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André Rocha

Neymar na ponta não é mais atacante como CR7, nem tem a genialidade de R10

André Rocha

22/09/2018 08h35

Tite divulgou os convocados da seleção brasileira para os amistosos contra Arábia Saudita e Argentina em outubro e, na coletiva, voltou a falar sobre Neymar.

"Acompanhei as atuações recentes dele no PSG. São possibilidades táticas para potencializar o talento do Neymar. Vejo ele desequilibrante na esquerda, onde tem decidido pela Seleção. É o DNA dele no Santos, no Barcelona e na Seleção. Mas sem fechar conceitos como no jogo contra o México, que foi diferente desse desenho."

Importante o treinador abrir o leque de opções para aproveitar seu talento mais desequilibrante, como tenta fazer Thomas Tuchel no time francês. Mas ainda mais fundamental é notar uma transformação silenciosa no estilo de jogo do camisa dez.

No Santos e no Barcelona, Neymar era um ponteiro finalizador. Com habilidade, rapidez e visão de jogo, mas essencialmente mirando o gol. Com Messi, Iniesta e mesmo Xavi em fim de carreira para pensar o jogo no time catalão, o brasileiro se comportava como atacante. Recebia mais próximo da área adversária e partia para finalizar ou concluir. Na última temporada jogou aberto, quase como um típico ponta fazendo todo o corredor esquerdo.

Mesmo sem a companhia de um grande armador de jogadas na seleção, Neymar também era mais atacante. No 4-1-4-1 de Tite, até recuava um pouco para trabalhar com os meio-campistas, mas os movimentos principais eram de condução, drible ou infiltração para dar o passe ou o toque final.

Como Cristiano Ronaldo no Manchester United e no início de sua passagem pelo Real Madrid. Sem comparações, obviamente. Só no comportamento que foi mudando com o tempo até o português se transformar no gênio da grande área do século XXI com eficiência maior em menos toques na bola. Atacante puro.

A ida para o PSG mudou a dinâmica de Neymar. Na composição do trio ofensivo, ele é quem tem mais perfil de meia para acionar Mbappé e Cavani. Ou seja, tem que ser o que foi Messi para ele no Barça. Ou o que Ronaldinho Gaúcho foi para Messi no início da trajetória do argentino.

Neymar não tem a objetividade de Messi. É mais artístico, como Ronaldinho. Não por acaso, referência e ídolo. Inconscientemente ou não, repete alguns movimentos característicos do "Bruxo": recebe pela esquerda, conduz com o pé direito e define se tenta o drible na ponta ou corta para dentro e busca o lançamento ou a inversão de lado. Como esquecer as "pifadas" do melhor do mundo em 2004 e 2005 para Giuly, Eto'o e Messi?

A diferença é que Ronaldinho, além de mais genial, era forte e acertava nas escolhas das jogadas com mais frequência. Não caía com qualquer choque e sabia o momento de prender a bola. Neymar muitas vezes fica encaixotado pela esquerda e toca para o lado, para trás ou tenta o drible e perde a bola. Ou sofre a falta.

Na seleção, o problema se agrava muitas vezes pela falta de um atacante de profundidade pela direita e por dentro. No início da Era Tite, Philippe Coutinho era o ponta armador do lado oposto, depois foi para o meio e Willian virou titular. Nenhum dos dois tem como característica infiltrar em velocidade na diagonal. Roberto Firmino também é um jogador de toque curto, não de bola longa.

Talvez por isso Tite tenha trazido Gabriel Jesus de volta, mesmo com imagem desgastada pela Copa do Mundo e sem viver um bom momento no Manchester City, e dado mais uma oportunidade a Richarlison. Ambos chamam lançamentos e podem ser úteis no entendimento com este Neymar mais pensador.

Este que escreve, porém, segue com a leitura de que a liberdade que ganhou de Rogerio Micale na conquista do ouro olímpico há dois anos é a melhor solução. Ou a que tinha na reta final do trabalho de Mano Menezes em 2012. Quem sabe repetindo a dinâmica da vitória sobre o México citada pelo próprio Tite, quando Neymar ficou mais solto na frente, alternando com Firmino o posicionamento mais adiantado ou recuando para buscar espaços entre a defesa e o meio-campo do adversário. Assim prende menos a bola e não chama tanto a falta. Cria e conclui na mesma proporção.

Pela esquerda, Neymar ficou "manjado". Principalmente em grandes jogos. Na derrota para o Liverpool na Liga dos Campeões, o brasileiro cresceu quando saiu da ponta e colocou sua criatividade a serviço da equipe. Limitá-lo a uma zona do campo é desperdiçar talento.

Nem máquina, nem mágico. O melhor Neymar é o leve, solto. Mas com "anarquia" na dose certa.

 

 

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.