Fiasco do Brasil sub-20. A inteligência vale mais que "alegria nas pernas"
O maior pecado do técnico Rogério Micale na eliminação brasileira do Sul-Americano no Equador com o empate sem gols contra a Colômbia foi tentar se manter fiel às suas convicções de jogo apoiado, valorizando a posse de bola, sem considerar o contexto: gramados ruins na primeira fase e, principalmente, as características dos jogadores – mais velocidade e força que técnica e raciocínio.
Talvez tenha faltado mais do rubro-negro Lucas Paquetá, maior esperança na organização e criação. Mas é bem provável que o fiasco brasileiro tenha sido novamente uma mera consequência de seu próprio ciclo nas divisões de base.
Desde sempre o que o menino bom de bola ouve é "filho, pega a bola, parte para cima e resolve o problema da sua família". Depois de um tempo, se confirmar o potencial, o empresário é incluído no pacote de dependentes. O aprendizado inicial é tentar resolver na individualidade para se destacar na multidão.
A questão é que por mais que os profissionais da base estejam se qualificando na preparação dos garotos, a nossa mentalidade atrapalha. Olhamos para um time e sempre buscamos "o cara", aquele que chama a responsabilidade, que faz a diferença, que decide sozinho. Não vale ser coadjuvante. A velha visão do "patrão" e "empregado".
Só que no futebol atual, por mais que se tenha Messi, Cristiano Ronaldo, Suárez, Neymar, Ibrahimovich, Hazard e outros talentos desequilibrantes, "o cara" é cada vez mais o time. A ideia de jogo que vai potencializar e fazer aparecer o jogador diferente.
Por isso a necessidade de uma leitura de jogo cada vez mais precisa. A exata noção da importância de cada um no funcionamento do modelo de jogo. Saber que passar e se deslocar oferecendo opção ao companheiro vai ser mais importante que o drible em dois terços do campo. Só no último, mais próximo do gol, a vitória pessoal será essencial para furar as linhas de marcação cada vez mais compactas.
Saber o que fazer também ajuda a não se desesperar na hora da dificuldade. Era nítida a tensão dos meninos da seleção sub-20 por conta dos problemas graves na construção do jogo apoiado que Micale exige. Porque o garoto, culturalmente, é cobrado para decidir sozinho. Habilidade ou força e velocidade, rompendo as defesas. Vencendo as dificuldades na marra ou no jeitinho que é só nosso.
Tudo para conseguir um contrato na Europa e sair daqui jogando bola e aprender lá a fazer o jogo. Coletivo. Discurso comum entre os novos e os ex-boleiros. Às vezes surge um Gabriel Jesus, talentoso e inteligente praticamente na mesma proporção que se encaixa rápido em qualquer lugar – Palmeiras, seleção olímpica, principal, Manchester City. Mas é exceção.
Não é acaso a nossa maior carência em alto nível: os meio-campistas cerebrais, que jogam de área a área e ditam o ritmo. Fazem o jogo coletivo acontecer. Como estimular o menino se o mais rápido, o mais forte e o mais driblador é que vão ganhar os holofotes e as melhores oportunidades?
A visão do futuro não é apocalíptica e há avanços nos métodos de treinamento nas divisões de base do país. Também há mais competições para colocar tudo em prática. Não parece a hora de defenestrar Micale e voltar a encher a CBF de ex-boleiros sem formação e preparo.
O problema maior do processo segue sendo a transição e a afirmação dos mais promissores no profissional. Muito porque o empresário e a família querem que o craque sub chegue com banca entre os adultos. Ou só passe por lá em busca do sonho maior: a independência financeira nos centros mais rentáveis.
David Neres já entrou no time principal do São Paulo com status de estrela e, no meio do Sul-Americano, foi vendido ao Ajax. Difícil imaginar a cabeça do garoto para seguir no torneio de base com a primeira grande meta cumprida. Seleção principal, Copa do Mundo? Lá na frente e se for conveniente.
Uma busca individual em uma visão pouco coletiva. De mundo, que passa pela educação formal, em casa e entra no campo. Em um futebol de alto nível cada vez mais associativo, de união de forças, combinação de características. Um paradoxo.
Por isso a inconstância, a irregularidade de alternar um título mundial sub-2o em 2011, um vice em 2015 e duas eliminações no Sul-Americano, em 2013 e agora. Um sinal de que está na hora de começar a privilegiar a inteligência em campo. Ela vale bem mais que "alegria nas pernas".
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