Guia sendo adiantados ou substituídos pelos volantes. Nos anos 1990, este sistema tipicamente brasileiro ficou definido com um volante mais plantado, quase terceiro zagueiro, outro que saía mais, porém também protegendo a retaguarda. Afinal, os laterais ganhavam os corredores para apoiar.

Exatamente porque os meias e os atacantes ficavam muito próximos, normalmente centralizados e afunilando. Para compensar, os treinadores escalavam um dos avantes com características de ponta para abrir o jogo, como Edmundo, Edilson, Paulo Nunes, Euler. Exemplos de grandes times no 4-2-2-2 não faltam: o São Paulo de Telê Santana, o Palmeiras e o Corinthians de Luxemburgo, o Grêmio de Felipão campeão da Libertadores de 1995 ou o Vasco campeão brasileiro de 1997.

Em comum, a aproximação para tabelas e ultrapassagens. Com muito improviso. Como não lembrar das belas combinações entre Cafu, Muller, Raí e Palhinha no São Paulo campeão do mundo em 1992, Djalminha, Rivaldo, Muller e Luizão no Palmeiras de 1996 ou Juninho, Ramon ou Pedrinho, Edmundo e Evair no Vasco em 1997?

O esquema caiu em desuso por dois problemas básicos: bloqueando os laterais a saída de bola e as jogadas em profundidade ficavam prejudicadas. Foi assim que a França negou espaços a Cafu e Roberto Carlos em 1998 e 2006. Zidane se encarregou do resto.

O outro também tem a ver com os flancos. Se os meias fechavam o centro da intermediária, normalmente pegando ou fazendo sombra nos volantes, o time que abrisse dois pontas faziam duplas contra os solitários laterais. Com estes presos não havia saída, a equipe travava. Foi o que matou o "quadrado mágico" de Parreira na Copa do Mundo na Alemanha. Neste momento o 4-2-3-1 começou a ganhar espaço no Brasil.

Micale quer a seleção olímpica com a mesma liberdade para criar dos tempos do 4-2-2-2, mas sempre baseada no jogo apoiado, com linhas de passe. Na perda da bola, porém, a ordem é tentar retomá-la rapidamente com pressão e, se não conseguir, reagrupar em duas linhas de quatro ou num 4-1-4-1 ocupando espaços com inteligência. É possível fazer com Neymar, Douglas Costa, Gabriel e Jesus. Basta coordenar os setores.

As ideias do técnico vice-campeão do Mundial Sub-20 e que montou todo o projeto olímpico são ótimas. Que a discussão não se empobreça com a covardia do "Quem é esse cara? Ganhou o quê?" ou a pouco inteligente cobrança pela "grife", quando vemos, por exemplo, o novato Zé Ricardo sair da base e organizar o Flamengo melhor que o multicampeão Muricy Ramalho.

O futebol mudou, mesmo que se volte ao passado para entender e buscar soluções para o presente. Para isso é preciso também atualizar conceitos e nomes. Rogério Micale pode ser um deles.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.