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André Rocha

Sampaoli, Felipão ou Renato Gaúcho? Depende. Futebol é encaixe, um "click!"

André Rocha

22/02/2019 07h07

Tostão levantou a bola em sua coluna de quarta-feira na "Folha de São Paulo" e a ESPN Brasil deu outro enfoque no "ESPN Bom Dia": qual característica seria a mais importante em um treinador – comando firme, inventividade, "esperteza", solidez defensiva, ousadia, "loucura" ou racionalidade?

O colunista citou Mano Menezes, Renato Gaúcho, Fernando Diniz, Jorge Sampaoli, Fabio Carille, Luiz Felipe Scolari e Levir Culpi como exemplos. Tite, o melhor entre os brasileiros, diria que a solução seria equilibrar todas essas características e não estaria errado.

Mas, no fundo, o que torna um trabalho bem sucedido em qualquer lugar do mundo é um grande mistério. Felizmente o futebol não carrega bulas, nem receitas de bolo. Não há fórmula. Qualquer linha de trabalho pode dar certo, mesmo a mais improvisada.

É claro que quando há um plano pensando a médio/longo prazo, com o clube ou seleção buscando combinar perfil do treinador com características dos jogadores dentro de uma estrutura bem definida e com capacidade de investimento, as chances de funcionar aumentam consideravelmente. Só não há garantia.

Tudo depende de encaixe, um "click!" capaz de sincronizar os movimentos de todas as peças no tabuleiro. No "Bola da Vez" em 2014 na ESPN Brasil, Djalminha respondeu a este blogueiro que aquele Palmeiras campeão paulista dos 102 gols em 1996 deu liga no primeiro treinamento coletivo. Os jogadores e também Vanderlei Luxemburgo chegaram a se olhar e sorrir com o rápido entrosamento que foi se aprimorando e gerou aquele "meteoro" que encantou o país por seis meses.

Às vezes precisa da intervenção direta do comandante, como a Holanda de 1974. Ao perceber que os jogadores de Ajax e Feyenoord não se entendiam na execução do modelo de jogo, Rinus Michels reuniu todos, colocou na lousa o que queria e disse que quem não concordasse poderia abandonar o barco. Em menos de um mês, o "Carrossel" revolucionaria o futebol mostrando ao mundo a combinação (quase) perfeita do que as duas equipes já realizavam na Europa.

Um gol também pode mudar tudo. Como o de Rondinelli aos 41 minutos do segundo tempo sobre o Vasco, que deu o título carioca para o Flamengo de Zico em 1978. Depois de chegar perto nos três anos anteriores, a conquista garantiria a permanência e o fortalecimento daquele grupo de jogadores, já vistos com certa desconfiança, para construir o período mais glorioso da história do clube.

No caso dos treinadores citados no título deste post, Sampaoli conseguiu seu trabalho de maior sucesso e visibilidade no Chile campeão da Copa América de 2015. Fruto de um processo que começou com Marcelo Bielsa e que teve continuidade com seu "súdito". Questão de polimento, maturidade que se ganha nas competições até alcançar o triunfo.

Já Felipão ganhou o título mundial de 2002 depois de um ano de trabalho e encontrando a equipe ao longo da Copa do Mundo disputada na Ásia. Ainda que o toque especial, a reunião de Rivaldo e dos Ronaldos no ataque, tenha sido inspirado em um Brasil x Argentina disputado no Beira-Rio em 1999. Luxemburgo reuniu os três e a seleção enfiou 4 a 2 dando espetáculo. O "click!" se deu ali, mas foi Scolari, que viu no estádio a "mágica" acontecer, quem aproveitou três anos depois em outro contexto.

Quanto a Renato Gaúcho, a felicidade no retorno ao Grêmio para um contrato de três meses que vai chegando a três anos com títulos se deu pela combinação de uma linha de trabalho já construída que precisava dos ajustes que o maior ídolo do clube soube aplicar. Também adicionou o carisma e a liderança que entregaram rapidamente resultados e desempenho. Beleza e títulos. O ideal.

Nem tudo, porém, se resume a resultados. Além da "Laranja Mecânica" já citada, a Hungria de 1954 e o Brasil de 1982 são times inesquecíveis mesmo sem taças. Referências que contribuíram com a evolução do esporte e se eternizaram pelo sonho do jogo perfeito. O impossível em esporte tão caótico e imprevisível. Tanto que não venceram ao cruzar com equipes também fortes, porém mais pragmáticas. Ou simplesmente Alemanha, duas vezes, e Itália foram mais felizes naqueles duelos. Porque funcionou naquele dia.

Por isso o futebol apaixona e ensina. Tostão sabe bem disso ao ressaltar em seus textos as inconstâncias, fragilidades e a falta de certezas. Na vida e no jogo. Mesmo o que parece perfeito pode desandar em uma partida. Ou o que parece fadado ao fracasso pode se consagrar. Por um erro ou casualidade. A razão precisa estar presente para que a gente não enlouqueça. Mas tentar entender e criar roteiros, como em um filme, é inútil.

Cada história vivida nos campos carrega sua verdade. Única e intransferível. Melhor assim.

 

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.