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André Rocha

Por que é quase impossível um time construir hegemonia no Brasil

André Rocha

27/11/2019 07h04

Foto: Agencia Lance

2017 foi o ano em que Palmeiras e Flamengo aumentaram o nível investimento em contratações. Borja e Guerra, campeões da Libertadores pelo Atlético Nacional, foram os grandes símbolos da virada alviverde; Diego Alves e Everton Ribeiro, no segundo semestre, os reforços rubro-negros de peso naquele ano.

Especialmente no caso do time paulista, campeão brasileiro no ano anterior, começou a ecoar aqui e ali um tema recorrente no futebol nacional: a possibilidade de construção de uma hegemonia ou dinastia. Um clube dominante vencendo os principais títulos durante muitos anos.

Veio Fabio Carille resgatando a "identidade Corinthians" depois da saída de Tite para a seleção brasileira e, mesmo com dificuldades financeiras, vencendo Paulista e Brasileiro. E o Grêmio, longe de ter o maior orçamento do país, faturou a Libertadores e foi ao Mundial enfrentar o Real Madrid. Palmeirenses e rubro-negros viram pela TV.

É apenas o exemplo mais recente de que essa expectativa quase sempre é frustrada. Se buscarmos na história veremos outros que, de formas mais ou menos aleatórias, ajudaram a destruir essa tese que é difícil de ser sustentada no Brasil.

No final de 1994, o Palmeiras era bicampeão paulista e brasileiro. Com o patrocínio forte da Parmalat, sinalizava um domínio regional e nacional. Mas no ano seguinte, Vanderlei Luxemburgo e Edmundo foram seduzidos pelo projeto megalomaníaco de Kléber Leite no Flamengo que repatriou Romário e o Yokohama Flugels, time japonês "emergente" que seria extinto em 1998, levou César Sampaio, Zinho e Evair. Desmanche que custou um ano sem conquistas.

O campeão brasileiro foi o Botafogo de Túlio Maravilha, que convivia com salários atrasados, e o Grêmio levou a Libertadores com um time forte montado por Luiz Felipe Scolari, porém sem grandes investimentos. Equipes que deram liga e, no caso dos gaúchos, deram sequência a uma série de conquistas até a Copa do Brasil de 1997.

Pulando no tempo para o tricampeonato brasileiro do São Paulo. O Soberano, que não tinha a maior receita de TV, mas era o clube mais organizado e estruturado do país. Planejou virar o "Lyon brasileiro" em 2008 e até teve a pretensão de equiparar em poucos anos o número de torcedores com Flamengo e Corinthians dentro de um projeto nacional.

Com o domínio no país, a Libertadores era a obsessão. Mas depois do título em 2005 e do vice no ano seguinte, o time do Morumbi viu o Grêmio em 2007, dois anos depois de disputar a Série B, chegar à final continental com o Boca Juniors. Em 2008, o Fluminense, com o investimento da Unimed em jogadores e não na estrutura, eliminou o próprio São Paulo, que repatriara Adriano Imperador, e também foi vice da Libertadores para a LDU.

Em 2009 foi a vez do Cruzeiro, sem nenhum grande aporte financeiro, também despachar o São Paulo e ser derrotado na decisão sul-americana pelo Estudiantes.  No final do ano, o Flamengo caótico administrativamente, que contratou Petkovic para quitar dívidas trabalhistas com o próprio jogador e realizou o sonho de retorno do Adriano ao time de coração, tomou a liderança do São Paulo na penúltima rodada do Brasileiro e evitou o tetracampeonato.

Domínio financeiro no Brasil é ilusão por conta da fragilidade da moeda. Assim como o mercado japonês fez a limpa no Palmeiras em 1995, agora, por exemplo, a China e o "mundo árabe" podem levar peças importantes do Flamengo, o clube da vez que alimenta essa ideia de hegemonia.

O time rubro-negro ficou seis anos sem conquistas relevantes desde a Copa do Brasil de 2013. Tudo poderia ter dado muito errado em função de uma escolha no início do ano, mesmo com as contratações certeiras de Rodrigo Caio, De Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabriel Barbosa. Com Abel Braga no comando técnico, o Flamengo ficou a um gol do Peñarol para ser eliminado novamente na fase de grupos da Libertadores. E deixou pontos importantes pelo caminho na competição nacional por pontos corridos ao escalar reservas, seguindo a estratégia de Felipão no Palmeiras em 2018, porém sem o mesmo equilíbrio no elenco. Abel quis poupar contra o Fortaleza e começou o desgaste que terminaria com o pedido de demissão.

A chegada de Jorge Jesus combinada com as contratações de Rafinha, Pablo Marí, Filipe Luís e Gerson poderia não alcançar encaixe imediato. Uma infelicidade na disputa de pênaltis contra o Emelec impediria, por exemplo, a participação de Filipe Luís no torneio continental. Acabou dando tudo certo. Um "click". As peças deram liga e o time virou um "meteoro" que varreu Libertadores e Brasileiro.

Mas tudo pode mudar em 2020. Não faltam rumores sobre propostas para Jorge Jesus e outros jogadores podem se deixar seduzir pelo dinheiro fácil de centros alternativos. Ou decidirem retornar ao mercado europeu. Ou ainda simplesmente o "click" se dar em outro clube, menos rico. Quem sabe o próprio Athletico, campeão da Copa do Brasil e segundo melhor time da temporada, sem contar com um dos maiores orçamentos do país. A crença está no longo prazo. Mas pode dar muito certo em seis meses.

No final de 2014, Alexandre Kalil, então presidente do Atlético Mineiro e hoje prefeito de Belo Horizonte, disse em um programa de TV: "Se arrumar o Flamengo, acabou o futebol brasileiro". É uma esperança que alimenta os apaixonados pelo time de maior torcida do país e desespera os rivais, locais e nacionais. De fato, o clube se estruturou, conseguindo hoje ter na grande receita de TV apenas 33% de seu orçamento. Dívidas equacionadas, CT cada vez mais equipado, fama de bom pagador e até ampliando a capacidade de mobilização de uma torcida gigantesca através de redes sociais e ações de marketing.

Mas se conseguir será um cenário inédito. Porque o equilíbrio no futebol brasileiro sempre se deu pelo caos. E mesmo com investimentos dos grandes cada vez maior em inteligência e tecnologia para diminuir as aleatoriedades é difícil vislumbrar um time acertando sempre mais que os outros. Sem se acomodar ou simplesmente ser infeliz nas escolhas da reposição constante nessa janela de mercado que nunca se fecha.

A nossa cultura quase impossibilita uma ascendência como a do Bayern de Munique na Alemanha, a ponto de fazer a grande maioria dos concorrentes na Bundesliga, talvez com exceção do Dortmund e, a médio prazo, do projeto da Red Bull, estipularem outras metas na temporada, sem contar com o título nacional. Aqui sempre haverá um grande clube disposto a uma loucura de curtíssimo prazo para tentar beliscar uma taça. E conseguindo.

Não é só dinheiro, nunca foi e dificilmente será. Aqui o "pra sempre" acaba mais cedo.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.