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André Rocha

Sampaoli deve visitar Simeone. Argentina precisa de paixão e humildade

André Rocha

17/05/2018 08h46

Foto: Álex Marín

Jorge Sampaoli já disse que sente o futebol diferente de Diego Simeone. De fato, basta olhar para o campo e ver ideias de jogo bem distintas. Ambos intensos, mas um querendo a bola e se arriscando mais preenchendo o campo de ataque e outro mais focado no erro do adversário e abnegado na tarefa de defender a própria meta.

Mas pelo momento da seleção argentina, com menos de um ano de trabalho e as perspectivas na Copa do Mundo, já começando por um Grupo D longe de ser fácil com Islândia, Croácia e Nigéria, o atual treinador da albiceleste deve olhar para o trabalho de seu compatriota, novamente campeão no Atlético de Madri com a conquista da Liga Europa ao vencer o Olympique de Marselha por 3 a 0. Até visitá-lo para trocar impressões e adaptar convicções.

Porque está claro que não será possível seguir a linha de Sampaoli, fortemente influenciada pela dinâmica de Marcelo Bielsa. Da "soberania argentina". O que deu certo no Chile. Faltando um mês para o Mundial na Rússia é preciso ser pragmático. Os 6 a 1 impostos pela Espanha, mesmo com todo o contexto e a ausência de Messi, deram um recado claro, cristalino: a trajetória tortuosa até aqui e o material humano pedem cuidados para ao menos honrar a camisa duas vezes campeã mundial e presente em cinco finais.

O 4-4-2 ou 4-4-1-1 de Simeone no Atlético é um bom início. Até pela semelhança com o de Alessandro Sabella no Brasil. Para diminuir os espaços dos adversários com linhas compactas e principalmente deixar Messi bastante confortável. Como nesta temporada no Barcelona campeão espanhol e da Copa do Rei comandado por Ernesto Valverde.

Porque é desperdício prender o gênio argentino pela direita ou deixá-lo como único atacante, a menos que seja um "falso nove" com dois ponteiros agudos infiltrando em diagonal. Melhor deixá-lo solto com uma referência na frente para tabelas e passes em profundidade. Pode ser Higuaín ou Aguero. Este que escreve apostaria em Mauro Icardi, mais jovem, rápido e sanguíneo, sem o peso do retrospecto negativo dos outros dois na seleção em jogos grandes.

A escolha dos demais nomes ficaria por conta dos treinamentos e da condição física depois de uma temporada europeia desgastante. Há uma base com Romero na meta, Otamendi na zaga, Biglia na proteção da retaguarda e Di María em um dos flancos na linha de meio-campo.

Mas duas características do Atlético de Simeone não podem faltar neste Mundial à albiceleste: paixão e humildade. A primeira para buscar o título que não vem desde a Copa América de 1993 e também jogar por Messi. Para a única grande conquista que falta a um dos melhores e maiores da história do esporte.

Mesmo que não se compare em idolatria a Maradona, até pelas personalidades diametralmente opostas, mas digno de um momento marcante, histórico. Para isto é fundamental colocar sangue nos olhos dos companheiros e do próprio Messi, com seu comportamento indecifrável em alguns momentos decisivos.

Por isso a humildade é essencial. Para entender limites e possibilidades. Compreender que ter a bola sem um plano bem assimilado e executado aumenta exponencialmente os riscos. Pressionar o tempo todo no campo de ataque sem coordenação e ainda contando com um Messi que costuma caminhar sem a bola é convidar o oponente para aproveitar espaços entre os setores. Humildade em Sampaoli para entender que será preciso ser mais Carlos Bilardo que César Menotti ou Bielsa. Mais Simeone. É o que o momento pede.

O sucesso dos treinadores argentinos na Europa é ótimo, mas provoca um efeito colateral: o melhor não está a serviço da seleção. Sampaoli aceitou interromper o sonho no Velho Continente para servir seu país. Agora precisa colocar de lado a vaidade de assinar um estilo.

A Argentina clama por um plano de emergência. Mesmo com todos os problemas da AFA, o da última Copa só negou o título na prorrogação da decisão. Com Higuaín perdendo uma chance no primeiro tempo que podia ter mudado a história. Por que não repetir, incluindo a entrega e o "correr até a morte" de Simeone como o toque final para buscar a redenção com tons de drama, como bem gosta o seu povo?

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.