Carta aberta a Cuca: vá a Nápoles ver Sarri, não para a Cidade do Galo
Caro Alexi Stival,
Não nos conhecemos, mas acompanho sua carreira há bastante tempo. Desde o Goiás em 2003. Devo reconhecer que o seu Botafogo chegou a me encantar em 2007. Sua inquietação e vontade de fazer diferente chamaram a minha atenção.
Só que o futebol mudou muito de lá para cá. No mundo todo e no Brasil um pouquinho atrasado. E a solução que você, Cuca, encontrou para colocar no currículo os títulos que faltavam para torná-lo mais pesado foi na contramão do que se faz nos principais centros.
Em termos, porque a tão decantada intensidade sempre esteve presente nas suas equipes. A pressão na saída de bola também. O resto, porém, ficou anacrônico. Marcação por encaixe, perseguições individuais nos setores. Ofensivamente, muitas ligações diretas e foco exagerado nas jogadas de bola parada.
Assim venceu a Libertadores com o Atlético Mineiro em 2013. Mas tente fazer um exercício: compare a qualidade técnica dos jogadores que tinha disponível, de primeira prateleira na América do Sul, com o enorme sofrimento para conseguir as classificações e o triunfo final.
O "São" Victor desde a defesa na cobrança de Riascos contra o Tijuana e a enorme felicidade naquele apagão no Estádio Independência contra o Newell's Old Boys que deu tempo para uma última mobilização, inclusive com a torcida, para buscar o gol salvador que levou a disputa para os pênaltis. Você correu muitos riscos, talvez desnecessários para uma equipe com Leonardo Silva e Marcos Rocha em plena forma e um quarteto ofensivo com Bernard, Tardelli, Ronaldinho Gaúcho e Jô.
Não acredite nessa lenda urbana espalhada nas torcidas brasileiras de que "sofrido é mais gostoso". Para você que já confessou que gosta de ter tudo sob controle, viver no fio da navalha é oscilar entre vitória e derrota o tempo todo.
Como aconteceu ano passado com o Palmeiras campeão brasileiro. Muitas das vitórias apertadas no returno, quando você assumiu uma postura mais pragmática pela disputa da liderança com o Flamengo, podiam ter se transformado em empates ou mesmo reveses. Lembra do sufoco que levou no Independência do Galo? Ou do coelho que Gabriel Jesus precisou tirar da cartola para achar o empate em casa contra o Fla?
Ali deu tudo certo. Mas era possível fazer bem mais. Com esses seus métodos tudo precisa dar muito certo. Quando saem um pouco do planejado acontece o que ocorreu agora em 2017. Sem desempenho e resultado. Porque um é consequência do outro. Essa sua fórmula muito focada no placar final perde a essência do jogo.
Dizem que às vezes os inimigos trazem os melhores conselhos. Não que eu seja um, sou apenas um crítico. Nada a ver com clubismo, como muitos palmeirenses me acusam. Tenho enorme respeito e carinho pelo clube alviverde, que proporcionou a quem ama o esporte grandes espetáculos de times fantásticos. Muito menos fiquei frustrado com a perda do título pelo Flamengo. Quem acompanhava o clube, inclusive conversando com profissionais, sabia que a sequência de viagens cobraria o preço no fim da temporada. E sempre achei esse papo de "cheirinho" uma tolice – aliás, você deve ter agradecido muito esse combustível para manter seus jogadores focados.
Entenda: o jornalista que trabalha com futebol, mergulhado no tema como este que escreve, desenvolve convicções e teses. E a vaidade humana faz ele torcer mais por elas do que por qualquer time, inclusive o de coração. Tanto que agora em 2017 preferia o Corinthians do primeiro turno na liderança do Brasileiro do que o Fla de Zé Ricardo, um time sem imaginação e apelando demais para os cruzamentos.
Por tudo isso deixo uma sugestão: faça o que você sinalizou na virada do ano e vá a Nápoles acompanhar o trabalho de Maurizio Sarri. Aproveite a chance de intercâmbio. No Brasil reza a lenda de que para jogar bonito é preciso ter grandes craques. Sarri subverte isso com um orçamento bem distante da que a milionária Juventus ostenta. Aposta na troca de passes com qualidade desde a defesa, passando pelos brasileiros Allan e Jorginho no meio, se instalando no campo do adversário e deixando para acelerar no último terço com Callejón, Hamsik, Mertens e Insigne. Muita mobilidade sem um típico centroavante desde a saída de Higuaín e um estilo bonito de ver.
Não conquista porque a Juve domina o futebol na Itália e no continente a concorrência é ainda mais cruel. Mas imagine você com respaldo para trabalhar trazendo esses novos conceitos. Mostrando que se reciclou, buscou aprimoramento. Ainda que o Brasil seja o incrível país que não valoriza o estudo, sua chance de sucesso é imensa. Seria um olho atento na terra dos "cegos".
Com sua obsessão por trabalho e ensaio parecida com a de Sarri, os movimentos do seu time seriam precisos. E marcando por zona, como se faz no mundo todo, não teria um problema grave que encarou em 2017: a dificuldade dos jogadores em se adaptar a este sistema de marcação antiquado, em desuso.
É bem possível que o Atlético queira de volta o estilo "Galo Doido", até porque virou algo cultural e nenhum treinador depois de você conseguiu desconstruir. Chegará como rei, com carta branca para trabalhar do seu jeito. Mas não será um momento para reflexão? Porque se repetir o insucesso voltará á vala comum dos treinadores brasileiros. Deixará o topo e a linha de sucessão de Tite na seleção brasileira.
Tite que é um belo exemplo de pausa para aprimoramento e volta em outro patamar. Hoje reconhecido como um dos melhores do planeta. Perdoe o clichê, mas seria um passo para trás e uns dez à frente em seguida. Por que não?
Desejo a você muita felicidade na escolha e lamento sua saída do Palmeiras. Se não como analista de futebol, mas como pessoa. Sei bem o que é ficar sem fazer o que se gosta e não desejo a ninguém. Mas torço de todo coração que aproveite a saída do olho do furacão para pensar bem e fazer a melhor escolha para sua carreira. O futebol brasileiro merece e até precisa.
Deixo aqui um forte e respeitoso abraço.
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