No primeiro título nacional do Corinthians, Neto foi craque e "falso nove"
Em 1990, o Corinthians já tinha 20 dos seus 30 títulos que o tornam o líder absoluto de troféus no Paulistão. Mas ainda faltava uma conquista nacional que não foi alcançado em 1976, perdendo a decisão para o Internacional bicampeão. Nem pelo time de Sócrates, Zenon e Casagrande no início dos anos 1980 – apenas duas semifinais, em 1982 caindo para o Grêmio e 1984, eliminado pelo Fluminense.
Coube a uma equipe desacreditada, que começou a campanha com derrotas para Grêmio (3 a 0) e Cruzeiro (1 a 0), foi irregular no desempenho durante praticamente toda a trajetória, mas que ganhou confiança e consistência na reta final até as duas vitórias por 1 a 0 no Morumbi sobre o rival São Paulo de Telê Santana na decisão.
O Corinthians de Nelsinho Baptista, treinador que vinha de um vice-campeonato paulista com o Novorizontino e assumiu o time depois da demissão de Zé Maria, o técnico das duas primeiras derrotas.
Uma equipe que sequer chegara à decisão dos dois últimos estaduais e, na edição de 1989 do Brasileiro decepcionou após um bom primeiro turno, perdendo a vaga na final para o São Paulo. Na recém fundada Copa do Brasil, eliminação nas quartas-de-final de 1989 para o Flamengo. Como na época só entravam o campeão e o vice do estadual, acabou ficando de fora da edição de 1990.
Campanha de 12 vitórias, oito empates e cinco derrotas. Apenas 23 gols marcados, média inferior a um por partida. Vinte sofridos. Fechou a primeira fase classificatória com um revés até vexatório para o Internacional por 3 a 0 no Pacaembu. Garantindo a oitava e última vaga por conta da derrota do Goiás para a Portuguesa por 2 a 0.
Nas quartas contra o Atlético Mineiro e na semifinal diante do Bahia, vitórias por 2 a 1 no Pacaembu e empates sem gols fora, sempre decidindo como visitante. Vivendo da força da torcida, das defesas do goleiro Ronaldo e do sacrifício coletivo da equipe. Mas fundamentalmente de José Ferreira Neto.
O camisa dez que chegou em 1989, vindo do Palmeiras em uma saída traumática para o jogador. Depois de se destacar em 1988 pelo Guarani vice-campeão paulista, com direito a golaço de bicicleta na ida da final contra o próprio Corinthians. Sempre enfrentando problemas físicos e a luta para não ganhar peso.
Mas muito talento em chutes, lançamentos e, especialmente, na bola parada. O problema, na época, era posicioná-lo em campo. Neto não tinha gás para fazer a ida e volta de meia no típico 4-2-2-2 daquele período. Também não tinha velocidade para ser um segundo atacante. E não gostava de jogar de costas para a defesa adversária como centroavante. Queria liberdade para circular.
A solução de Nelsinho durante a maior parte da campanha foi um 4-3-3 que sacrificava o centroavante – Paulo Sérgio, Dinei ou Tupãzinho – voltando na marcação e deixando Neto mais adiantado quando o time perdia a bola. Na retomada, o camisa nove retomava seu posicionamento e o dez ficava solto em campo para criar e finalizar. Em poucas partidas, um 4-4-2 com Tupãzinho no meio e Dinei no ataque.
Foram nove gols, cinco em cobranças de falta, e duas assistências. Participação em quase metade dos gols do Corinthians na campanha. Mas nos últimos jogos o fôlego e a força nas pernas para a bola parada pareciam no fim. A ponto de ser substituído na Fonte Nova contra o Bahia. O esforço tinha sido enorme nas duas vitórias em casa, com três gols e muita entrega.
Na final contra o São Paulo, a entrada de Wilson Mano no meio-campo ao lado de Márcio Bittencourt para proteger a defesa. Tupãzinho com a camisa nove e Fabinho e Mauro pelas pontas, mas também voltando para marcar a equipe de Telê Santana, que se destacava justamente pelo volume de jogo. Era o rascunho do time que venceria tudo nos anos seguintes.
E Neto? Totalmente liberado. Sem bola chegava a caminhar em campo, protegido por seus companheiros. Bola roubada, o mais talentoso procurava os flancos, zonas menos congestionadas, para arriscar lançamentos ou até chutes de longa distância.
Articulava e era ultrapassado pelo trio ofensivo, que preenchia a área adversária. Assim saiu a bela tabela entre Fabinho e Tupãzinho, que marcou o gol que selou a conquista. Depois da vitória também por 1 a 0 na ida, gol de Wilson Mano completando o cruzamento de Neto em cobrança de falta pela esquerda.
O termo "falso nove" obviamente não foi citado por Nelsinho, nem Neto em 1990. Só foi popularizado em 2011, com Messi no Barcelona. Mas a função era a mesma: ser o jogador mais adiantado da equipe sem a bola e ficar livre para se movimentar por todo campo e chegar à área adversária para concluir quando o time atacava.
Assim Neto viveu o grande momento de sua carreira errática e que o hoje apresentador e comentarista reconhece que poderia ter sido bem mais brilhante e vitoriosa. Ele mesmo e muitos torcedores e jornalistas cobram até hoje de Sebastião Lazaroni a presença do meia na Copa do Mundo daquele ano, mas o melhor futebol só apareceu no segundo semestre, depois do Mundial. No Brasileiro.
Destaque absoluto daquela edição e escreveu seu nome em uma das páginas mais importantes da história do Corinthians. O primeiro dos sete títulos de um gigante do futebol nacional. Não é pouco e merece ser lembrado e respeitado.
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