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André Rocha

Pânico do Galo com dois homens a mais é retrato do futebol brasileiro

André Rocha

11/09/2017 07h08

Aos 33 minutos do segundo tempo, a expulsão de Willian deixou o Palmeiras com dois homens a menos contra o Atlético Mineiro no Independência. O time da casa já estava com vantagem numérica desde os 40 da primeira etapa com o cartão vermelho apresentado por Leandro Vuaden a Luan Garcia.

A ideia do post não é se ater às decisões do árbitro no confuso 1 a 1 de sábado, com três pênaltis além das duas expulsões e outros lances polêmicos, mas às consequências dentro do jogo. Com um homem a mais, o Galo já vinha encontrando dificuldades e se livrou de sofrer o segundo gol quando Victor pegou a cobrança de pênalti de Deyverson.

Quando o cenário do final da partida apresentou a obrigação de atacar para se impor sobre oito jogadores plantados na própria área protegendo o goleiro Fernando Prass, o time mineiro entrou em pânico. Passou a errar passes seguidos, se afobar chutando de fora da área e levantar bolas a esmo, muitas delas na intermediária.

Para desespero do treinador Rogerio Micale, no comando da equipe há pouco mais de dois meses. Era possível fazer a leitura labial e entender que seus gritos eram para girar a bola até criar o espaço para a infiltração. Em vão, ainda que a forceps tenha criado algumas oportunidades e pudesse até sair com a vitória. Ou derrota, no contragolpe cedido que Moisés, já exausto, não conseguiu aproveitar.

A postura do Galo no final da partida é um retrato do futebol atual praticado no Brasil. No qual ter a bola e a obrigação, pelo contexto da partida, de atacar e propor o jogo é um problema. Quase um fardo. Ou o maior risco de sair derrotado.

As razões são muitas. Desde o pouco tempo para treinar pelo calendário insano que também exige um revezamento maior no elenco e compromete o entrosamento, passando pelas constantes mudanças por conta de uma janela de transferências que parece nunca acabar e a pouca paciência com o trabalho dos treinadores. Pressão absurda por resultados imediatos, ainda mais de elencos montados com altíssimo investimento, como os de Palmeiras e Atlético-MG.

Assim como a percepção de que o futebol jogado nos grandes centros chegou aqui primeiro pela defesa. O trabalho sem a bola que ganhou um salto de evolução com a aproximação das linhas, a participação de todos, a perda da vergonha de recuar os dez homens atrás da linha da bola, a preocupação em congestionar a zona de criação para a infiltração. Também a pressão no campo adversário para dificultar a construção das jogadas desde o seu início.

Como criar espaços em um jogo tão apressado, que vaia a bola atrasada para o goleiro ou os passes trocados pelos zagueiros para tirar o rival do próprio campo? Um sistema defensivo bem posicionado e com movimentos coordenados não é tão difícil de ser treinado e exige um trabalho mais sofisticado de quem tem a bola.

É preciso se movimentar para abrir a brecha e o companheiro aparecer nela no tempo certo. Saber o momento de arriscar o drible que desequilibra. Leitura de jogo. Para isso é preciso inteligência e também sintonia, jogar de memória, se entender no olhar. Só vem com a repetição. Difícil com o entra e sai de peças. Não por acaso o São Paulo de Dorival Júnior, que contratou dezoito jogadores e também o treinador, sofre mais que os outros e a meta que restou em 2017 é escapar do rebaixamento que parece cada vez mais palpável.

Mas o líder Corinthians, ainda absoluto e com boa vantagem, também pena quando tem a bola. Fabio Carille tem time base definido, resgata conceitos dos tempos de Tite e mesmo com a maioria dos titulares tendo atuado sob o comando do atual treinador da seleção brasileira, o fato de ter se tornado o time a ser batido fez com que os adversários estudassem mais os movimentos ofensivos e se concentrassem em bloqueá-los.

Enfrentar o melhor time do campeonato também permite jogar em contragolpes, mesmo em casa. Assim o Santos venceu na Vila Belmiro. Porque os espaços se oferecem para os velocistas que não conseguem pensar quando se deparam com uma parede. Resta levantar a bola na área para arrancar um gol. Ou apostar na bola parada. É pouco. Falta repertório, ousadia. Ideias.

Não por acaso em 73% dos jogos quem fica mais tempo com a bola não vence. Por isso o Galo penou e perdeu a oportunidade de conseguir três pontos e se aproximar do G-6. Segundo o Footstats, terminou a partida com 62% de posse, 20 finalizações. Mas apenas sete no alvo e poucas chances cristalinas. Foi às redes na cobrança de pênalti de Fabio Santos. Efetuou 33 cruzamentos.

Criou pouco porque se livrou da bola. E no final é comum o discurso de que fizeram tudo que foi possível. "Massacramos, mas não deu". Como se ficar com a posse sem criar nada de concreto representasse alguma superioridade real.

Um engano recorrente que empobrece ainda mais o nosso jogo tão sofrido. Há qualidade, mas ela está sufocada. Sem espaço, tempo, paciência, treino e coragem fica quase impossível. É mais fácil esperar o contragolpe. Ou o acaso proteger.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.