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André Rocha

Flamengo é o "hype" da vez no Brasil. Por que precisamos de tanta gritaria?

André Rocha

10/09/2019 08h58

Foto: Alexandre Durão / Gazeta Press

Quando venceu o Santos por 4 a 0 no Pacaembu, o Palmeiras foi considerado bicampeão brasileiro por algumas vozes da imprensa. Na quinta rodada! Depois da nona, com a pausa para a Copa América e o time alviverde tranquilo na liderança, Luiz Felipe Scolari em uma coletiva comparou o estilo de sua equipe com a do Liverpool de Jurgen Klopp, que acabara de vencer a Liga dos Campeões.

Pronto! Era tudo que os programas esportivos precisavam. Campeão brasileiro de 2018 e líder da atual edição x campeão europeu. E obviamente que sempre surgem aqui e ali aquelas "opiniões" muito comuns: "time brasileiro" é muito melhor!", "quero ver o europeu ganhar aqui!", "esse (nome do craque do time estrangeiro) não é isso tudo!" Hoje os Reds lideram o início da Premier League e Felipão nem está mais no Palmeiras…

Sem contar as comparações individuais, o tal "raio-x" dos times. Como se isso contasse no duelo coletivo entre as equipes. Reflete muito bem a maneira com que o brasileiro na média ainda enxerga futebol. Não bastam os fracassos dos vários "galácticos". A melhor ainda é aquela que conta com os melhores no papel.

Mas nada impede que se force a barra com as tradicionais "patriotadas". Como nas decisões de Mundial de Clubes envolvendo Barcelona x Santos em 2011 e Real Madrid x Grêmio há dois anos. Para inflamar as torcidas daqui, que são o "público-alvo", as comparações ficam equilibradas, com "vitórias" curiosas, como a de Edu Dracena sobre Piqué ou Luan sobre Modric.

Agora é o Flamengo. Líder do Brasileiro, semifinalista da Libertadores depois de 35 anos. Vivendo, de fato, um momento importante conciliando desempenho e resultado. Mas dentro de uma amostragem de jogos ainda pequena: a rigor, as vitórias sobre Grêmio, Vasco, Ceará, Palmeiras e Avaí pela competição por pontos corridos e as partidas eliminatórias contra o Internacional pelo torneio sul-americano. Sete jogos!

Mas no mundo em que somos bombardeados por informação de todos os lados e nunca fomos tão dispersos é preciso algo bombástico para nos fazer parar para ver, escutar ou ler. Então tome de novo o "já é campeão brasileiro!", "vai ganhar tudo!", "é o melhor time brasileiro desde o Corinthians 2015". Ou Cruzeiro de 2003. Ou mesmo já comparando com o time de Zico que ganhou os principais títulos da história do clube carioca nos anos 1980.

Calma! O Brasileiro vai chegando ao final do turno.  São dois pontos de vantagem sobre o Santos de Sampaoli, que também teve seu momento de protagonismo quando foi líder. Ambos se enfrentam no Maracanã na próxima rodada. A décima nona de trinta e oito. Então já inventam uma "decisão", como se terminar a primeira etapa simbólica na ponta da tabela garantisse alguma coisa.

Sem contar a ansiedade pelo duelo entre Grêmio e Flamengo pela semifinal da Libertadores. Os jogos serão só em outubro e ninguém faz a mínima ideia de como estará o desempenho dos times até lá. Mas é preciso fazer alarde! "Jogo do ano!", " a celebração do futebol na América do Sul!" Como se Boca x River não fosse realmente o grande confronto, simplesmente por ser a maior rivalidade do continente, uma das maiores do mundo, aditivada pela final do ano passado que teve que ser disputada no Santiago Bernabéu.

E até parece que ninguém sabe que jogos desse tamanho são mais mentais que técnicos ou táticos. Normalmente a tensão reduz o nível técnico e a máxima "decisão não é para ser jogada, mas vencida" acaba imperando. Difícil esperar grandes espetáculos, mesmo com a vocação ofensiva das equipes de Renato Gaúcho e Jorge Jesus.

O treinador português do Flamengo contribuiu para o clima de empolgação ao dizer que seu time disputaria o G-6 na Premier League. Opinião dele, talvez um pouco exagerada pela vontade que ele tem demonstrado de agradar a sempre otimista torcida rubro-negra. Mas, reforçando: são pouco mais de dois meses de trabalho e sete jogos de bom nível depois de eliminação na Copa do Brasil e da última derrota, um acachapante 3 a 0 para o Bahia na Fonte Nova.

Mas precisamos da bomba, do "melhor time de todos os tempos da última semana". Das análises definitivas. Voltando ao tema abordado aqui no texto sobre Rafael Oliveira, Jurgen Klopp e o jornalismo, as bravatas e as opiniões absurdas acabam se destacando no meio do oceano das redes sociais.

Como Carlos Alberto afirmando no Fox Sports que o Real Madrid não venceria a Série B brasileira. Viralizou, enquanto uma opinião mais discreta e embasada passa batida. Ou só é reconhecida mais tarde, como a de Paulo Calçade na ESPN Brasil em 2016 que foi resgatada e circulou nas redes sociais, sobre a recuperação financeira do Flamengo. Prevendo que os direitos de transmissão seriam rediscutidos por clubes endividados quando o passivo do time de maior torcida do país estivesse equacionado e sobrasse dinheiro para gastar e formar um time forte.

Forte, mas não dominante. A rigor, a última conquista relevante foi em 2013, uma Copa do Brasil. Mas a sociedade do espetáculo midiático e das redes sociais tem pressa. Ansiedade no nível máximo. Observar com paciência e acompanhar o processo para uma análise mais embasada? Nunca! Tem que bravatear hoje. Porque acertando ou errando garante a audiência e a repercussão. E dane-se a credibilidade!

O Flamengo é o "hype" da vez. Até dezembro, pelos próximos anos ou até sábado? Escolha a sua "opinião" preferida. Mas eu sei que você vai mesmo é marcar e "dar print" naquela que incomodou. Talvez este post seja o alvo. Porque é assim que funciona.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.