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André Rocha

Técnico de time grande e ambicioso não pode parar no tempo

André Rocha

21/10/2016 07h53

Bastou a classificação da dupla Gre-Nal comandada por Renato Gaúcho e Celso Roth para as semifinais da Copa do Brasil e a goleada sofrida pelo Manchester City de Guardiola para surgirem os defensores da "Velha Guarda" com o discurso do "ódio ao futebol moderno" dentro de campo.

É legítimo preferir um estilo mais rústico e tradicional a algo mais atual. Acontece em todas as áreas da vida que se relacionam com a estética. Inclusive o futebol. Em tempos de pluralidade de opiniões nas redes sociais também soa diferente, original e "descolado".

Só que para um time grande, mesmo entendendo a particularidade da presença dos dois treinadores nos gigantes gaúchos – contratos de curta duração pelo ano eleitoral – soa pobre a pretensão apenas de se livrar de rebaixamento, chegar ao G-6 do Brasileiro ou à fase final de um torneio nacional de mata-mata.

O que se espera, ou idealiza, em um clube de massa é um trabalho a médio/longo prazo com dois objetivos que podem caminhar juntos ou não: marcar época com grandes conquistas (Libertadores e Mundial) e/ou entrar para a história com um estilo inovador ou espetacular.

Às vezes tudo funciona como numa espécie de clique e em pouco tempo é formada uma equipe que fica na memória do torcedor. Qual o último time realmente encantador no país? O Santos de 2010. Dorival Júnior assumiu no início do ano e rapidamente entregou uma máquina de gols: Rafael; Pará, Edu Dracena, Durval e Alex Sandro; Arouca e Wesley; Robinho, Ganso e Neymar; André. Campeã paulista e da Copa do Brasil.

Outro exemplo de "meteoro" que se eternizou: Palmeiras de 1996, campeão paulista com mais de 100 gols comandado por Vanderlei Luxemburgo. De Velloso; Cafu, Sandro, Cléber e Júnior; Amaral, Flávio Conceição, Djalminha e Rivaldo; Muller e Luisão. Tantas vezes mais citado que os times campeões brasileiros em 1993 e 1994.

Pergunte a um vascaíno de mais de 40 anos se não se recorda do campeão da Taça Guanabara de 1987: Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho; Dunga, Geovani e Tita; Mauricinho, Roberto Dinamite e Romário. Até hoje o treinador daquela "SeleVasco", Joel Santana, lembra em participações em debates e programas de TV da equipe mais ofensiva que comandou para se defender do rótulo de "retranqueiro". Disputou um turno de estadual.

Isso sem contar os exemplos mais clássicos de seleções que não venceram a Copa do Mundo, porém são mais exaltadas, analisadas e mencionadas nos livros sobre o esporte do que as campeães: Hungria de 1954, a Holanda de 1974 e Brasil de 1982.

Todos esses times, em maior ou menor escala, traziam consigo algo novo ou ousado. Diferente. Porque desde sempre o pragmatismo é muito pouco para nós, humanos. Em tese, bichos que sentem e pensam. Queremos a beleza para ao menos tangenciar a eternidade.

Sim, esse discurso pode soar muito romântico e filosófico. Retornemos então aos títulos. Levar a taça para casa. Simples e direto. Mesmo assim é preciso estar alinhado ao que está acontecendo no planeta bola.

Tomemos o último exemplo bem sucedido no Brasil: o Corinthians de Tite, campeão brasileiro, da Libertadores e Mundial entre 2011 e 2012. Um time menos empolgante que o do ano passado, comandado pelo mesmo técnico, porém reinventado depois de um ano "sabático" e apostando mais na criatividade.

Mesmo mais "duro", chegou ao topo do mundo no universo dos clubes por jogar um futebol atual: compacto, intenso e bem coordenado. Com capacidade para competir e buscar ser o melhor. Ok, foi feliz ao encarar o Chelsea no duelo derradeiro e não um Bayern, Real Madrid ou Barcelona. Mas cumpriu sua missão.

Ao contrário do Atlético Mineiro de Cuca e Ronaldinho Gaúcho. Time com conceitos arcaicos como marcação individual, volantes essencialmente marcadores (Pierre e Leandro Donizete) para compensar a inércia do craque do time sem a bola, mas fracos na construção do jogo. Muitas ligações diretas procurando Jô e linhas espaçadas.

Campeão da Libertadores sempre sofrendo fora de casa, mas encontrando uma fórmula mágica em Belo Horizonte: intensidade absoluta, pressão sufocante, comunhão comovente com a torcida sob o lema "Eu acredito!" e o goleiro Victor para salvar quando tudo parecia perdido.

Histórico pela conquista continental. Mas na disputa do Mundial, quando precisou de conteúdo tático e não tinha o Horto como trunfo…passeio do Raja Casablanca na semifinal e sequer a chance de disputar a decisão contra o Bayern de Munique de Guardiola.

No Brasil, especialmente em política, religião e futebol, o estudo e o esforço para se informar e atualizar muitas vezes são taxados como enfadonhos ou ligados à "tecnocracia" e descartados em nome do carisma, da espontaneidade ou da ditadura do humor em tempos recentes. Também importantes, mas que dificilmente se sustentam sozinhos por muito tempo.

Por isso não dá para aceitar um treinador, no ano da graça de 2016, afirmar que não há inovações no futebol e que tudo que acontece hoje é o mesmo que ocorria há duas décadas.

Direito de Roth, Scolari, Luxemburgo e outros veteranos não apreciar o estilo de Guardiola. Mas descartar todo o futebol atual, inclusive a escola mais intensa e vertical de Mourinho, Ancelotti, Klopp e Simeone, é ignorância voluntária. Ou preguiça mesmo.

Técnico de time grande precisa estar atento, conectado, sintonizado para pensar e sonhar do mesmo tamanho. Para ser ambicioso é proibido parar no tempo.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.