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André Rocha

Copa América reforça: futebol moderno em alto nível é dos clubes europeus

André Rocha

24/06/2019 06h46

França campeã mundial, Portugal vencedor da Eurocopa e Chile bi da Copa América. Qual destas seleções demonstrou um futebol de fato consistente dentro de suas propostas, independentemente da questão estética?

Pois é. Tirando um ou outro espasmo, aqui como lá, o desempenho médio ficou muito aquém do futebol moderno realmente em alto nível. Hoje privilégio dos grandes clubes europeus, mais especificamente a Liga dos Campeões. Ainda que a última final da maior competição continental que contou com ótimo rendimento ao menos de uma das equipes tenha sido a de 2016/17, com o espetáculo do Real Madrid nos 4 a 1 sobre a Juventus em Cardiff.

Nas duas últimas, muita tensão pelo que havia em jogo e uma disputa mais mental que técnica ou tática. É de se pensar se o período sem jogos entre o fim das ligas e a grande decisão europeia paradoxalmente não vem atrapalhando corpos e mentes acostumados a constante atividade.

Pode ser também um dos fatores que prejudicam o futebol de seleções. Os jogadores vêm de seus clubes carregando todos os condicionamentos, jogadas executadas sem pensar, até por conta do tempo e do espaço reduzidos, e precisam rememorar os movimentos praticados com seus compatriotas. Isso quando há uma base montada.

É bem provável que a Copa América 2019 tenha hoje o seu primeiro jogo realmente de bom nível, entre Chile e Uruguai no Maracanã, fechando o Grupo C e a primeira fase do torneio. A Celeste com o trabalho de Óscar Tabárez desde 2006 e a busca de um maior repertório além das jogadas aéreas e do jogo direto para Cavani e Suárez; a Roja tentando o tricampeonato com o terceiro treinador diferente – Sampaoli, Pizzi e agora Reinaldo Rueda. Mantendo, porém, uma base experiente e qualificada, a melhor da história do país. Apesar da decepcionante campanha nas Eliminatórias que limou a participação na Copa do Mundo na Rússia.

Equipes que tentam aproximar suas propostas: o Uruguai busca ficar mais com a bola, o Chile procura solidez defensiva e competitividade, mas sem abrir mão das próprias virtudes. Futebol versátil, de acordo com a demanda. Porque é o que a "elite" faz, mas com a possibilidade do dia a dia. Treina, repete, corrige, repensa, aprimora. Há tempo. Também o alto faturamento, no caso dos clubes mais ricos, para contratar quem possa adicionar talento e casar melhor com as características dos companheiros. Sem a "barreira" da pátria.

Para tornar tudo mais complicado, os principais torneios entre seleções acontecem no final da temporada europeia. Cada vez mais desgastante para pernas e cérebros, só deixando os "bagaços" para as seleções. Outro obstáculo para desenvolver um jogo mais elaborado. No torneio sul-americano disputado no Brasil, os gramados ruins são mais uma dificuldade.

Eis o ponto. É mais simples montar as retrancas modernas, com linhas compactas, sincronia de movimentos para negar espaços principalmente no "funil" e muita intensidade, pressionando o adversário com a bola. As seleções com mais camisa, tradição e/ou talento precisam de entrosamento, sintonia para se instalar no campo de ataque e criar as brechas para furar esses blocos cada vez mais sólidos. Uma solução seria a marcação por pressão perto da área adversária, para roubar a bola e acelerar com campo livre. Mas cadê as pernas para isso entre junho e julho, quando a maioria deveria estar de férias?

Não por acaso, Espanha e Alemanha conseguiram se impor em 2010 e 2014 com um jogo mais eficiente e plástico que o da França no ano passado. Trazendo suas bases de Barcelona/Real Madrid e Bayern de Munique/Borussia Dortmund, o "jogar sem pensar" dentro de uma proposta mais posicional, de controle pela posse, ficou mais viável e até proporcionando algum espetáculo. Aos franceses, com jogadores espalhados pela Europa e pela pressão por conta do fracasso em casa na final da Euro 2016, restou o pragmatismo, apelando para bola parada, velocidade de Mbappé e os lampejos de Griezmann e Pogba.

Por isso e também pela questão financeira, Guardiola, Klopp, Simeone, Pochettino, Ancelotti, Sarri e outros treinadores das prateleiras mais altas não se aventuram no futebol de seleções. Em momento de baixa, José Mourinho até considerou a hipótese, mas ainda com mercado e Fernando Santos em alta com as conquistas recentes por Portugal é bem possível que volte ao cenário em um grande clube. Até porque o salário não é baixo.

A Copa América deve "pegar" agora na reta final e a tendência é que termine deixando uma melhor impressão. Mas o futebol de seleções, que no início dos anos 1980 fez este blogueiro se apaixonar pelo esporte antes mesmo de escolher o time de coração, hoje vive um dilema. O jogo moderno exige uma fluidez que só é possível com treinos e jogos seguidos. Trabalho diário e no auge físico e técnico. Tudo que falta a treinadores e jogadores que representam seu países.

O nível mais baixo de desempenho não é "falta de amor" ou ser "mercenário". Os mais abastados, na prática, nem precisam de suas seleções. Antes, sim, a presença na lista de convocados proporcionava contratos mais vantajosos. Hoje pode ser até um grande problema na avaliação individual de uma temporada – Messi é o maior exemplo. A realidade é dura e só tende a ficar mais complexa com o futebol mais intenso e o calendário inchado.

A Liga dos Campeões já é do tamanho da Copa do Mundo e tende a ser maior e melhor a cada ano.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.