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André Rocha

Por um debate mais tolerante, plural e com conteúdo em 2017

André Rocha

30/12/2016 10h02

No ano em que os resultados premiaram o desempenho das equipes dos estudiosos Micale e Tite na seleção brasileira, veio Renato Gaúcho no final com a conquista da Copa do Brasil e seu discurso de exaltação ao talento que minimiza o esforço.

No meio termo, Cuca foi campeão brasileiro fiel às suas convicções, como marcação individual e jogadas aéreas ensaiadas até em cobranças de lateral, mas adaptando conceitos atuais como pressão no campo de ataque e meio-campo mais qualificado. E o melhor: admitindo mesmo depois da conquista que precisa estudar e se aprimorar.

Tudo para lembrar que no Brasil e em qualquer canto que se jogue futebol é possível vencer de várias maneiras. "O futebol é generoso" costuma dizer Paulo Autuori, outro técnico com saldo positivo em 2016.

Mas o resultado deve mesmo encerrar qualquer discussão? O líder ou o campeão não pode ser questionado? Tem sempre razão? Em um jogo tão aleatório e imprevisível, o desempenho nem sempre tem relação direta com o placar final.

É preciso entender o papel do analista, que é chamado todo o tempo a opinar e trabalha com fotografias instantâneas da temporada. Afirmar que um time está jogando melhor naquele momento não significa que levará a taça, nem que será justo pelo desempenho em toda a competição.

Ao mesmo tempo, este que escreve reconhece que exagerou ao dizer que o Palmeiras poderia ser um campeão "pela porta dos fundos". Melhor seria substituir por "sem brilho e sem números". Àquela altura o time corria risco de perder a condição de melhor ataque, maior número de vitórias e outras estatísticas. Mas "porta dos fundos" foi demais, talvez pela aversão ao resultadismo precoce de Cuca e seus comandados, alimentado por 22 anos sem títulos brasileiros.

Quem é obrigado a se posicionar o tempo todo sobre algo que muda a cada instante invariavelmente vai dizer alguma bobagem. Sempre, porém, com imenso respeito à instituição. Sem clubismo, pelo menos deste blogueiro. Acredite: com o tempo, é mais fácil o jornalista se trair torcendo por suas convicções do que pelo time que fez com que ele se apaixonasse pelo esporte. É da vaidade humana.

Uma tolice, pois o futebol está aí sempre para dar uma rasteira nas nossas idealizações. Por isso é tão inútil esse Fla-Flu estudiosos x boleiros. Porque não adianta falar a língua dos jogadores sem conteúdo nos treinos, assim como o técnico que prefere os livros ao contato pessoal dificilmente terá a confiança dos seus comandados.

O mesmo vale para o comentarista que trata o futebol como um mero jogo de xadrez. Tão equivocado quanto alguns geradores de obviedades que menosprezam a inteligência de quem está ouvindo. Ou só dizem o que o torcedor quer ouvir, numa relação fornecedor-cliente. Pior ainda os que confundem leveza e humor com piadas grotescas que sempre acabam ofendendo alguém.

O torcedor não tem as obrigações do jornalista. Mas é importante entender que se ele quer interferir na vida do clube, seja como sócio-torcedor ou através dos muitos canais de comunicação que existem hoje, é preciso saber mais. Não dá para colocar tudo na conta do técnico "burro" ou do time "sem vergonha".

Se assistir apenas aos jogos do seu time, sem entender minimamente a evolução do esporte em todas as áreas, a crítica será sempre rasa. Ou saturada de saudosismo, dos tempos em que o time era o melhor. A velha visão de que tudo no passado era mais bonito. Basta pesquisar na internet, com jogos na íntegra disponíveis, para perceber que felizmente tudo evolui. Por isso fica mais complexo.

Que no ano que chega sejamos mais tolerantes e plurais, respeitando e aprendendo com quem tem algo a transmitir. Com rivalidade, mas sem antagonismos radicais no debate. Sempre valorizando o conteúdo, que é ouro em tempos de tanta informação circulando.

Que o torcedor não seja tratado como uma criança mimada, que não pode ser contrariada. Que os profissionais de futebol lidem melhor com críticas construtivas. Que nós, analistas, estejamos atentos ao que o esporte oferece de objetivo, matemático, mas também ao lúdico e ao imponderável. Não é vergonha dizer que uma bola que bateu no travessão e não entrou por centímetros foi apenas sorte de quem deixou de sofrer o gol. Simples assim.

Por isso estamos aqui falando dessa parte importante de nossas vidas. Imprevisível como cada dia de cada semana de cada mês. De cada bola que rola. Do ano que vira no calendário para lembrar que podemos fazer melhor, mesmo sem garantia de vitória no final dos 90 minutos.

Até 2017!

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.