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André Rocha

Botafogo volta ao Brasileiro entre os Moreira Salles e o abismo

André Rocha

12/07/2019 08h25

Foto: Thiago Ribeiro/AGIF

O cerco financeiro vai se fechando: maior devedor do futebol brasileiro (730 milhões de reais, segundo estudo da "Sports Value), opções limitadas de receitas por conta de adiantamentos de cotas de TV, uma sangria de penhoras e dívidas trabalhistas e com a União. Sem patrocínio master depois da saída da Caixa e em transição de fornecedor de material esportivo, além de um racha político que isola o presidente Nelson Mufarrej e complica ainda mais o cenário. O Botafogo não tem mais o que raspar no fundo do pote.

O clube vai sobrevivendo de empréstimos com direitos econômicos de jovens da base como garantia, negociações de atletas (inteiras ou "fatiadas") e ajuda de botafoguenses mais abastados. Ainda assim, já são dois meses de salários atrasados, fora premiações e direitos de imagem. É preciso negociar jogadores para respirar. Ezequiel, emprestado ao Sport e destaque na Série B, é monitorado por Palmeiras e Athletico-PR. Gatito Fernández e Alex Santana têm mercado e são outras possibilidades de fazer entrar dinheiro a curto prazo. Muito pouco.

A saída é adiar mês a mês a agonia. Ou esperar pelo milagre que hoje atende pelo nome Moreira Salles. A auditoria encomendada à Ernst & Young pelos irmãos apaixonados pelo clube e com fortuna avaliada em 77 bilhões de reais terminou em julho. Agora é aguardar que João e Walter alinhem a possivel parceria que teria sentimento envolvido, mas não filantropia. Eles não vão comprar o Botafogo, só querem viabilizar a gestão do futebol profissional independente do clube social.

Hoje parece a única solução viável em um clube cuja torcida tem dificuldades de renovação, com cada vez mais meninos e meninas preferindo os grandes times europeus. Sem contar a visibilidade cada vez menor em um Rio de Janeiro em crise profunda e com domínio financeiro e midiático quase absoluto do rival Flamengo. Quando aparece uma notícia de bastidores quase sempre é negativa, como a de que o clube só tinha R$33,28 na conta corrente – informação que constava no despacho de um juiz para desbloqueio de penhora.

O trabalho de Eduardo Barroca até aqui diminuiu o impacto da penúria financeira. A meta de ocupar a primeira página na tabela do Brasileiro antes da pausa para a Copa América foi cumprida: é o sétimo colocado, com 15 pontos. O time também segue vivo na Copa Sul-Americana, enfrenta o Atlético Mineiro pelas oitavas de final.  A boa notícia para o técnico é que Biro-Biro e Victor Rangel chegam para reforçar o ataque que precisa de mais contundência.

Mas é difícil, quase impossível, fazer os jogadores manterem o foco sem salários e sequer uma previsão de acerto. A situação já chegou ao ponto de os atletas com melhores condições financeiras ajudarem os que ganham menos. Nesta semana começou uma espécie de greve de silêncio que prejudica o clube pela menor exposição dos patrocinadores que restaram em entrevistas coletivas e exclusivas ou ações de marketing. E ainda há o risco de uma paralisação do elenco caso não haja ao menos uma satisfação da diretoria.

O treinador e o gerente de futebol Anderson Barros tentam administrar o dia a dia levando ilustres botafoguenses ou figuras como Sebastião Lazaroni, pai do auxiliar técnico Bruno, às sessões de treinamentos para criar um clima positivo, de incentivo em nome de uma instituição que merece respeito e zelo à história gloriosa e de protagonismo em grandes conquistas da seleção brasileira.

A volta a campo é domingo no Mineirão contra o redivivo Cruzeiro. A torcida é para que o foco no mata-mata faça Mano Menezes poupar titulares e equilibrar mais as forças no confronto. Porque não há como fazer futebol profissional em alto nível sem dinheiro. Como Barroca e sua comissão técnica vão cobrar intensidade e concentração sem respaldo financeiro, com o jogador pensando nas contas para quitar? Como trabalhar sem o básico?

O Botafogo está à beira do abismo. Ou se salva com os Moreira Salles ou mergulha na escuridão.

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.