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André Rocha

Carlo Ancelotti, o doutrinador dos melhores técnicos do mundo

André Rocha

18/09/2019 07h18

Imagem: Reprodução/Napoli

Em 2013/14, Pep Guardiola era considerado o melhor treinador do mundo depois de construir em Barcelona uma das maiores e melhores equipes da história do futebol e conseguir, já na primeira temporada no Bayern de Munique, imprimir suas digitais no estilo de um time que havia faturado a tríplice coroa com Jupp Heynckes.

Mas na semifinal da Liga dos Campeões foi atropelado pelo Real Madrid com um 5 a 0 no agregado, sendo quatro na casa dos bávaros. Está registrado no livro "Guardiola Confidencial", de Martí Perarnau (Editora Grande Área), o arrependimento do treinador catalão por ter mandando a campo uma formação muito ofensiva – com Robben, Muller, Mandzukic e Ribéry no ataque –  e deixado espaços generosos para os contragolpes merengues.

O que não tira o enorme mérito de Carlo Ancelotti. Um treinador mais reconhecido por sua liderança serena e pela capacidade de fazer seus comandados correrem por ele do que pelo gênio tático ou estratégico. Mas que entregou a resposta mais avassaladora ao "método Pep".

Um 4-4-2 no posicionamento defensivo com linhas muito compactas e estreitas. Gareth Bale e Angel Di María recuando praticamente como laterais e a entrada da própria área bastante congestionada, com os laterais Carvajal e Coentrão, mais Xabi Alonso e Modric protegendo Pepe e Sergio Ramos.

Na retomada, uma transição ofensiva em altíssima velocidade com poucos toques e sempre verticais para explorar os espaços às costas dos defensores e acionar Benzema e, principalmente, Cristiano Ronaldo, autor de dois gols. Sem contar a força na bola parada com Sergio Ramos para descomplicar o jogo e abalar o oponente já no primeiro tempo. Um 4 a 0 que colocou o Real na final que daria a tão sonhada "La Decima" ao maior vencedor do torneio continental.

Quatro anos depois, o treinador italiano volta à cena para enquadrar outro técnico consagrado como o melhor do planeta: Jurgen Klopp, campeão europeu com o Liverpool depois de amadurecer e aprimorar o modelo de jogo mais influente da atualidade, inclusive impactando o próprio Guardiola. Baseado em volume construído com pressão no campo adversário, ataques rápidos e contundentes com mobilidade dos jogadores e muita gente chegando na área para finalizar.

O Napoli de Ancelotti já havia sido um duro adversário na temporada passada, também na fase de grupos, depois de levar 5 a 0 em um amistoso de pré-temporada. Dois jogos equilibrados, com uma vitória para cada lado por 1 a 0. Em Anfield, o Napoli teve a bola do empate e da classificação com Milik, mas Alisson salvou com uma defesa espetacular. Os Reds ficaram com a segunda vaga, atrás do PSG, graças aos gols marcados, já que fizeram campanha similar à do time italiano, inclusive no confronto direto e no saldo. Por pouco o time que venceria a edição da Champions não parou na Liga Europa.

O sorteio da fase de grupos para a atual temporada voltou a colocar Napoli e Liverpool no mesmo grupo, mas desta vez sem outro favorito para transformar em "grupo da morte", embora o Red Bull Salzburg tenha demonstrado sua força nos 6 a 2 sobre o Genk. E Ancelotti aprimorou a resposta a Klopp no San Paolo.

Como Salah, Firmino e Mané se caracterizam pela mobilidade e por se procurarem no ataque, o Napoli não se importou em desorganizar a sua última linha defensiva, formada por Di Lorenzo, Manolas, Koulibaly e Mario Rui, contanto que evitasse os deslocamentos dos atacantes adversários com liberdade. Não raro foi ver Koulibaly, o melhor em campo, sair de sua posição com zagueiro pela esquerda e bloquear Salah do lado oposto.

Até porque Mario Rui muitas vezes esperava o apoio de Alexander-Arnold, deixando Insigne livre para os contragolpes, acelerando com Lozano pela esquerda. À direita, Callejón e Mertens faziam os mesmos movimentos rápidos tentando explorar os espaços às costas dos laterais do time inglês e obrigando Matip e Van Dijk a se exporem nas coberturas. O quarteto ofensivo também pressionava a saída de bola do time vermelho.

Allan e Fabian Ruíz protegiam a entrada da área contra Fabinho, Henderson, Milner e o movimento de recuo de Firmino buscando espaços às costas dos meio-campistas. Com a consciência de que é praticamente impossível conter totalmente o volume dos atuais campeões da Europa, que terminaram o jogo com 51% de posse e 12 finalizações contra dez do time da casa.

Mas dificultando a conclusão precisa do rival e, principalmente, buscando ser mais eficiente ofensivamente. O Napoli teve melhor aproveitamento nos passes (87% contra 85%) e nas finalizações  no alvo (5 a 4). Abriu o placar em um pênalti mais que duvidoso de Robertson em Callejón que Mertens converteu e matou no final com Llorente, que entrara na vaga de Lozano, em um raro vacilo de Van Dijk.

Para complicar um Liverpool que dá sinais desde o início da temporada, por declarações de jogadores e do próprio Klopp, de que a Premier League é a obsessão na jornada 2019/20. Depois do vice mesmo com a melhor campanha da história do clube, parece ser um consenso de que chegou a hora de encerrar o jejum que já dura 30 anos.

Mas ninguém em Anfield espera cair na fase de grupos da Champions. E não deve mesmo, apesar do Napoli que se apresenta novamente como uma incômoda pedra no sapato. No cumprimento logo após o apito final, o italiano brincou com o colega alemão dizendo que este não deveria ficar preocupado, porque perder novamente no San Paolo pode significar vencer mais uma vez a Champions.

Típico Carlo Ancelotti, o doutrinador dos melhores técnicos do mundo.

O 4-4-2 do Napoli de Ancelotti que não se importava em desorganizar a última linha para parar o trio Salah-Firmino-Mane. Na transição ofensiva, velocidade com Callejón e Mertens pela direita e Insigne e Lozano à esquerda (Tactical Pad).

(Estatísticas: UEFA)

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.