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André Rocha

Casagrande, Tite, Neymar e um apelo: menos resultadismo em 2019!

André Rocha

28/12/2018 01h17

Há uma confusão de conceitos que marca o futebol brasileiro desde 1982: busca do resultado x resultadismo.

É óbvio que todos entram em campo para competir e vencer. A seleção de Telê Santana, tão criticada pela irresponsabilidade defensiva na derrota para a Itália, sofreu o terceiro gol com todos os jogadores dentro da própria área no escanteio para garantir o empate por 2 a 2 que garantiria a classificação para a semifinal da Copa do Mundo na Espanha.

O Brasil em Mundiais venceu e perdeu com os pragmáticos Parreira e Felipão. Até com Zagallo, o que melhor conseguiu combinar espetáculo e eficiência no título de 1970 no México. Telê não ganhou o mundo com a camisa verde e amarela, mas venceu tudo uma década depois no São Paulo.

Há formas e formas de vencer. Normalmente quem joga bem – diferente de jogar bonito, que é muito subjetivo e depende da visão do esporte de quem julga – está mais perto do triunfo. Mas no Brasil uma crença foi alimentada ao longo do tempo em uma espécie de "atalho" para conseguir os três pontos.

A ordem é simplificar. Fecha a casinha, bola no talento e se nada der certo aquele gol de bola parada, rebatida, meio ao acaso é o suficiente para detonar a catarse. Junte a isso a versão do torcedor de que "sofrido é mais gostoso" e temos o cenário perfeito para valorizar aquele um a zero suado…e mal jogado.

Mas o grande prejuízo vem nesse vício de construir toda a narrativa a partir do resultado puro e simples. Não há o jogo em si, com o imponderável e a interferência de todos os agentes. A menos que um erro da arbitragem seja decisivo. Então todo o debate se resume à decisão do apitador. Novamente o jogo fica em segundo plano. Só o resultado segue com seu protagonismo.

Parte dos jornalistas e ex-boleiros também alimentam esse reducionismo. Porque é mais simples para comentar e fácil de jogar para a galera. Se o time vence basta apontar os herois e não colocar nenhuma ressalva. Na derrota a tarefa é encontrar os vilões e colocar defeito até onde não existe.

Tite foi o primeiro convidado do programa "Grande Círculo" no Sportv e Casagrande, um dos entrevistadores, questionou o treinador sobre o corte de cabelo de Neymar na véspera da estreia da seleção na Copa do Mundo na Rússia contra a Suíça. Usando o exemplo de sua estreia em Mundiais no México em 1986 contra a Espanha, afirmou que todos no dia anterior pensavam apenas na partida, não na imagem.

É bem provável que a tentativa do comentarista fosse usar um gancho para arrancar de Tite um mea culpa sobre uma suposta falta de comando sobre o craque do time. Só que o paralelo não pareceu dos mais felizes. Até porque Casagrande já afirmou algumas vezes que quando jogava procurava se desligar e baixar a ansiedade ouvindo música e lendo livros na concentração. Também já admitiu que só assiste aos jogos que comenta, sem nenhuma pesquisa anterior.

Ainda que fosse um jogo especial para ele, o primeiro em Copas, o contexto era bem diferente. O Brasil devia ter informações bastante genéricas sobre a Espanha por conta dos recursos limitados da época. Em 2018, certamente na véspera o adversário já estava mais que estudado, dissecado por analistas, auxiliares e o próprio Tite. Os jogadores estavam municiados com todos os dados sobre cada adversário.

É quando entra o resultado. Casagrande certamente se sentiu mais seguro para usar seu exemplo para a comparação porque o Brasil venceu a então "Fúria" há 32 anos por 1 a 0, gol de Sócrates, e agora apenas empatou com a Suíça. Mas quem viu os dois jogos pode interpretar sem nenhum temor que a atuação em 2018 foi bem superior. Gol sofrido na bola parada em um lance esporádico, falha pontual de posicionamento. Boas oportunidades criadas para ir além do 1 a 1.

Já em 1986 foi um sufoco no Estádio Jalisco e o "apito amigo" ajudou mais uma vez o Brasil em Copas ao não validar um gol espanhol, ainda com 0 a 0 no placar, em chute de Michel que claramente cruzou a linha da meta do goleiro Carlos depois de bater no travessão. Casagrande? Atuação discreta, para ser generoso. Ao longo do torneio o centroavante perderia a vaga na dupla de ataque com Careca para Muller.

