Tite e Jorge Jesus: as melhores respostas do futebol brasileiro ao 7 a 1
O Sportv reprisou os 7 a 1 de 2014. Seis anos transformaram a maior derrota brasileira e o grande vexame da história dos esportes coletivos em clichê, inclusive saindo da esfera do futebol para invadir as muitas mazelas do país – "todo dia um 7 a 1 diferente".
A goleada retumbante no Mineirão em uma semifinal de Copa do Mundo foi o grande revés de uma maneira de ver o jogo. Ou de não ver. Luiz Felipe Scolari mandou os observadores Alexandre Gallo e Roque Júnior ao Maracanã assistirem ao confronto das quartas que dariam o adversário brasileiro: Alemanha x França.
O treinador, porém, não deu muita bola para o que os assistentes disseram. Preferiu acreditar na intuição. E na superstição. Também na mística da camisa verde e amarela e na força da torcida. Gallo e Roque Júnior sugeriram reforçar o meio-campo. Felipão escolheu Bernard. Porque tinha "alegria nas pernas". Porque deu certo contra o Uruguai na Copa das Confederações, um ano antes. Resolveu ir para cima, mesmo sem Thiago Silva, o melhor zagueiro, e Neymar, o grande craque da seleção.
Além da escolha errada, encontrou uma Alemanha com fome. Que tinha encontrado a melhor formação, com Lahm de volta à lateral direita e um trio de meio-campistas técnico e versátil: Schweinsteiger, Khedira e Toni Kroos. Klose como referência na frente, puxando Muller para uma função híbrida partindo da direita, mas circulando pelo ataque, e Ozil guardando um pouco mais o lado esquerdo, até porque Howedes praticamente não descia, era um lateral-zagueiro.
Na prática, o que se viu foi a seleção brasileira em uma espécie de 5-1-4. Luiz Gustavo muito afundado perto da defesa, quarteto ofensivo isolado – Bernard e Hulk nas pontas, Oscar por dentro e Fred na frente. E Fernandinho sozinho no meio, entre o trio alemão e levando botes toda hora. Para piorar, um David Luiz tresloucado, num delírio de "Exército de Um Homem Só", abandonando a defesa para tentar resolver tudo sozinho.
A Alemanha foi absurdamente eficiente em contragolpes e finalizações. Uma tarde única que produziu o placar histórico. Mas estava claro que o Brasil não poderia manter a visão de futebol valorizando o periférico e olhando pouco para o jogo. Por mais que muitos insistam até hoje em passar a mão na cabeça de Felipão por amizade e usar o termo "apagão" para reduzir uma humilhação para nunca mais esquecer.
Mesmo com resistências, alguns agentes do futebol brasileiro se esforçaram para avançar, evoluir. Tite foi o primeiro e mais significativo. Mesmo campeão da Libertadores e Mundial em 2012, sentiu na virada de 2013 para 2014 que precisava aprender, ampliar o repertório. Ele que já havia afirmado no Brasil a marcação por zona em detrimento dos encaixes com perseguições individuais típicos. Também valorizado a compactação entre os setores. Mas ainda era pouco.
Rodou a Europa, fez uma espécie de "estágio" com Carlo Ancelotti no Real Madrid, estudou muito o Barcelona que começava a sinalizar o "arrastão" do trio Messi-Suárez-Neymar e voltou com elementos para acrescentar ao seu estilo, especialmente na fase ofensiva. Pensou em aplicar na seleção, mas a CBF preferiu Dunga.
Acabou voltando ao Corinthians em 2015. Precisou queimar etapas de preparação para tornar a equipe competitiva nas fases preliminares da Libertadores, teve a Flórida Cup para atrapalhar, mas deu uma boa resposta inicial que cobrou caro mais à frente. A oscilação depois de superar São Paulo, San Lorenzo e Danúbio na fase de grupos veio com problemas internos, como atraso de salários. Custou o Paulista e a elminação para o Guaraní paraguaio nas oitavas.
No Brasileiro, um ajuste fino no acréscimo de conceitos formou um time fortíssimo. Competitivo e capaz de proporcionar momentos de espetáculo. O Corinthians do Renato Augusto organizador, de Elias infiltrador como meia em um 4-1-4-1. De Jadson "ponta articulador" partindo da direita para circular às costas dos volantes adversários e ainda abrindo o corredor para Fagner. Uma equipe que apostava demais nas triangulações nas ações de ataque. Campeã brasileira sobrando na reta final, com direito a 3 a 0 sobre o Atlético Mineiro no Independência para consolidar a conquista.
