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André Rocha

Cristiano Ronaldo está leve, mas terá que carregar a Juventus na Champions

André Rocha

02/01/2019 01h18

Foto: Oli Scarff

Observando algumas jogadas de Cristiano Ronaldo na Juventus é possível ter a impressão de que entramos em uma máquina do tempo e retornamos a 2007 ou 2008. Solto, partindo para cima, arriscando lances de efeito e abusando das pedaladas, o dono de cinco prêmios de melhor do mundo lembra a época do primeiro, ainda no Manchester United.

Se fora de campo o português tinha alguns motivos para deixar Madrid e segue com uma questão pessoal séria a resolver (e nada tem a ver com esta análise), dentro é nítido que a mudança de ares está fazendo muito bem ao atacante. Sem o peso de ser a estrela do Real Madrid e a obrigação de duelar com Messi nos números, Cristiano Ronaldo está mais focado em jogar bem do que fazer gols. Ainda que seja o artilheiro do Campeonato Italiano com 14.

É evidente que a notável superioridade da atual heptacampeã na liga colabora. O trabalho de Massimiliano Allegri está mais do que assimilado pela base da equipe e o novo camisa sete chegou para dar peso e ainda mais eficiência, sem contar o aumento exponencial da visibilidade mundial. A distância aumentou. Não por acaso a campanha invicta com 17 vitórias e dois empates. 93% de aproveitamento e nove pontos de vantagem sobre o Napoli, segundo colocado.

Allegri contribui para que Cristiano Ronaldo se sinta à vontade adaptando a ele a dinâmica ofensiva. O craque sempre deixou claro que prefere atuar em um trio ofensivo, partindo da esquerda para dentro, porém com liberdade para se movimentar. Mandzukic é o centroavante do "trabalho sujo", como Benzema fazia no Real. Fica no centro do ataque, mas não é a referência. Dybala parte da direita, mas como articulador, se juntando ao trio de meio-campistas na criação.

Apesar da liderança na tabela de goleadores, ainda falta a Cristiano Ronaldo uma sintonia fina com os companheiros na preparação das jogadas para facilitar as conclusões do atual "gênio da grande área". Ele usa sua inteligência rara para se desmarcar e facilitar o passe, mas os companheiros ainda não entendem os movimentos como compreendiam Benzema, Isco, Bale, Asensio, Modric, Kroos…Questão de tempo.

O grande desafio mesmo do renovado Cristiano Ronaldo é a Liga dos Campeões. Ainda que afirme que não está obcecado por prêmios individuais, ele sabe que fora do Real Madrid para voltar a concorrer por The Best e Bola de Ouro só vencendo e sendo protagonista no torneio continental.

A missão, porém, não é simples. A Juventus vem de duas derrotas em decisões contra Barcelona (2015) e Real Madrid (2017) e a atual geração, mesmo sobrando no próprio país, não consegue conquistar o título sonhado desde 1996, o segundo da história do clube. Tantos reveses seguidos nos últimos anos deixaram sequelas.

Cristiano Ronaldo viveu já na primeira fase uma experiência traumática. Sem consequências graves, já que não impediu a primeira colocação do Grupo H, mas sem dúvida uma prova de que a mentalidade vencedora nos jogos contra os rivais italianos tem suas oscilações nas disputas continentais.

Partida no Juventus Stadium pela quarta rodada. Uma atuação segura por 85 minutos, com direito a golaço de Cristiano Ronaldo, duas bolas nas traves do goleiro De Gea e 21 finalizações, que parecia construir vitória tranquila sobre o Manchester United de José Mourinho. Tudo ruiu em pouco mais de cinco minutos.

Aos 40, falta tola sobre Pogba, gol de Juan Mata. O suficiente para silenciar o estádio e descoordenar mentalmente um time que parecia ter como missão apenas administrar a vantagem diante de um oponente totalmente desorganizado, atacando na base do "abafa". Outra jogada área, enrosco e gol contra de Alex Sandro. Um revés inacreditável.

Ser derrotado na fase de grupos da Champions não significa mau presságio para CR7. Pelo contrário. Na campanha do tri, o time merengue foi superado por Borussia Dortmund e Tottenham, mas se impôs no mata-mata, quando, de fato, vira outra competição. Mas na Juve teve um peso diferente. Ficou o alerta.

O sorteio não foi lá muito "generoso". Ainda que carregue também seus traumas recentes no torneio, o Atlético de Madrid é forte mentalmente e igualmente organizado. Se construírem uma vantagem, mesmo mínima, no Metropolitano os comandados de Diego Simeone jogarão uma enorme pressão sobre a Juventus para a volta em Turim.

Cristiano Ronaldo precisará mostrar suas credenciais de "Sr. Champions" e também de "carrasco" do Atlético. Até lá terá tempo para se entrosar ainda mais com os novos companheiros e se colocar como um líder técnico. Alguém capaz de mudar o clube de patamar no continente. Mesmo com um discurso mais sereno e menos focado em recordes, eis a razão fundamental para o investimento da "Vecchia Signora".

Com quase 34 anos, as metas do atacante seguem altas. Lembram as do jovem de dez anos atrás em Manchester. Voando, arriscando e sonhando alto. Mas mesmo leve, terá que carregar seu novo time na Liga dos Campeões. Não é pouco.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.