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André Rocha

Estão despejando sangue na atmosfera de Boca x River. Depois não reclamem

André Rocha

09/11/2018 01h21

Tudo de grandioso que envolve a final da Libertadores que começa sábado na Bombonera é mais do que justo. Maior rivalidade da América do Sul, na mesma cidade. Nove títulos de dois gigantes. Última decisão em ida e volta, já que resolveram copiar a Liga dos Campeões a partir de 2019 no que ela tem de menos importante e mais desconectada de nossa cultura latina.

É mais que compreensível que os olhos do mundo estejam voltados para Buenos Aires. Mas quando as expectativas ultrapassam o clima da cidade, a festa das torcidas apaixonadas e passa para o campo, o discurso soa alguns tons acima. E as consequências são imprevisíveis.

Por mais que se entenda o que está em jogo, o clima é de fim do mundo. Inclusive algumas peças promocionais fazem referência ao apocalipse. Como se apenas os jogadores de um dos times saísse com vida do confronto. A imagem pode servir para deixar os atletas ainda mais ligados, concentrados e prontos para o que vier a acontecer em campo. Mas continua sendo futebol.

No Brasil, o discurso da maioria dos que estão envolvidos profissional e emocionalmente com a partida é de exaltação ao "futebol testosterona". Uma espécie de concurso para decidir quem é mais macho. A pior faceta da Libertadores. Ainda que tenha sido justamente esse clima bélico e de desprezo ao bom futebol em busca do resultado puro e pragmático o que mais prejudicou Grêmio e Palmeiras nas semifinais.

O mundo cada vez mais violento e intolerante quer ver sangue nos estádios argentinos. O jogo é apenas um pano de fundo. No imaginário dos adoradores da barbárie, a Bombonera é a primeira arena em que cabeças rolarão, ainda que simbolicamente. Mas pernas podem ser rompidas literalmente ao se confundir intensidade com golpes brutais. Com tamanho bombardeio na cabeça dos atletas, tudo pode acontecer.

Ainda que o mantra "final é para ser vencida e não jogada" seja compreensível neste caso, o clima parece nebuloso, cinzento. Até sábado a tensão ficará insuportável. O argentino já é exagerado, dramático. Imaginem com o planeta despejando gasolina nas chamas já altas.

Depois não reclamem. Do destempero geral, da arbitragem, VAR incluso, que vai mediar um hospício. De jogadores esquecendo tudo de bom que fizeram até aqui e mergulhando num universo paralelo de guerra. De treinadores se perdendo ao buscar estratégias sujas no vale-tudo alimentado por todos os agentes do que deveria ser um espetáculo.

Depois não reclamem do jogo. Ou da ausência dele.

 

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.