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André Rocha

25 anos do tetra: o que faltou ao Brasil para depender menos de Romário

André Rocha

17/07/2019 08h09

Foto: Antonio Gaudério/Folhapress

Ao vencer o Uruguai no Maracanã por 2 a 0 e garantir vaga na Copa do Mundo de 1994, a seleção brasileira passou do risco de não se classificar pela primeira vez para um Mundial à uma das favoritas ao título. Não só porque a fase espetacular de Romário no Barcelona mudava o Brasil de patamar como pela ausência de uma favorita destacada na Europa – a Eurocopa de 1992 foi vencida pela Dinamarca, convidada por conta da ausência da Iugoslávia, suspensa pela UEFA por conta da guerra.

Também pela bela exibição coletiva da equipe de Carlos Alberto Parreira na última partida das eliminatórias. O encaixe de Romário na vaga de Muller foi imediato em um time que vinha crescendo e teve seu grande momento nos 6 a 0 sobre a Bolívia no Arruda, em Recife. Solidez defensiva, posse de bola, criatividade e poder de decisão na frente. Um volume de jogo que, não fossem as muitas chances desperdiçadas, poderia ter feito os uruguaios voltarem para casa eliminados e com uma goleada histórica na bagagem.

Com a vaga garantida, o planejamento da dupla Parreira/Zagallo até a Copa era dar um polimento e tornar a seleção mais ofensiva. A solução mais urgente era resgatar definitivamente a confiança de Raí. Camisa dez que ganhou o posto de capitão e esperança para formar com Bebeto e Romário um trio imparável. Contra o Uruguai,  revezamento perfeito com Bebeto: um abria pela direita apoiando Jorginho e o outro fazia companhia a Romário na área adversária.

Havia, porém, dois problemas: a queda de produção do meia com a transferência do São Paulo para o Paris Saint-Germain, inclusive com perda de ritmo de jogo por ter virado reserva na equipe francesa, e o sacrifício tático para compor pela direita a segunda linha de quatro no meio-campo com Mauro Silva, Dunga e Zinho. Faltava intensidade para acompanhar o lateral esquerdo adversário e ainda se juntar à dupla de ataque nas ações ofensivas.

Em entrevista a este blogueiro em 2014 para o livro "É Tetra", em colaboração com o amigo Michel Costa, Raí alegou cansaço:

– Eu vinha de três temporadas fantásticas, eleito melhor jogador do Brasil e das Américas, mas praticamente sem férias. Me sentia sobrecarregado, cansado. Em pelo menos duas delas eu joguei mais de noventa partidas. Quando cheguei ao PSG, o técnico Artur Jorge me chamou e ofereceu uns dez dias para que eu descansasse e me recondicionasse. Talvez por orgulho, para mostrar que estava bem e disposto, recusei. Hoje reconheço que foi um erro.

Parreira deu todas as chances, mesmo com críticas pesadas, especialmente da imprensa do Rio de Janeiro. No entanto, apesar do gol de pênalti e da boa atuação na estreia do Mundial contra a Rússia, Raí perderia a vaga para Mazinho na virada da primeira fase com empate contra a Suécia por 1 a 1 para o jogo contra os Estados Unidos nas oitavas de final no dia 4 de julho, da independência americana.

Talvez tivesse valido a pena testar um losango no meio-campo, com Mauro Silva plantado, Dunga cobrindo mais o lado direito e Zinho pela esquerda, liberando Raí como "enganche" ou ponta-de-lança, função que executava com perfeição no São Paulo de Telê Santana. Mas as duas linhas de quatro eram inegociáveis para o treinador e o camisa dez foi o sacrificado. Mazinho entrou e formou dupla eficiente com Jorginho, atacando e defendendo.

A outra mudança seria na lateral esquerda. Branco era uma liderança no grupo, com experiência dos Mundiais de 1986 e 1990, mas convivia com problemas físicos e já caminhava para uma reta final de carreira. Contribuía mais em campo com técnica nos passes e cruzamentos, além da força e precisão nos chutes de longe. A seleção, porém, ganhava mais fluência pela esquerda com a presença de Leonardo.

Mesmo atuando como meia no São Paulo, a volta à posição de defensor não era problemática e o entrosamento com Zinho dos tempos de Flamengo para tabelas e ultrapassagens se dava naturalmente e o camisa 16 virou titular. Mas na Copa, talvez pela tensão do primeiro Mundial e a preocupação com a entrada de Marcio Santos na zaga com a lesão de Ricardo Gomes, Leonardo ficou mais preso, menos desenvolto no apoio.

Até a cotovelada em Tab Ramos contra os Estados Unidos, o cartão vermelho e a suspensão até o fim da Copa que abriu espaço para Branco decidir as quartas de final com a lendária cobrança de falta nos 3 a 2 sobre a Holanda e ir até a final no Rose Bowl, sendo um dos cobradores na decisão por pênaltis contra a Itália. Mas contribuindo menos no apoio.

Por tudo isso o Brasil campeão foi o da segurança. Um 4-4-2 mais rígido e pragmático, mantendo a posse de bola com os passes precisos de Dunga na distribuição e a iniciativa de atacar em todas as sete partidas do Mundial. Investindo em jogadas pelas laterais e, principalmente, na sintonia fina entre Bebeto e Romário. Grandes protagonistas, mas também, de certa forma, responsáveis pelos placares magros contra Estados Unidos e Suécia e pelo empate sem gols na decisão ao desperdiçarem chances claras que poderiam tornar a campanha mais consistente no ataque.

Foram apenas 11 gols, quatro a menos com dois jogos a mais na eterna comparação com a seleção de 1982, comandada por Telê Santana. Mas a crítica histórica de "retranca" não se justifica. A postura era ofensiva, mas o contexto, que ainda carregava o peso de uma eliminação nas oitavas para a a Argentina em 1990, com pesadas críticas à mesma geração, e os 24 anos sem título mundial, era bastante pesado.

Para Mauro Silva, a ausência da dupla de zaga titular formada pelos Ricardos, Rocha e Gomes, também pesou muito para os maiores cuidados defensivos. O volante explicou, também em entrevista para "É Tetra", como a mudança no miolo da retaguarda alterou a estratégia:

– A ideia era mesmo atacar pelos lados. O Parreira me conhecia bem do Bragantino e, por conta das lesões dos Ricardos (Rocha e Gomes) com a entrada de Aldair e Marcio Santos, que foram muito bem ao longo do Mundial, o treinador me pediu para dar uma sustentação maior na cobertura. Eu atuava como uma espécie de líbero. A lógica era: se o adversário tivesse apenas um atacante os zagueiros cuidavam. Contra dois eu recuava e fazia a
sobra, à frente ou atrás deles.

Convivendo com críticas fortes, muitas injustas, desde as eliminatórias, Parreira sabia que precisava ser duro, até inflexível, para tornar a seleção competitiva. Por necessidade mudou quatro peças da ideia original e, ainda assim, terminou vencedor. Cedendo à pressão por Romário um ano antes e se apoiando no craque do Mundial para voltar para casa com a taça tão sonhada. Tirando o peso dos ombros e pavimentando o caminho para a geração de Ronaldo Fenômeno, então o menino Ronaldinho com 16 anos que foi campeão sem jogar, chegar a duas finais de Copa e ganhar o penta em 2002.

Uma história que completa 25 anos e merece ser contextualizada para fugir de clichês e dogmas que sobrevivem e se cristalizam. O tetra teve menos arte que o planejado, mas se impôs pela eficiência que faltava desde a Era Pelé.

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.