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André Rocha

Não foi só raça! River Plate dá aula monumental de "toco y me voy"

André Rocha

22/09/2017 04h14

O Jorge Wilstermann foi inocente no Monumental de Nuñez como os times e seleções bolivianos de quatro ou cinco décadas atrás. Levar o primeiro gol dos históricos 8 a 0 num contragolpe com Scocco pegando escancarada a linha de cinco na defesa comandada pelo brasileiro Alex "Pirulito" Silva beirou o patético.

Pior ainda: trouxe a torcida que já tinha feito uma bela festa na entrada do River Plate ainda mais para o jogo e o que se viu foi um massacre sem precedentes. Porque o gigante argentino teve fibra, sim. Raça. A camisa pesada também conta, mas não foi só isso. O time do treinador Marcelo Gallardo jogou futebol no ritmo certo para construir a virada do dobro do tamanho que precisava.

Já tinha criado ao menos três oportunidades cristalinas, duas com Scocco, na altitude de 2.570 metros em Cochabamba nos 3 a 0 que iludiram a Bolívia e até seu presidente Evo Morales. O River sabia que tinha condições de reverter.

E aí entra a primeira aula dos Millonarios para brasileiro aprender: a "pilha" certa. Com a tensão natural de quem sabia que a obrigação de fazer três gols sem sofrer nenhum em uma partida eliminatória é mais que desconfortável. Mas transformando a adrenalina em fome. Até uma certa raiva, mas não para agredir fisicamente o adversário. Simplesmente mostrar quem é o mais forte.

A segunda, e monumental, foi a avalanche de futebol, com volume de jogo impressionante. Toque fácil, rápido, objetivo. A execução do 3-4-3 como deve ser: alas Fernández e Rojas abrindo o campo, Ponzio e, principalmente, Enzo Pérez empurrando o trio Auzqui-Scocco-Martínez para dentro da área do oponente. Todos se procurando para tabelas, triangulações e infiltrações em diagonal, no "funil".

Bem diferente do festival de cruzamentos de Atlético Mineiro (43) e Palmeiras (32) nas partidas em casa contra os bolivianos. O River não se desfez da bola. Pelo contrário, deu um espetáculo de "toco y me voy" moderno, com a intensidade do futebol atual. Passa e desloca, passa ou se projeta para dar profundidade às manobras do ataque. Até cruzou muito – 26, com cinco acertos. Mas muitos da linha de fundo para trás, como deve ser.

Depois de três gols de Scocco um tanto aleatórios, o time da casa anotou outros três em jogadas trabalhadas. Trocas de passes verticais até chegar ao fundo e encontrar o companheiro mais bem colocado. Futebol simples, mas que só é viável quando há entendimento do jogo.

Também tempo de trabalho. Gallardo está no clube desde 2014. Venceu a Sul-Americana no ano da estreia e a Libertadores na temporada seguinte. As conquistas rarearam, mas o trabalho prossegue. Há uma linha, um estilo, uma ideia. Que encontrou sua melhor execução numa noite mágica.

A dos cinco gols de Scocco, maior beneficiado pelo futebol fluido e mortal do River Plate que gerou nada menos que 22 finalizações, 12 na direção da meta de Raul Olivares. O atacante marcou quatro gols em toda sua passagem pelo Internacional e superou em um jogo. De virtual eliminado ao grande favorito para alcançar seu quarto título do torneio. Primeiro tem a semifinal argentina contra o Lanús, que mandou para casa, também numa virada, o San Lorenzo campeão em 2014.

No início da competição, oito brasileiros e seis argentinos. Agora só teremos uma decisão entre os grandes rivais do continente, algo que não acontece desde o Corinthians x Boca Juniors de 2012, se o Grêmio superar o Barcelona. Sintomático como os dois titulos desde o fim da sequência de domínio do Brasil.

Que a lição não se resuma aos "cojones", à questão anímica. O River Plate não foi só isso em Buenos Aires.

(Estatísticas: Footstats)

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.