Topo

André Rocha

São Paulo é mais um brasileiro a pagar por sentir mais e pensar menos

André Rocha

07/07/2016 07h32

"O futebol não se traduz em termos técnicos e táticos, mas puramente emocionais". A frase é de Nélson Rodrigues e já foi tema de comercial antes da Copa do Mundo de 2014. Pensamento que norteou as crônicas de um dos gênios da nossa dramaturgia. Mas também influenciou gerações de jornalistas, que modelaram a opinião pública no Brasil cinco vezes campeão mundial.

Até porque para o torcedor brasileiro, latino e passional, o discurso conforta como um cobertor quentinho. O grito do torcedor inflama o time, que se entrega mais, transpira mais, sente mais. E vence apenas pela alma. Discurso tão enraizado que até hoje acreditam que basta invadir a sede do clube e, até na porrada, exigir fibra dos que representam suas cores. Apenas isso é suficiente.

Desculpe…mas te enganaram. E seguem iludindo.

Porque a vontade de vencer é obrigação. Em qualquer área. Ainda mais em carreira tão curta e bem remunerada para a minoria que alcança o mais alto nível. Em alguns momentos correr mais pode, sim, separar vencedores e vencidos. Há também o golpe de sorte, o imponderável, o que parecia impossível. Não é por acaso que falamos tanto do esporte mais apaixonante que existe.

Mas o futebol tem que ser pensado.

O São Paulo, sem Paulo Henrique Ganso, achou que resolveria na garra e no grito dos mais de sessenta mil no Morumbi. Serviu para construir quinze minutos de pressão em busca do gol para criar uma atmosfera favorável. Só conseguiu rondar a área e incomodar em finalizações de Michel Bastos e Thiago Mendes.

Porque sem o articulador o plano foi óbvio demais: jogar pelos flancos. Trocar passes, abrir para o apoio dos laterais Bruno e Mena e cruzar na área do Atlético Nacional para Calleri e Ytalo. No primeiro tempo foram 19 centros, apenas três corretos. Também pelo bom posicionamento da defesa colombiana.

A ideia do técnico Reinaldo Rueda era controlar fora de casa. Sem a bola, variando entre o 4-2-3-1 e o 4-1-4-1 de acordo com o posicionamento do volante Mejía à frente da retaguarda e de Macnelly Torres, ora mais adiantado na articulação, ora alinhado a Sebastián Pérez. Moreno e Ibargüen pelas pontas e na frente Miguel Borja.

Camisa 23, vinte e três anos. Artilheiro do Colombiano pelo Cortuluá, contratado para compensar as ausências dos negociados Ibarbo e Copete. Inteligente e maduro para aproveitar o destempero de Maicon. Camisa 27, quatro anos mais velho que Borja. O capitão que confundiu com imprudência a garra e a liderança que fizeram o São Paulo investir seis milhões de euros, mais 50% dos jovens Lucão e Inácio – um negócio feito na emoção, na urgência do próximo jogo?

Um defensor experiente não pode correr o risco em jogo tão decisivo de uma mão no rosto virar cartão vermelho e desmontar de vez sua equipe, que foi perdendo a calma, abandonando o jogo apoiado, de aproximação. Novamente um time brasileiro espaçou setores e abandonou gradativamente a ideia inicial pelo desequilíbrio emocional.

Com calma, brechas generosas numa defesa com Mena na zaga e Michel Bastos na lateral esquerda e qualidade o Nacional trabalhou a bola e matou o jogo e, muito provavelmente, o confronto na semifinal com os dois gols de Borja. O grande personagem no Morumbi tenso após o jogo. Pancadaria, bombas. O novo ídolo já execrado por conta da expulsão. Outros jogaram na conta da arbitragem. Tudo pela emoção descontrolada.

Também a nossa habitual arrogância. Como se tivesse perdido para ninguém. Por isso também a cobrança por raça, como se só ela resolvesse, já que há no imaginário popular a certeza de que somos melhores. Nem sempre. Por isso o nervosismo desmanchou o tricolor paulista. Mais um brasileiro a pagar por sentir mais e pensar menos.

Nelson Rodrigues, mil perdões. Mas sem querer você atrapalhou de novo.

(Estatísticas: Conmebol)

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.