O resultado no Mundial também mudou o tom com Tite. Antes da Copa os elogios eram frequentes, os questionamentos, quando aconteciam, eram amenos. Só pergunta levantando a bola para o treinador cortar. Bastou perder para a Bélgica e, mesmo com o reconhecimento de que o trabalho merece um ciclo desde o início, as críticas chegam com outro peso.

A mais frequente de que o técnico teria levado um "nó tático" do espanhol Roberto Martínez no duelo pelas quartas de final da Copa. Mais uma vez a simplificação: se Martínez mexeu no time, posicionou Lukaku pela direita, De Bruyne como "falso nove" e terminou o primeiro tempo vencendo por 2 a 0 só pode ter sido a surpresa da mudança.

Mas basta rever o jogo com atenção para notar que a "barbeiragem" tática do técnico da Bélgica só não custou caro porque a sequência de acontecimentos da partida o beneficiou demais. Se houvesse surpresa isso ficaria claro nos primeiros minutos. Tite mandou recado para manter a maneira de jogar e o sistema tático.

Nos primeiros minutos, a superioridade numérica pela esquerda com Marcelo, Phillipe Coutinho e Neymar contra apenas Meunier e Fellaini, já que Lukaku não voltava para ajudar sem bola, criou uma finalização e o escanteio que terminou no toque de Thiago Silva que bateu no travessão de Courtois.

O que desequilibrou tudo foi o gol contra de Fernandinho. O substituto de Casemiro se perdeu no jogo e, aí sim, o sistema defensivo desmoronou. No segundo dos belgas, o rebote do escanteio gerou um contragolpe com Lukaku por dentro servindo De Bruyne pela direita. Chute forte e cruzado, 2 a 0. Qual a relevância das mudanças da Bélgica nos gols?

Tite pode e deve ser questionado por não ter sido mais prudente por conta da ausência de Casemiro, que nos jogos anteriores, especialmente nas oitavas contra o México, salvou vários erros de posicionamento de Paulinho e Coutinho no meio-campo. Poderia ter mantido Filipe Luís e deixado Marcelo, com seus problemas defensivos, no banco. Ou reforçado o meio. Aí entram dois equívocos correlatos: manter Fred lesionado no grupo sabendo que Renato Augusto não teria condições de entregar 100% em 90 minutos.

No segundo tempo, um ajuste na retaguarda com Fagner e Miranda colando em Hazard e Lukaku, Fernandinho vigiando De Bruyne e Thiago Silva sobrando; Douglas Costa, Roberto Firmino e Renato Augusto em campo e domínio absoluto brasileiro. Várias finalizações, chances cristalinas (e imperdíveis num jogo eliminatório) de Coutinho e Renato Augusto, autor do único gol, e defesaça de Courtois em chute colocado de Neymar no ataque final.

Era jogo para 2 a 2 ou até virada brasileira, mas deu Bélgica. Eliminação e o ciclo de vilanização, especialmente de Tite e Neymar. Que merecem críticas, sim. Mas não atirando para qualquer lado. O Brasil podia ter passado à semifinal apesar dos problemas. A campeã França jogou tão melhor assim?

Neymar merece ser alvo, mas pelo motivo mais justo: o erro grave de preferir forçar o jogo individual para pendurar adversários com cartões e tentar cavar um vermelho simulando contusão e rolando no chão em vez de dar sequência, não cair e tentar definir finalizando ou servindo. Pouco inteligente, para dizer o mínimo.

Mas preferem focar no periférico, no cabelo. Tite já havia admitido a imaturidade de Neymar em uma pergunta simples e direta sobre o tema no "Bola da Vez" da ESPN Brasil. No Sportv diante de Casagrande deu a única resposta possível para uma pergunta mal formulada: o jogador tem a liberdade de cortar o cabelo na véspera de uma partida.

Ronaldo Fenômeno fez o corte "Cascão" nos dois últimos jogos em 2002. Na Copa das Confederações de 1997, jogadores tiveram suas cabeças raspadas em um trote absurdo que deixou sequelas no relacionamento entre alguns deles. Como a bola entrou e a taça foi levantada, tudo entra para o "folclore". Se tivesse perdido…

Não pode ser só isso. O futebol é apaixonante justamente por suas nuances, imprevisibilidades. Pela beleza do futebol bem jogado, mas também pela possibilidade nada desprezível do time pior sair de campo vencedor. É simplista demais resumir todos os processos ao placar e à posição na tabela. Se o resultado fosse tudo não seria futebol.

Por isso, neste último texto em 2018, o blog faz um humilde apelo por obrigação de ofício e também amor ao jogo: menos resultadismo em 2019! Até lá!

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.