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André Rocha

Espetáculo é só no teatro ou circo?

André Rocha

26/07/2019 12h53

Foi Muricy Ramalho quem eternizou a frase "quem quiser ver espetáculo que vá ao teatro". Treinador vencedor no futebol brasileiro, sem dúvidas. Na história também por ter recusado o convite de Ricardo Teixeira para comandar a seleção brasileira. Mas sejamos sinceros: você o citaria em uma lista de dez grandes técnicos da história no país? Qual o grande time comandado por ele que merece ser lembrado?

O São Paulo tricampeão brasileiro? Talvez. Mas em uma conversa com torcedores do clube é mais fácil o time dos "menudos" de Cilinho – com Muller, Silas, Careca, Pita e Sidnei na linha de ataque, que conquistou apenas um paulista em 1985 e foi a base para Pepe vencer o Brasileiro do ano seguinte – ser lembrado ao lado do maior da história do clube, o de Telê bicampeão da Libertadores e Mundial. O que melhor combinou arte e espírito vencedor.

Assim como o Santos que venceu a Libertadores em 2011 é histórico, mas no papo de bar a maioria dos santistas certamente se recordará com mais carinho da equipe campeão paulista e da Copa do Brasil do ano anterior, comandada por Dorival Júnior, com Robinho, Ganso e Neymar leves e soltos em campo.

Agora Thiago Neves resgata o bordão, trocando "teatro" por "circo", em provocação desnecessária ao colega Mauro Cezar Pereira. Respondendo críticas ao Cruzeiro que nas últimas quinze partidas venceu apenas uma. Sim, uma vitória maiúscula no clássico com o Atlético pelas quartas da Copa do Brasil. Mas construída em um chute improvável de Pedro Rocha e depois com o atacante aproveitando falha grotesca do rival na saída de bola e servindo Thiago Neves. O terceiro, de Robinho, foi mera consequência. Mas garantiu a vaga na semifinal porque no Independência os 2 a 0 impostos pelo Galo deixou o time celeste no fio da navalha.

Até no pragmatismo dos números está devendo. Mas como o time de Mano Menezes é bicampeão do mata-mata nacional e está na  semifinal da atual edição, além de depender de uma vitória em casa para ir às quartas da Libertadores eliminando o atual campeão River, parece que tudo está muito bem. Mas o que sobrará se o resultado não vier desta vez?

Vale a reflexão: mesmo que o Cruzeiro atual fature outra Copa do Brasil ou mesmo vença a Libertadores, qual equipe você acha que ficará na memória do torcedor: a atual ou, por exemplo, a de Vanderlei Luxemburgo e Alex em 2003 que conquistou estadual, Copa do Brasil e Brasileiro com ótimo futebol? Ou, para os mais vividos, a que ganhou a Taça Brasil ganhando duas vezes do Santos de Pelé, com direito a goleada por 6 a 2 e show de Tostão e Dirceu Lopes?

Thiago Neves deveria recordar que em 2011 ele venceu apenas um Carioca com o Flamengo, mas participou como um ótimo coadjuvante de Neymar e Ronaldinho Gaúcho de uma das grandes partidas da história do esporte no Brasil: Santos 4×5 Flamengo. É bem possível que daqui a dois anos, quando completar uma década, haja mais lembranças e celebrações mais tocantes deste jogo disputado na Vila Belmiro que o título brasileiro do Corinthians e da Libertadores do próprio Santos, um tanto maculada pelos 4 a 0 com direito a chocolate do Barcelona de Guardiola na final do Mundial. Viu como o belo futebol marca mais?

E qual foi a maior atuação da carreira do meia? Em um jogo sem título, na derrota nos pênaltis do Fluminense para a LDU na final da Libertadores de 2008. Com três gols, mas desperdiçando a cobrança na decisão. Saiu do estádio chorando, mas com certeza hoje se orgulha do hat-trick em uma decisão continental, feito único na história.

Porque é o grande futebol que marca. Ganhar dando show é como aquele jantar que mata a fome, mas dá prazer. Melhor ainda quando traz afeto junto, com a companhia de quem se ama. O título com futebol mal jogado, no sufoco, pode trazer boas lembranças pelo sofrimento. Mas é como engolir um fast food no meio de um dia corrido. Resolve o problema imediato e não mais que isso. Ou alguém guarda na memória ou nas retinas um lanche rápido no Burger King?

Todo mundo quer vencer, competir está no DNA de qualquer atleta. Mas não pode ser apenas isso. A gente não quer só comida, como diz a canção. Nem é preciso lembrar da Hungria de 1954, da Holanda de 1974 ou do Brasil de 1982, muito mais citados, estudados e celebrados que os campeões mundiais que os venceram, para afirmar que espetáculo também se faz no campo. E é bem mais difícil esquecer. Até para Muricy e Thiago Neves.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.