Como o Santos de Sampaoli pode dominar "à europeia" o Brasileiro
Desde o Corinthians de 2015, com Tite se reinventando como treinador em busca de uma proposta mais ofensiva e criativa dentro de suas convicções inspiradas na escola gaúcha, os campeões brasileiros vêm adotando um estilo mais reativo: Palmeiras de Cuca e Felipão, o Corinthians comandado por Fabio Carille. A velha máxima de que defesas ganham campeonatos impera por aqui na competição por pontos corridos.
Na Europa também, mas nem tanto. É claro que a questão financeira, com orçamentos quase infinitos de alguns clubes, pesa bastante. Porém, a ideia de ser dominante e impor sua maneira de jogar dentro ou fora de casa, que é também consequência da maior capacidade de investimento, é mais eficiente nos pontos corridos.
O Barcelona e os times de Guardiola, Bayern de Munique e Manchester City, são os maiores símbolos deste contexto. Considerando que as copas nacionais não têm o mesmo valor para eles em relação aos times brasileiros com o nosso mata-mata, a liga só fica atrás da Liga dos Campeões em relevância. Com um jogo de posição que tem como premissa básica se instalar no campo de ataque e trabalhar coletivamente criando espaços na defesa adversária, as equipes vencem como mandante e visitante, normalmente com ataque mais eficiente e defesa menos vazada. Porque a pressão logo após a perda da bola afasta os oponentes da própria área.
Assim também acontece com Juventus, PSG e o próprio time bávaro, mesmo sob o comando de Carlo Ancelotti, Jupp Heynckes e Niko Kovac. A cultura de vitória por conquistas seguidas também ajuda a intimidar os rivais. E quando alguém incomoda, como o Monaco na França em 2016/17, lá vão os abastados tirar as estrelas emergentes, fortalecendo seu elenco e praticamente destruindo a concorrência.
No mata-mata, especialmente no equilíbrio da Champions, valem mais a força mental e a estratégia pensando em 180 minutos. Os times adeptos do jogo de posição vêm sucumbindo às propostas mais reativas e/ou de um jogo mais físico, baseado nas jogadas aéreas com bola parada ou rolando. Ou ao "vendaval" do Liverpool, com pressão e muita velocidade dentro de um modelo voltado para o ataque.
No Brasil, o novo líder do Brasileiro não tem o maior orçamento. Longe disso. Mas na retomada da temporada depois da pausa para a Copa América vem se impondo pelo calendário mais folgado por conta das eliminações precoces na Sul-Americana e na Copa do Brasil, mas principalmente pelo modelo de jogo consolidado na intertemporada e ajustado a cada semana cheia para treinamentos.
O Santos de Jorge Sampaoli faturou os nove pontos disputados, enquanto o outrora líder absoluto Palmeiras deixou sete pelo caminho. Com futebol ofensivo dentro e fora de casa. Mesmo variando o desenho tático a ideia é ter a bola e empurrar o adversário para trás. Sempre com triangulações e apostando em posse, amplitude ("abrir" o campo) e profundidade.
Na vitória por 3 a 1 sobre o Avaí na Vila Belmiro, o 4-3-3 que na prática vira 2-3-5 com os laterais Victor Ferraz e Jorge atacando por dentro, Derlis González e Soteldo abertos, Diego Pituca mais organizador e Carlos Sánchez entrando na área adversária para se juntar a Eduardo Sasha. Uma avalanche que encurrala o adversário, mas corre riscos. Depois de abrir o placar com Derlis, o erro de posicionamento de Ferraz, muito por dentro, que abriu o corredor para João Paulo empatar para o time catarinense.
A insistência com Soteldo pela esquerda e a assistência para o gol de Sánchez, na área como centroavante. Aliás, o centro do ataque continua sem a solução desejada por Sampaoli. Sasha tem cinco gols, mas não é o artilheiro para fazer o ataque superar os de Palmeiras, Flamengo, Atlético-MG e Athletico. Perdeu gol incrível no segundo tempo, mas, ainda assim, contribui mais coletivamente que Uribe, contratação para resolver o problema na frente que foi parar no banco.
Da reserva saiu o destaque da segunda etapa na Vila: Felipe Jonatan, que substituiu o pendurado Alisson e deixou ainda mais claro o 2-3-5: Pituca recuou pelo centro da linha de três "médios" com Ferraz e Jorge e Jonatan foi jogar pela meia esquerda. O setor ganhou ainda mais fluência, com triangulações constantes. Até o belo gol de Jonatan que definiu a vitória e confirmou a chegada ao topo da tabela.
Com 57% de posse, 19 finalizações (11 no alvo) e nada menos que 28 desarmes, mais da metade no campo de ataque. Junto com o Flamengo é a equipe que mais rouba bolas na competição. Lidera sozinha na posse e também nas finalizações, alcançando a combinação ideal no ataque.
É óbvio que a liderança com 12 rodadas não é garantia de título. O clichê é verdadeiro: mais difícil do que chegar à primeira colocação e se manter nela. O Santos terá virtudes e defeitos mais estudados, os adversários entrarão mais concentrados e motivados. E o elenco não entrega tantas opções a Sampaoli em caso de necessidade.
O tempo livre será fundamental. Por isso vale o pensamento positivo para Palmeiras e Flamengo seguirem na Libertadores e, consequentemente, priorizando o torneio continental. Desgastando peças enquanto o alvinegro praiano treina e descansa. Para tentar subverter a lógica brasileira e impor um domínio "à europeia". Sem os milhões de euros, mas com ideias arrojadas e arejadas para se impor rodada a rodada. Com algo próximo do que estávamos acostumados a apreciar apenas pela TV.
E um treinador argentino que tem competência para estar no Velho Continente, mas as circunstâncias o levaram para a baixada santista. Sampaoli anda de bicicleta, interage com a população, se diverte na praia e nos fins de semana faz seu time competir e entreter. Cenário inédito para o futebol de um país que anda mesmo precisando de boas novas.
(Estatísticas: Footstats)
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