Topo

André Rocha

Palmeiras pode se impor na América com adaptações ao estilo que já é seu

André Rocha

02/12/2018 23h24

Foto: César Greco/Folhapress

Copa do Brasil de 2015 e Brasileiros de 2016 e 2018. Os títulos do Palmeiras na Era Paulo Nobre/Crefisa tiveram Marcelo Oliveira, Cuca e Luiz Felipe Scolari no comando. Treinadores com diferenças nas visões de futebol, mas que no clube seguiram uma linha em comum pelas circunstâncias.

Um jogo mais direto, de fácil assimilação e simples execução. Marcando correndo e não posicionado, com grande desgaste físico e mental, porém crescendo em momentos decisivos, grandes jogos – final contra o Santos na competição de mata-mata. Um tanto rústico, às vezes tosco. Mas eficiente e vencedor no cenário nacional.

Estilo bem distante da Academia, de Ademir da Guia. Palmeiras não mais do Dudu volante discreto e elegante, fiel escudeiro do camisa dez eterno do clube. Mas do Dudu atacante, intenso e rápido, que chama o jogo para si e quer decidir o tempo todo. Ambos históricos.

Pode não agradar a todos e propor uma discussão profunda sobre o nível do futebol jogado no Brasil, mas no país do futebol de resultados é suficiente para dirigentes, treinadores, atletas, boa parte dos jornalistas e a grande maioria dos torcedores. Na cabeça de muitos o questionamento é simples: se venceu no mata-mata e nos pontos corridos, por que mudar?

O Palmeiras até tentou alterar a rota. Com Eduardo Baptista, Alberto Valentim e Roger Machado. Jovens treinadores com conceitos mais atuais, acreditando em um jogo elaborado, de domínio pelo controle da bola. Mas penando com problemas na gestão do grupo e/ou para fazer os jogadores assimilarem e aceitarem uma nova maneira de entender o jogo.

Na troca de Roger por Felipão, as declarações de Edu Dracena deram o tom: é melhor jogar protegido, com a última linha de defesa mais recuada, não tão exposta. A saída da defesa mais sustentada, que apela para a ligação direta assim que o adversário tenta pressionar procura um centroavante  – mais Deyverson que Borja – que disputa essa bola e tenta retê-la. Se perde, apenas ele e mais três ou quatro entraram no campo de ataque. Outros seis ou sete já estão prontos para defender. Difícil ser surpreendido em contragolpes.

Pressão no homem da bola, encaixe e perseguições impedindo jogadores livres nas tabelas, triangulações e ultrapassagens. Concentração. Bola roubada, acionamento direto e constante do pivô ou do talento maior. No caso, Dudu. Sempre partindo de uma das pontas para decidir com passes ou finalizações.

Quando o time perde a bola, pressiona, retoma e vai criando volume, mais jogadores se aproximam da área rival e aí fluem as jogadas pelos flancos com os laterais chegando e Bruno Henrique, o volante mais ofensivo na execução do 4-2-3-1, se juntando ao quarteto ofensivo.

Rodando o elenco, com mais reservas que titulares enquanto o time seguiu vivo na Copa do Brasil e na Libertadores, construiu uma campanha espetacular no Brasileiro. Invicto por 23 rodadas, melhor turno da história dos pontos corridos. Superando no saldo de gols o Corinthians do ano passado. Os mesmos 47 pontos em 57 possíveis. Impressionantes 82% de aproveitamento. Campeão só na penúltima rodada por conta dos muitos tropeços no turno com Roger e pela campanha do vice Flamengo – 72 pontos que garantiriam títulos em outras edições do campeonato, inclusive a de 2009, vencida pelos rubro-negros.

Primeira conquista de Felipão por pontos corridos no Brasil. Delegando mais poderes, liderando o vestiário de forma mais leve e serena, contando com Paulo Turra na montagem dos treinamentos. Mas ainda essencialmente Felipão.

Para 2019,  a Libertadores novamente como meta. Para buscar o tão sonhado título mundial nos moldes atuais da FIFA para sepultar de vez as provocações dos rivais. A impressão que a eliminação para o Boca Juniors na semifinal do torneio continental deixou é de que a maneira de jogar está ultrapassada numa disputa em nível mais alto e não é suficiente para vencer além das fronteiras do país. Mas talvez com alguns ajustes as chances aumentem.

Na derrota por 2 a 0 na Bombonera, o Palmeiras tentou controlar o jogo negando espaços ao time xeneize e buscando as transições ofensivas rápidas. Teve 43% de posse, acertou 242 passes. Mas efetuou 53 lançamentos e errou 40 porque eram ligações diretas com muito mais chances para os defensores. Também 56 rebatidas. Ou seja, foi um time de chutões. De positivo, os 24 desarmes corretos contra 15.

No triunfo com Roger sobre o mesmo Boca na fase de grupos, 302 passes num universo de 48% de posse, 12 finalizações contra 11 , 17 desarmes certos, mas 11 lançamentos certeiros de 36 e só 37 rebatidas. Por mais que haja diferenças óbvias de pressão, mobilização e espírito num mata-mata, são números que deixam lições.

Qual o aprendizado possível? O que Felipão já disse em coletivas desde a eliminação: tentar ficar mais com a bola. Mesmo que seja através de passes simples, com jogadores próximos. Para acalmar o jogo, respirar, pausar. Há jogadores com qualidade no fundamento para isto no meio-campo: Felipe Melo, Bruno Henrique, Moisés, Lucas Lima, Gustavo Scarpa…Basta adaptar a proposta e estimular os atletas a fazerem a leitura do momento certo para tirar velocidade, quebrar o "bate-volta".

Já a eliminação para o Cruzeiro na Copa do Brasil, também na semifinal, teve um contexto diferente: primeiro jogo em São Paulo, mas o gol de Barcos logo no início. Diante do time de Mano Menezes, especialista na organização defensiva, o Palmeiras sofreu para criar espaços. Teve 66% de posse, finalizou 19 vezes, nove no alvo. Mas faltou preparar as chances mais cristalinas para ao menos empatar. Cruzou 37 vezes na área cruzeirense. Descontando a polêmica na disputa de Dracena com o goleiro Fabio que a arbitragem viu falta no final da partida, a equipe de Scolari produziu pouco.

Um número chama atenção: apenas três tentativas de viradas de jogo, duas bem sucedidas. Diante de um sistema defensivo com linhas compactas e atenção aos movimentos, virar o jogo tirando da zona de maior pressão na marcação para achar um Dudu com mais liberdade para o confronto direto com o marcador é o cenário desejado. O Palmeiras está acostumado a acelerar. Podemos chamar até de "vício". Há qualidade para fazer diferente.

Basta querer e treinar certo. Missão para Felipão, Turra e comissão técnica. Se o estilo tem agradado por garantir taças não é preciso renegá-lo, só torná-lo mais versátil e adaptável às demandas. Como pede o futebol atual no mais alto nível. Com Marcelo Oliveira e Cuca, o Alviverde ficou bem distante do sonho da América. Já Felipão chegou mais perto.

Polindo, ajustando e incrementando um pouco o repertório conforme a necessidade é possível dar o tão esperado passo para dominar também o continente com o estilo que já é seu.

A Libertadores já premiou times propositivos e reativos. Superataques e retrancas. Também equipes "mutantes" ou "camaleões". Entregou duas taças a Scolari nos anos 1990. Por que não outra a um Felipão "renovado" em 2019?

(Estatísticas: Footstats)

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.