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André Rocha

Luxemburgo, não falta talento ou drible no Brasil. Só não sobra mais espaço

André Rocha

22/08/2017 11h13

Vanderlei Luxemburgo participou do "Boa Noite Fox" nesta segunda-feira no canal Fox Sports e mais uma vez ressaltou que não vê nada diferente no futebol atual, defendeu a qualidade dos técnicos brasileiros e questionou a utilização no país da literatura portuguesa sobre o esporte.

A discurso mais enfático, porém, recaiu sobre a falta de qualidade técnica e da capacidade de improviso do jogador atual em relação aos que o treinador veterano comandou nos anos 1990 e no início da década passada.

"Qualquer time que jogasse em 25 metros de campo eu faria seis, sete gols por causa da qualidade e do drible". Em seguida afirmou que mesmo no futebol mundial não há mais grandes jogadores e, de novo, insistiu dizendo que no Brasil não existe mais o craque que fura a defesa, com passe ou drible.

O curioso foi que no meio da argumentação ele deixou escapar: "Não tem esse jogador que enfrenta a defesa nesses 20 metros de campo. Os caras descobriram isso aí e então acabou".

Eis o ponto. O próprio Luxemburgo deu a resposta exata para o problema, mesmo levando sua tese para outro caminho.

É sempre dever lembrar Johan Cruyff: "Com espaços qualquer um joga futebol". Luxemburgo sempre ressalta a condição física do atleta para justificar esta dificuldade. Mas não é só isso.

A diferença está no espaço. A começar pelos gramados, padronizados em 105 x 68 metros. O corte foi na largura. Então é preciso trabalhar mais para esgarçar a defesa adversária. Mais ainda quando o trabalho defensivo passa a ser feito por zona, tendo a bola e o espaço como referências.

Ou seja, quem tem a bola recebe pressão, o oponente fecha as linhas de passe e se os jogadores estão mais próximos fica mais difícil driblar e seguir, porque a cobertura chega mais rapidamente. O defensor também evoluiu no enfrentamento, principalmente no posicionamento do corpo na diagonal, deixando o corredor para o fundo, mas fechando o funil. A ação mais perigosa.

Antes a marcação era baseada em perseguições individuais. Então se o atacante vencesse seu marcador abria-se um clarão à sua frente porque restava apenas o zagueiro da sobra que já chegava vendido. Em estádios como Mineirão e Serra Dourada esse espaço, que já era generoso, se transformava num latifúndio.

Nunca saberemos como Edmundo, Edilson, Marcelinho e outros comandados por Luxemburgo se comportariam diante deste cenário mais complexo. Mas basta resgatar os vídeos na íntegra que estão na internet para perceber que as linhas mais espaçadas e o jogo menos intenso facilitavam o trabalho do jogador mais habilidoso.

Talvez seja essa falta de percepção que complique a vida do treinador brasileiro, aqui e para buscar mercado nos principais centros. A necessidade de trabalhar a parte ofensiva e não deixar a cargo do improviso do jogador. Posse de bola de um lado do campo, inversão rápida e, aí sim, encontrar um atacante com habilidade no um contra um. Não dá mais para deixar por conta da aleatoriedade e da invenção. Ela também precisa ser treinada ou preparada.

Luxemburgo citou Paulo Henrique Ganso como meia genial que encontra espaços em retaguardas bem trancadas. Mas o meia, hoje no Sevilla, já enfrentava dificuldades por aqui com o jogo mais intenso e a marcação mais próxima. Não pode ser referência. Ou melhor, seria até o melhor exemplo da tese de que talentos do passado, se não se adaptassem, teriam dificuldades hoje.

O Brasil tem Douglas Costa, Willian, Philippe Coutinho, Neymar, Malcom e tantos outros atacantes habilidosos. Jogando em nossos campos há Dudu, Guerra, Jadson, Lucas Lima, Bruno Henrique, Everton Ribeiro, Cueva, Diego, Wellington, Gustavo Scarpa, Robinho, Cazares, Thiago Neves, Luan (Grêmio)… Todos com capacidade de improviso e qualidade técnica para desequilibrar.

O desafio é superar, sem o suporte coletivo, sistemas defensivos que cada vez mais se alinham ao mais alto nível do futebol jogado no planeta. Exatamente porque falta a Luxemburgo e muitos outros treinadores soluções para que eles usem o talento na zona decisiva sem marcação e cobertura.

Alguns técnicos desestimulam o drible com medo da perda da bola e do contragolpe adversário. Então é mais simples mandar levantar a bola na área, com os pés ou as mãos nas cobranças de lateral. Sem triangulações ou diagonais bem executadas. Sim, falta tempo na rotina de duas partidas por semana. Também não há estabilidade no cargo para arriscar mais.

Está claro, porém, que em muitos casos a carência é mesmo de conhecimento para fazer diferente. Porque o futebol está em constante mutação, sempre evoluindo. Quem não consegue enxergar acaba ficando para trás. Só fica o saudosismo.

 

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.