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André Rocha

Tite merece as críticas justas e um ciclo completo até 2022

André Rocha

07/07/2018 07h42

Foto: Luis Acosta/AFP

Todo mundo já encontrou pela vida uma pessoa da qual se podia discordar e até se aborrecer com suas palavras e atos. Mas o respeito era obrigatório pela certeza de que, acertando ou errando, ela sabia o que estava fazendo.

Assim é Tite na seleção brasileira. Talvez o treinador mais preparado e bem informado a prestar serviços à camisa verde e amarela cinco vezes campeã do mundo. Também o mais atuante, criando uma rotina de observação e planejamento com sua comissão técnica nunca antes vista na CBF. Necessária pelo equilíbrio que o futebol no universo das seleções vem apresentando nesta Copa.

De 1970 para cá, o comando técnico sempre pareceu algo mais ligado à intuição, que também é importante. De Zagallo a Felipão e Parreira. Com ideias mais assentadas no futebol brasileiro, sem abrir muito os horizontes. Mas que atrelada ao conhecimento ficam bem mais sólidas. Inclusive para convencer os jogadores. As serpentes que precisam ser encantadas.

Como sempre acontece, Tite chamou atenção mais pela forma do que pelo conteúdo. A maneira quase messiânica de se comportar e comunicar foi vista por muitos como uma liderança que poderia até se arriscar na política. Foi bem aproveitada pela publicidade, inclusive. Para outros não passou de um discurso enfadonho, requentando estratégias de autoajuda, coaching e misturando com termos complexos.

De fato, em alguns momentos a linguagem poderia ter sido mais simples. Mas os jogadores, que, a rigor, são os que precisavam entender o que era dito por Tite sempre foram só elogios.

Escolhas são muito particulares. Sempre. Envolvem questões que vão muito além do desempenho puro e simples. Numa Copa do Mundo, fazer mudanças constantes pode gerar instabilidade na gestão do grupo. Desconfiança. A linha é muito tênue. Pegue qualquer documentário sobre um time campeão e sempre haverá aquele jogador contestado, mas que ganhou um voto de confiança e reescreveu sua história e a da equipe. Quando perde vira teimosia.

É óbvio que cada um pensa de um jeito. Este que escreve, para começar, não teria aceitado o convite e, consequentemente, a presença na coletiva de apresentação e muito menos o beijo de Marco Polo Del Nero em 2016. Sem escorregar na coerência.

Uma vez lá, teria convocado Arthur, do Grêmio. Potencialmente nosso melhor jogador em um setor crucial e carente no futebol brasileiro. Não teria mantido Fred no grupo com uma contusão grave e sem poder contribuir em campo. Talvez retornasse ao time da Eliminatória, com Renato Augusto no meio-campo dando maior suporte a Marcelo, Coutinho com liberdade de movimentação e o espaço para Gabriel Jesus se movimentar e Paulinho infiltrar. Uma voz mais firme com Neymar seria bem-vinda no processo.

Faltou um pouco de sorte também. Quando Tite sinalizou que faria a mudança que poderia ajustar a seleção, como Mazinho na vaga de Raí em 1994 e Kléberson no lugar de Juninho Paulista em 2002, Douglas Costa se lesionou e fez o técnico recuar e manter Willian.

Trocar Gabriel Jesus por Firmino pura e simplesmente nunca se mostrou uma opção tão segura. No segundo tempo da derrota para a Bélgica, o atacante do Liverpool também teve erros técnicos e chegou atrasado na hora de finalizar. A jogada desequilibrante foi de Jesus, pouco antes de ser substituído: caneta em Vertonghen e uma disputa com Kompany que a arbitragem poderia ter interpretado como pênalti.

Não era para ser. Mas pode ser melhor no Qatar. Desta vez com um ciclo completo de quatro anos. Mais habituado à tarefa de selecionar e com mais vivência, inclusive de Copa do Mundo. Mas principalmente porque Tite é disparado o melhor treinador brasileiro. Abaixo dele há uma grande névoa de profissionais ainda buscando afirmação. Sem a combinação de conteúdo e experiência, inclusive como jogador. Domina a prancheta e o vestiário. É atualizado e acompanha obsessivamente a bola jogada no país e no mundo. Não há "plano B".

A crítica pela crítica é bem fácil. Em qualquer tempo, porque a chance de ser derrotado é sempre maior do que vencer. Então basta procurar defeitos até onde não existem, insistir para marcar território e no momento do revés capitalizar vendendo a imagem do isento em meio ao "oba oba". No Brasil do pensamento binário, o que não for pancada é "passar pano".

Difícil é ser justo no tom para discordar, mas reconhecendo o valor quando desmerecer é mais simples por conta de um resultado. A CBF tem a oportunidade de fazer a coisa certa e dar sequência ao trabalho. Com os devidos ajustes e a "casca" e o aprendizado de uma derrota doída. Ela deve isso a Tite, inclusive. Afinal, roubou dois anos de trabalho com a aventura de resgatar Dunga.

Tite é humano e carrega suas falhas e idiossincrasias. Pode e deve ser questionado. Mas lança um desafio que só acrescenta: para discordar é preciso conhecer. O simplismo de "falta um camisa dez", "centroavante só é bom quando faz gol" e outros clichês não cabe mais. Que sejamos todos melhores no próximo ciclo até 2022.

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.