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André Rocha

Abel x Sampaoli: análise de resultado e a definição de time mal treinado

André Rocha

28/05/2019 07h47

A afirmação de que o Flamengo de Abel Braga é mal treinado logo no título do post sobre a virada contra o time misto do Athletico no Maracanã incomodou muita gente, inclusive entre os treinadores. Afinal, como dizer que treina mal sem assistir à uma sessão comandada pelo técnico do time rubro-negro?

Vamos por partes. Primeiro a prática: é inviável para um analista acompanhar os treinamentos de todas as equipes da Série A. E mesmo que este que escreve, residente no Rio de Janeiro, conseguisse testemunhar uma vez por semana os trabalhos de Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo seria impossível ter um diagnóstico claro. Até porque hoje muitos treinos são fechados, especialmente em fases decisivas de campeonatos.

Então o que resta para avaliação é o produto final: o jogo. E a partir do momento em que se observa um time sem evolução na execução do modelo de jogo, repetindo erros coletivos graves atacando e defendendo, com dificuldade na compactação dos setores, não apresentando nenhuma jogada combinada além das bolas paradas e dependendo exclusivamente de iniciativas individuais, como no caso do Flamengo, é possível, sim, afirmar que a equipe é mal treinada. Ou orientada no enfrentamento dos adversários, caso a metodologia de treinamento esteja correta.

Mas para alguns parece pecado criticar o trabalho dos treinadores. Se não vê treinar, não pode apontar os defeitos. Um esforço grande de blindagem de profissionais muito bem remunerados, que recebem as melhores condições de trabalho e entregam muito pouco no desempenho de seus comandados. E qualquer resultado positivo funciona como escudo, até um torneio de pré-temporada como a Flórida Cup.

Mais curiosa foi a comparação que propuseram com o trabalho de Jorge Sampaoli. Considerando as goleadas sofridas pelo Santos no Paulista e no Brasileiro, enquanto que as cinco derrotas do Flamengo em 2019 foram todas por apenas um gol de diferença em disputas mais parelhas. Uma análise de resultado que descontextualiza a grande vantagem do clube carioca na capacidade de investimento e, consequentemente, na qualidade do elenco.

Ainda assim, o alvinegro praiano tem um ponto a mais que o Fla no Brasileiro. Os 4 a 0 impostos com autoridade pelo Palmeiras no Pacaembu carregam também muitos méritos do atual campeão brasileiro e líder desta edição da Série A. Mas até aqui foi o único revés santista.

Sem contar a contextualização do campo. Até mesmo nas derrotas, o desorganizado sistema defensivo do Flamengo se livrou de sofrer mais gols graças às intervenções dos goleiros Diego Alves e César. Ou de Rodrigo Caio, uma das principais contratações para a temporada. Individualidades. E mesmo assim a retaguarda foi vazada em 22 das 30 partidas disputadas pelos cariocas no ano. Ficou sem sofrer gols em apenas 27% dos jogos, enquanto o Santos, disputando o Paulista que é o estadual mais competitivo do país, saiu de campo sem buscar a bola nas próprias redes em 58% das partidas (fonte: FutDados). Apesar das goleadas que sofreu.

Mas a diferença principal e que salta aos olhos é na maneira de jogar. Apesar do elenco mais modesto e ainda carente de um centroavante, segundo o próprio Sampaoli, o Santos consegue apresentar ideias claras, sofisticadas e de execução complexa: pressão pós-perda, organização com a bola para criar espaços, tabelas, triangulações buscando o homem livre, ponteiros abrindo o campo, laterais atacando por dentro. Também variações táticas, alternando três ou quatro defensores de acordo com a necessidade da partida.

Já o Flamengo se comporta sem muito padrão, por vezes investindo na posse – até pela cultura criada nos últimos anos desde Muricy Ramalho, passando por Zé Ricardo, Reinaldo Rueda, Mauricio Barbieri e Dorival Júnior – e em outras ocasiões buscando transições ofensivas em velocidade. Quando precisar virar o placar, Abel empilha atacantes e desestrutura a equipe. Sempre abusando dos cruzamentos e dependendo de lampejos ou do entendimento em campo dos jogadores, como de Bruno Henrique e Gabriel Barbosa, que atuaram juntos no Santos.

Imaginem a dupla no time de Sampaoli…Mesmo sem contratações de impacto, o Santos foi capaz de protagonizar uma das grandes exibições coletivas do futebol brasileiro em 2019, na vitória por 1 a 0 sobre o Corinthians pela semifinal do Paulista. Não foi suficiente para garantir a vaga na decisão, mas o desempenho durante os 90 minutos impressionou. A despeito da covardia do time de Fabio Carille na administração da vantagem conquistada em Itaquera.

Nem em seus melhores momentos em 2019, como na vitória por 1 a 0 sobre o mesmo Corinthians em São Paulo pelas oitavas de final da Copa do Brasil, o Fla chegou perto de uma grande imposição no trabalho coletivo sobre um oponente de nível semelhante. Porque é mal treinado e os jogos deixam isto bem claro. Sem protecionismo ou reserva de mercado.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.