Comparação mais justa nos Mundiais de 12 e 19 não é entre Fla e Corinthians
As reprises na TV Globo da conquista do Mundial de Clubes 2012 pelo Corinthians, para São Paulo, e da Libertadores do ano passado pelo Flamengo despertaram nas redes sociais uma rivalidade que nunca fez muito sentido para este que escreve, que viveu a época da "Fla-Fiel", de torcedores engrossando a massa do "parceiro" em disputas interestaduais.
Uma união de times extremamente populares que foi minada primeiro pelo bairrismo crescente em programas de TV que deveriam ser de âmbito nacional e depois pela internet, com a tola "polêmica" sobre qual a maior torcida do país.
Apesar do jogo exibido do time carioca ter sido contra o River Plate em Lima, muitos corintianos fizeram questão de lembrar da derrota do Flamengo para o Liverpool no Mundial em dezembro. Mantendo o clube paulista como o único sul-americano a vencer o torneio organizado pela FIFA nesta década.
Méritos inquestionáveis de uma conquista invicta desde a Libertadores da equipe comandada por Tite. E a comparação não faz sentido também porque o registro que fica para os corintianos é de uma festa apoteótica no Japão e dos rubro-negros de tristeza no Catar, apesar do orgulho pelo desempenho do time. Celebração só em 1981, com os 3 a 0 sobre o mesmo gigante inglês em Tóquio, na conquista reconhecida pela FIFA como Mundial.
Mas a comparação correta para avaliar apenas os desempenhos dos times brasileiros deve ser entre os adversários. Qual time impôs mais resistência: o Chelsea de Rafa Benítez há quase oito anos ou o Liverpool de Jürgen Klopp há cinco meses?
Bem, os Blues não eram o melhor time da Europa nem quando conquistaram a tão sonhada Liga dos Campeões. Apesar do heroismo de resistir ao Bayern na final em Munique e ter eliminado o Barcelona de Guardiola na semifinal, os comandados de Roberto Di Matteo, liderados em campo por Didier Drogba, foram o grande azarão e não tiveram uma grande atuação para chamar de sua no período.
Em dezembro, sem Drogba e com Rafa Benítez, era um time ainda mais fragilizado. Eliminado por Juventus e Shakhtar Donetsk na fase de grupos da Champions 2012/13, terminaria em terceiro lugar na Premier League, 14 pontos atrás do campeão Manchester United, e sem faturar nenhuma copa nacional.
Só a Liga Europa contra o Benfica, mas pela capacidade de investimento de Roman Abramovich à época, não passou de um prêmio de consolação. Tanto que Benítez acabou demitido no final da temporada para o clube londrino repatriar José Mourinho.
No Mundial, vitória protocolar sobre o Monterrey por 3 a 1 na semifinal. Impondo a enorme superioridade técnica de um time que ainda contava com Cech, Ivanovic, David Luiz, Ashley Cole, Lampard, Hazard e Fernando Torres.
É óbvio que o Corinthians não venceu qualquer um. Nem foi uma vitória por acaso, abrindo mão de jogar futebol. Se cuidou na execução do 4-4-1-1 que tinha Danilo pela esquerda e Emerson se aproximando de Paolo Guerrero, autor do gol do título. Para depois compactar setores marcando por zona, uma novidade à época nos times brasileiros, e contar com as defesas de Cássio para segurar o campeão europeu estelar.
Inegavelmente um feito histórico e único nos últimos dez anos, de domínio cada vez maior dos times do Velho Continente. Não só pelo abismo financeiro, mas por conta da evolução constante dos métodos e do rendimento no mais alto nível.
Eis o mérito do Flamengo, mesmo sem levantar a taça. Encarou de fato o melhor time europeu e do planeta naquele momento. Classificado para o mata-mata da Liga dos Campeões e líder absoluto da Premier League, com título praticamente encaminhado já em dezembro.
Com Alisson, Van Dijk, Alexander-Arnold, Robertson, Henderson, Salah, Firmino e Mané. À beira do campo, o melhor treinador do planeta na atualidade. Mesmo considerando a intensidade mais baixa na disputa do Mundial e o susto na semifinal contra o Monterrey usando time misto, os Reds eram favoritos absolutos.
Ainda mais em tempos recentes, com sul-americanos eliminados nas semifinais em 2013, 2016 e 2018 – sem contar o "pioneiro" Internacional contra o Mazembe em 2010. O Flamengo ao menos cumpriu a obrigação contra o Ah Hilal, apesar do susto e da necessidade de virar o jogo para 3 a 1.
Na decisão, o mérito da equipe de Jorge Jesus foi tentar jogar, utilizando conceitos atuais que surpreenderam até Alisson e Firmino, brasileiros que atuam no Liverpool. Duelando pela posse de bola e ocupando o campo de ataque em vários momentos.
Nunca saberemos se o Flamengo, caso tivesse aberto o placar, também se fecharia como o Corinthians. E é preciso considerar o maior desgaste por ter se dedicado e vencido também o Brasileiro, enquanto o time paulista praticamente abandonou a principal competição nacional e respirou Chelsea desde a conquista da Libertadores em julho.
O cansaço cobrou uma conta alta na prorrogação e o gol de Firmino fez justiça ao melhor time da decisão. Que criou chances cristalinas e fez Diego Alves trabalhar quase tanto quanto Cássio em Yokohama. Não há o que contestar, apesar da chance desperdiçada por Lincoln no último ataque dos 12o minutos.
Tudo isso em um trabalho de cinco meses, bem menos que os mais de dois anos de Tite. Um no início, outro no ápice. Mas fundamentalmente com adversários vivendo momentos bem distintos.
O Corinthians conseguiu o objetivo final, a vitória. O Flamengo ficou com a esperança de retornar, abafada agora pela pandemia. Para o histórico de vexames internacionais nos últimos tempos, o título da Libertadores já foi uma conquista espetacular, ainda mais com a virada no final sobre o então campeão River de Marcelo Gallardo com os gols de Gabriel Barbosa.
Mas como vivemos tempos de comparações descabidas para provocar e gerar "engajamento", forçaram um paralelo que, como tudo, precisa de contextualização para ser melhor compreendido. Sem o simplismo de apenas olhar o placar final e arrotar "verdades". Felizmente o futebol é bem mais que isso.
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