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André Rocha

Por que nem em sonho Renato Gaúcho foi melhor que Cristiano Ronaldo

André Rocha

15/12/2017 02h11

Imagem: reprodução TV Globo

Renato Portaluppi é um personagem sensacional da história do futebol brasileiro. Irreverente, provocador, controverso, carismático. Incendiou o debate sobre futebol no país desde o ano passado com a frase "quem não sabe estuda, quem sabe vai para a praia".

Várias bravatas e polêmicas desde que surgiu como jogador no Grêmio em 1982. Com personalidade e confiança. Aos vinte anos já partindo para cima do consagrado Leovegildo Júnior em uma final de Brasileiro. Um ano depois, decidindo o Mundial de Clubes com dois belos gols sobre o Hamburgo em Tóquio após ser protagonista também na conquista da Libertadores.

Este blogueiro viu Renato muitas vezes ao vivo no Maracanã e já o teve como ídolo. Entre os anos 1980 e 1990 chegou a jogar suas peladas de rua com as meias arriadas no meio da canela e imitar os trejeitos do atacante. Inclusive reclamando dos colegas que não passavam a bola.

Agora Renato é o treinador campeão da América e decidindo o Mundial no sábado contra o Real Madrid de Cristiano Ronaldo. Melhor do mundo em 2017, recordista com cinco Bolas de Ouro junto com Messi. Mas o Portaluppi insiste em dizer que foi melhor que o português. E muita gente boa concorda…

Obviamente que com o jogo no sábado o gaúcho não deve se arriscar a provocar gratuitamente a estrela do adversário. Mas nos últimos anos em muitas oportunidades e usando várias justificativas ele se colocou acima do camisa sete do time merengue e da seleção portuguesa.

Sendo assim, o blog humildemente se dá o direito de cumprir sua função jornalística de buscar a versão mais próxima dos fatos dentro de uma comparação subjetiva. Para isto usa algumas das declarações do maior ídolo gremista:

1 – "Na minha época não havia internet para verem minhas jogadas"

Justo. No final da sua carreira a Grande Rede ainda engatinhava. Assim como as emissoras de TV por assinatura. O público dos grandes centros não viram todas as grandes atuações no Grêmio em Estaduais, embora só tenha conquistado os títulos de 1985 e 1986 e visto o rival Inter ganhar três. Mas também não conferiu as suas muitas expulsões e confusões com companheiros e repórteres que tantas vezes prejudicaram o tricolor gaúcho. Sem contar o individualismo tão questionado à época.

Por outro lado, as atuações de Cristiano Ronaldo no Real Madrid e na seleção portuguesa são dissecadas duas vezes por semana. Virtudes e defeitos expostos para o mundo todo, que vê atuações mágicas e gols em profusão. Mas também os erros de passe, os gols perdidos. Tudo exposto, com estatísticas detalhadas. Sem romantismo ou mitificações que ocultam os problemas.

2 – "Jogar o Campeonato Espanhol pelo Real Madrid é fácil, quero ver disputar Libertadores e Brasileiro"

Aqui Renato, talvez de propósito, tenha esquecido de um detalhe importante: Cristiano Ronaldo também joga Liga dos Campeões, o principal torneio de clubes do planeta. Com concorrência forte. E ainda assim é o maior artilheiro da história da competição com 114 gols e tem quatro conquistas. Renato ganhou duas Libertadores, uma como treinador.

Mesmo com todas as dificuldades do torneio sul-americano há três décadas – violência dentro e fora de campo, arbitragens mais que suspeitas e gramados impraticáveis – não há como comparar a competitividade de uma Champions atual, especialmente em suas fases de mata-mata, com a Libertadores de qualquer época.

Renato pode questionar a disparidade de Barcelona e Real Madrid na Espanha. Mas Renato também disputou campeonatos nacionais por grandes times e só venceu a Copa União de 1987.

