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André Rocha

Jürgen Klopp não despreza o Flamengo, só tem preocupações maiores

André Rocha

05/12/2019 07h41

Foto: Chris Brunskill / Getty Images

A pergunta de João Castelo-Branco, da ESPN Brasil, em entrevista logo depois da vitória do Liverpool por 5 a 2 sobre o Everton, era relevante. Até obrigatória. Afinal, não é todo dia que um time brasileiro fica a um jogo de enfrentar um gigante da Premier League. A falta de oportunidades de intercâmbio com os grandes centros, aliás, é um dos problemas do calendário do nosso futebol.

A resposta de Jürgen Klopp, sempre muito franco e direto, sobre o Flamengo foi óbvia: "Eu sei que eles ganharam a Copa Libertadores, conheço alguns jogadores, mas é o mesmo conhecimento que tenho de um time que jogamos na Liga dos Campeões pela primeira vez, uns três, quatro dias antes".

Na sequência demonstrou desconhecer também o regulamento do Mundial de Clubes, perguntando se ainda havia um jogo antes da possibilidade de enfrentar os rubro-negros. A entrevista foi o suficiente para provocar em muitos torcedores do Flamengo nas redes sociais uma revolta, como se o treinador alemão do clube inglês estivesse desprezando o campeão sul-americano.

Alguns, claro, resgataram a velha história, contada pelos expoentes da "Era Zico", como Júnior, Nunes, Leandro e o próprio Galinho, sobre o suposto menosprezo dos jogadores do Liverpool antes dos lendários 3 a 0 no Estádio Nacional de Tóquio, em dezembro de 1981.

Uma versão que sempre soou exagerada para este que escreve, já que Zico era famoso mundialmente na época e, sete meses antes, a seleção brasileira havia vencido a Inglaterra em Wembley por 1 a 0, gol de Zico. Júnior também jogou este amistoso, assim como Neal e McDermott, ingleses do Liverpool. Não havia desconhecimento total e desrespeitar seria insanidade.

Assim como agora não há razão para criticar Klopp. Primeiro porque o intenso treinador pode ser tudo, menos blasé. Segundo, e principalmente, porque ele tem preocupações maiores no momento.

A começar pelo risco real do atual campeão europeu ser eliminado na fase de grupos da Champions e parar na Liga Europa. Uma derrota por dois ou mais gols na próxima terça-feira para o RB Salzburg na Áustria, combinada com a provável vitória do Napoli sobre o Genk, seria uma catástrofe para os Reds. Perda de prestígio e financeira.

Mesmo considerando que a prioridade na temporada é o título inédito da Premier League, já que a última conquista do campeonato inglês aconteceu em 1989-90. E dezembro reserva uma agenda cheia, com direito a duelo com o surpreendente vice-líder Leicester City no "Boxing Day", dia 26. Cinco depois da final do Mundial no Catar.

Como o próprio Klopp ressaltou na mesma entrevista: "Nesse momento seria uma vergonha saber mais de qualquer time brasileiro do que do Bournemouth (próximo adversário do Liverpool). Nós vamos estar preparados, mas não tenho certeza se vamos jogar contra eles".

Ainda há uma semifinal para cada lado no meio do caminho, para que se precipitar? Sem contar que dois bons analistas de desempenho, em um dia e meio, são capazes de preparar relatório mais que detalhado com tudo que o treinador precisa saber sobre o Flamengo para uma hipotética decisão. Se já não estiver pronto por precaução, mas sem chegar ainda às mãos de Klopp. Porque não é necessário.

É preciso entender, de uma vez por todas, que o contexto da disputa deste torneio é muito diferente para o europeu. Enquanto o time sul-americano quase sempre encara o Mundial como a cereja do bolo no ano que está se encerrando, para o campeão do Velho Continente é mais uma competição enfiada no meio da temporada. Para os ingleses, que têm uma copa nacional a mais e a tradição de jogar muito na virada de um ano para outro, é ainda mais complexo.

No caso do Liverpool, o torneio da FIFA pode se tornar um obstáculo para as metas da temporada. Mesmo sem o título na vasta galeria de troféus. Além da derrota em 1981, perdeu também para Independiente em 1984 e São Paulo em 2005, além de abrir mão da disputa em 1977 e 1978.

No momento, porém, Jürgen Klopp e seus comandados estão mais focados em outras frentes. As mais importantes para a realidade do time inglês. Por enquanto o Flamengo é só uma hipótese. Considerando que nas últimas dez edições, em quatro os sul-americanos sequer chegaram à decisão, os brasileiros devem mesmo é se concentrar na semifinal. Se vacilarem, o tão sonhado confronto pode nem acontecer.

 

 

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.