Ancelotti é o líder tranquilo que inspira Tite e Zidane e combina Pep e Mou
"Antes de sua chegada ao Real, pensávamos que por ser italiano ele daria muito destaque a treinos táticos, mas os treinos começaram e nada de tática. Carlo dizia: "Com esse time, não preciso de muita tática. Quero marcar gols com esses jogadores'. Quando se tem essa mentalidade ofensiva, a ênfase deixa de ser dada à defesa".
Palavras de Cristiano Ronaldo sobre Carlo Ancelotti no livro "Liderança Tranquila", do próprio treinador italiano com Chris Brady e Mike Forde traduzido pela Editora Grande Área. Uma obra que trata fundamentalmente de gestão de pessoas e da importância da serenidade e da resiliência no meio insano que é o futebol.
Impossível não lembrar da tradicional "Oração da Serenidade", do teólogo Reinhold Niebuhr: "Concedei-nos, senhor, serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguirmos uma das outras".
Ancelotti não sofre com a pretensão de controlar tudo. Entende as particularidades de cada atleta, dirigente e subordinado e busca sempre um consenso. O meio termo. Equilíbrio.
Por isso Tite foi procurá-lo em Madrid no seu 2014 "sabático". O técnico da seleção brasileira descreve brevemente na orelha do livro como foi sua experiência com Ancelotti e, ao contrário da visão de Cristiano Ronaldo, viu muita tática no Real Madrid que venceu "La Décima" e seria a referência para Zinedine Zidane, então seu auxiliar, a faturar de 2016 a 2018 o tricampeonato da Liga dos Campeões.
"Um time que atacava em 4-3-3 e defendia em 4-4-2. Era desafiador saber como ele havia montado uma equipe tão equilibrada, que vencia e encantava", elogia Tite. Uma boa explicação vem justamente do treinador brasileiro em conversa com este blogueiro: "Ele circula com inteligência entre as ideias de Pep Guardiola e José Mourinho".
Ancelotti monta equipes que sabem jogar com posse e em transições rápidas de acordo com a necessidade desde o Milan que venceu duas das três Champions que o técnico ostenta em seu currículo. Em 2007 montou o 4-3-2-1, a "Árvore de Natal" que protegia o "regista" Pirlo com os marcadores Gattuso e Ambrosini e dava liberdade a Kaká para ser a força de arranque no típico "contropiede" italiano para desequilibrar finalizando ou servindo Pippo Inzaghi. Tudo isso com o auxílio luxuoso de Clarence Seedorf. Um time histórico, assim como o Chelsea dos 103 gols marcados e campeão inglês na temporada 2009/10.
Foi jogador e discípulo de Arrigo Sacchi. Sabe usar o "pressing" e atacar com volume de jogo como Guardiola, mas se preciso é capaz de atropelar o Bayern do próprio treinador catalão nos 4 a 0 em Munique pela semifinal da Liga dos Campeões jogando à la Mourinho: recuando as linhas até a entrada da área, fazendo Bale voltar pela direita e abrir Di María à esquerda para se trancar num 4-4-2 guardando a meta de Casillas e pulverizar o time alemão nas saídas rápidas procurando Cristiano Ronaldo.
Mas abrindo o caminho na bola parada com Sergio Ramos. Vencendo com todas as armas possíveis. Gerenciando e dando confiança aos jogadores para tomarem as melhores decisões em campo. Sem forçar protagonismo, como se tudo fosse meticulosamente planejado e treinado antes. Como se o jogo não tivesse suas múltiplas improbabilidades e surpresas.
Assim comanda o Napoli que herdou de Maurizio Sarri. Mantendo o gosto pela posse de bola, mas adicionando velocidade, contundência e mobilidade, além da capacidade de competir em altíssimo nível. Assim lidera o duríssimo Grupo C da Champions com PSG e Liverpool e precisa de um empate em Anfield para eliminar os Reds de Jurgen Klopp, vice da edição passada.
Na liga italiana tem 76% de aproveitamento, mas é difícil concorrer com a Juventus heptacampeã e que em 14 rodadas faturou 95% dos pontos e já tem Cristiano Ronaldo como um dos artilheiros. Continua sendo bonito ver a equipe de Allan, Hamsik, Callejón, Mertens e Insigne, que com Ancelotti ganhou liberdade para sair da esquerda e se juntar à referência na frente formando uma dupla. Assim como CR7 no time merengue há cinco anos.
Carlo Ancelotti pode ser considerado o "pai" do futebol por demanda. Ainda que Jupp Heynckes tenha sido uma espécie de introdutor da ideia em 2013, ainda na dicotomia Pep x Mou, fazendo seu Bayern de Munique ser o rolo compressor que varreu a Alemanha e a Europa amassando os adversários ao se instalar no campo do oponente ou voando nos contragolpes com os ponteiros Robben e Ribéry para enfiar 7 a 0 no agregado sobre o Barcelona na semifinal continental.
Se hoje Guardiola procura ser um pouco mais direto e usar mais as jogadas aéreas com bola parada ou rolando no Manchester City; Simeone e Klopp tentam dosar a intensidade e ter mais a posse para controlar jogos, Mourinho parece parado no tempo exatamente por se manter preso ao velho pragmatismo, sem variações, e Zidane venceu tudo tão rapidamente como treinador é porque Ancelotti, discretamente, apontou o caminho. A pista do centro para chegar mais rápido e seguro ao destino.
Fuga dos extremos. Fundamental no futebol e na vida, ainda mais nestes tempos tão estranhos. "Liderança Tranquila" não é um tratado sobre coaching. Até porque Ancelotti deixa claro que não há um jeito certo para liderar. Existe a maneira de cada um. O italiano mostra dentro e fora de campo uma possibilidade de vencer e inspirar combinando ideias. Sem exageros e estrelismos. Apenas a justa medida.
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