3 – "Queria vê-lo sendo campeão nos times em que joguei, com salários atrasados, companheiros menos qualificados e gramados ruins"

Aqui a velha mania brasileira de achar que para provar a capacidade os melhores precisam render nos piores cenários. Como um chef de cozinha obrigado a produzir um prato sofisticado em uma cozinha suja, com equipamentos danificados e produtos fora da validade. "Quero ver Guardiola treinando o São Cristóvão!" Não faz sentido. Em qualquer atividade os mais qualificados querem as melhores condições para trabalhar. Porque merecem.

Além disso, Cristiano Ronaldo joga num grande time contra equipes fortíssimas e se destaca. Como na última Champions, marcando dez gols contra Bayern de Munique, Atlético de Madri e Juventus no mata-mata. Não há disparidade. Se compararmos com a realidade brasileira, Renato também foi campeão em timaços. E com menor equilíbrio de forças em termos individuais.

Na própria conquista nacional há 30 anos, Renato jogou no time de Jorginho, Leonardo, Zinho e Bebeto, que seriam campeões mundiais com a seleção em 1994, mais Leandro, Edinho, Andrade e Zico, craques consagrados e veteranos. Mais Aílton, vencedor por onde passou e autor do gol do último título brasileiro do Grêmio em 1996. Uma constelação muito superior às dos seus adversários. Basta recordar que o craque do Internacional, finalista daquele torneio, era Cláudio Taffarel. No Galo semifinalista, Renato "Pé Murcho" era o destaque. Nem sinal de um Messi para concorrer à Bola de Ouro. Da revista Placar.

Aqui vale uma lembrança importante: o brasileiro foi o destaque do Flamengo e ganhou o grande prêmio individual da época. Mas teve sua presença questionada no clube por conta do egoísmo. O técnico Carlinhos chegou a considerar a hipótese de tirá-lo do time e efetivar Alcindo. Foi Zico quem encerrou a discussão ressaltando a importância do camisa sete, que passou a soltar um pouco mais a bola e foi responsável por duas assistências para os quatro gols de Bebeto na reta final. Sem contar a arrancada histórica que decidiu os 3 a 2 contra o Atlético-MG no Mineirão na semifinal.

Prender a bola foi o maior motivo para as muitas críticas a Renato na Roma. Uma única temporada em 1988/89. 23 jogos, zero gols e algumas atuações que viraram piada na Itália. Alegar pouco tempo de adaptação é legítimo. Mas chegar com pose de estrela, declarações polêmicas e, principalmente, a insistência em tentar driblar contra os melhores defensores do mundo foram soluções pouco inteligentes e abreviaram o retorno ao Brasil. Quando foi testado entre os grandes falhou miseravelmente. Veja mais do pífio desempenho de Renato no time da capital NESTE VÍDEO.

Já Cristiano Ronaldo saiu do Sporting aos 18 anos e amadureceu rápido com Alex Ferguson no Manchester United. No início também pecando pelo excesso de dribles e firulas, mas não demorou a compreender o estilo do futebol inglês. Luiz Felipe Scolari na seleção portuguesa também auxiliou neste processo. Na dura Premier League se destacou com o tricampeonato de 2006 a 2009 e venceu sua primeira Bola de Ouro. Em 196 jogos, marcou 84 gols.

4 – "Joguei dez anos na seleção brasileira em alto nível"

Outra meia verdade. De fato, Renato esteve presente em muitas convocações entre 1983 e 1993. Mas pouco tempo como titular absoluto.

Seu melhor momento foi nas Eliminatórias de 1985 nos jogos contra Bolívia e Paraguai. Driblou quem apareceu pela frente e colocou bolas na cabeça de Casagrande. Mas no ano seguinte já não era unanimidade. Telê não gostava do estilo boêmio e, principalmente, do individualismo. Mesmo se não tivesse sido cortado por chegar de madrugada na concentração com Leandro, certamente seria reserva na Copa do Mundo do México. Estava abaixo de Muller, titular na maioria dos jogos daquele Mundial.

Como foi a quinta opção na Itália em 1990. Atrás dos titulares Muller e Careca e até dos lesionados Bebeto e Romário. Jogou apenas alguns minutos contra a Argentina e pouco rendeu.

Renato alega que a disputa na frente era forte na sua época. Sem dúvida o futebol brasileiro era prolífico em atacantes. Mas ele não foi inquestionável sequer na bizarra Copa América de 1991. Disputou vaga no time de Falcão com o não mais que razoável Mazinho, do Bragantino. Em 44 partidas, apenas cinco gols.

Cristiano Ronaldo não teve tanta concorrência na seleção portuguesa. Mas sobra como o maior artilheiro com 79 gols e conseguiu levar o país à maior conquista de sua história: a Eurocopa de 2016. E Renato Gaúcho não teve com a camisa da seleção sequer uma atuação próxima da antológica de Ronaldo nos 3 a 2 sobre a Suécia que garantiram os portugueses na Copa do Mundo no Brasil há três anos.

5 – "Eu rendia bem nas três posições do ataque, ele só funciona pela esquerda"

Sem sombra de dúvidas o maior equívoco na análise feita por Renato em 2014, no programa "Bola da Vez" na ESPN Brasil . Certamente agora, estudando o atacante para tentar pará-lo, deve ter mudado de opinião. Cristiano Ronaldo foi Bola de Ouro em 2008 atuando a maior parte do tempo aberto na direita pelos Red Devils. Mas participava de intensa movimentação na frente, aparecendo no meio ao alternar com Rooney.

Na reta final da temporada 2008/09, foi deslocado para o centro do ataque. Mesmo jogando de costas para a defesa a contragosto, levou o time inglês à decisão com grande atuação na semifinal contra o Arsenal em Londres: 3 a 1, com dois gols e uma assistência.

De fato, é pela esquerda que o português rende melhor, infiltrando em diagonal, cortando para dentro e finalizando. Mas a excelência em todos os setores do ataque fizeram os técnicos Paulo Bento na seleção e Carlo Ancelotti, e agora Zinedine Zidane no Real Madrid darem cada vez mais liberdade de movimentação ao camisa sete. E ele segue desequilibrando, aumentando a média de gols, quebrando recordes. Inclusive como maior artilheiro da história do Mundial de Clubes com seis tentos

Renato sempre funcionou bem pelas pontas. Buscando a linha de fundo ou cortando para dentro para chutar. Mas no centro só foi render mais no final da carreira. Especialmente em 1995, no Fluminense campeão carioca e semifinalista do Brasileiro. Atrás do centroavante, fosse Ézio, Leonardo ou Valdeir. Quando já não tinha tanta força física e velocidade, mas compensava com boa colocação e visão de jogo. Só aí apareceram os bons passes no centro.

Cristiano é mais completo. Finaliza bem de pé direito e de canhota. Faz gols de cabeça e em cobranças de faltas e pênaltis. Se preciso participa da articulação de jogadas pelos dois lados e aparece no centro para finalizar. Faz tudo muito melhor e mais rápido que Renato.

O massacre nos números dispensa comentários: Renato fez cerca de 192 gols em toda a carreira, por Grêmio, Flamengo, Botafogo, Cruzeiro, Atlético-MG, Fluminense, Bangu e seleção. Ronaldo só no Real tem incríveis 420 gols em 413 jogos, média superior a um por partida. E mais 114 assistências. Muito para quem no Brasil é menosprezado e tratado como um mero fazedor de gols. "Um Dadá Maravilha com grife" já foi dito sobre um dos maiores da história.

De todos os jogadores que colocaram Renato no banco da seleção brasileira, talvez apenas Romário, no auge de 1993 e 1994, barrasse o português. Talvez…Este que escreve não viu melhor finalizador que Cristiano Ronaldo.

Por isso não é possível levar a sério a comparação. Ou é dever resgatar e detalhar acontecimentos para quem não viu Renato em ação. Desculpe, Gaúcho…Mas nem em sonho você foi melhor. Resta a chance de superar a estrela madridista, mas à beira do campo comandando os gremistas. Quem sabe?

[Este post é uma atualização do publicado em 4 de fevereiro de 2014. Veja AQUI o original]

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.