Com a demissão de Dunga depois do fracasso na Copa América Centenário, era a vez de Tite. Que passou por cima de convicções acerca do "modus operandi" da CBF em nome do sonho de dirigir a seleção. E levou suas ideias e o "modelo Corinthians" para comandar Neymar, Philippe Coutinho, Gabriel Jesus e companhia.
Obviamente sem deixar de pensar no entorno. Criou um clima positivo com jogadores e imprensa. E repaginou a seleção no mesmo 4-1-4-1, trazendo Renato Augusto para a função única de organizador. Paulinho era Elias, Casemiro era Ralf, Coutinho era Jadson, Jesus era Love. E Neymar não era Malcom, mas o grande protagonista.
De sexto lugar e ameaçado a ficar de fora da Copa em agosto de 2016 a líder absoluto das Eliminatórias com classificação antecipada. Mas o ciclo de apenas dois anos começou a cobrar o preço em novembro de 2017, com o empate sem gols com a Inglaterra em Wembley que revelou a dificuldade de furar a linha de cinco defensores. Problema que virou drama com o sorteio para a Copa na Rússia que colocou no caminho Suíça, Costa Rica e Sérvia. Todas que em algum momento jogaram com linha de cinco e poderiam repetir contra o favorito Brasil.
Tite tentou uma nova "revolução". Acrescentando elementos do ataque de posição. Trocando o Renato Augusto com problemas físicos por Willian. Um ponta para abrir o campo pela direita, trazendo Coutinho para o meio com Paulinho. Mais posse de bola e um jogo planejado para furar retrancas.
Sofreu com o corte por lesão de Daniel Alves e a recuperação tardia de Neymar. Mas fez uma Copa digna comparada com a saga tortuosa de 2014. Ao menos Tite buscava soluções olhando para o campo. Douglas Costa, Roberto Firmino, o próprio Renato Augusto. Os que mudaram o segundo tempo contra a Bélgica e quase recuperaram os 2 a 0 da primeira etapa. Faltou a eficiência nas finalizações.
Tite seguiu no comando técnico da seleção. Uma rara permanência sem título da CBF. Justa, porque o saldo dos dois anos foi bastante positivo. Hoje parece um passado distante em tempos tão acelerados, mas o treinador era ídolo antes do Mundial, especialmente depois da "revanche" contra os alemães a poucos meses da Copa. Para os incautos era visto até como um exemplo para os candidatos a presidente.
2019 trouxe o título da Copa América disputada no Brasil, mas também uma sensação de estagnação. Em desempenho e resultados. Tite manteve a ideia do ataque guardando posições, de se instalar no campo ofensivo e valorizar a posse. Mas Arthur não trouxe a dinâmica na circulação da bola e Firmino não se afirmou como "falso nove", função que exerce com brilhantismo no Liverpool.
Com Tite dando a impressão de que havia batido no teto, o futebol cinco vezes campeão mundial ficou um tanto órfão. A ponto de Felipão, redivivo com o título brasileiro do Palmeiras, voltar a ser tratado por alguns como uma velha/nova solução. Chocante e desanimador. Era preciso reencontrar um norte. Buscar uma resposta.
Veio de Portugal. Ou melhor, da Arábia Saudita. Jorge Jesus deixou o Al Hilal e acertou com o Flamengo, que efetuou uma correção de rota após a opção infeliz por Abel Braga. Inspirada na onda de técnicos experientes e boleirões que veio com o sucesso de Scolari no ano anterior. Abel deixou De Arrascaeta no banco para manter Willian Arão ao lado de Cuéllar à frente da defesa. Não queria um "time de índios".
Jesus sofreu com a adaptação em um início já com partidas decisivas na Copa do Brasil e na Libertadores. Caiu nos pênaltis contra o Athletico pelo mata-mata nacional, mas sobreviveu contra o Emelec nas oitavas sul-americanas e teve tempo para encaixar os quatro que chegaram para o segundo semestre – Rafinha, Pablo Marí, Filipe Luís e Gérson – com os quatro contratados em janeiro: Rodrigo Caio, Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabriel Barbosa. Mantendo Diego Alves na meta e Everton Ribeiro como o ponta articulador.
Transformou Willian Arão em um ótimo primeiro volante. Com estatura para colaborar no jogo aéreo ofensivo e defensivo, qualidade técnica na saída de bola e capacidade de infiltração para momentos específicos visando surpreender os adversários.
Montou o melhor time brasileiro da década, superando o próprio Corinthians de Tite. Entregando respostas velhas e novas. Como reunir todos os talentos? Fazendo todos se comprometerem sem a bola. Como não se expor defensivamente? Pressionando no ataque.
Como furar retrancas com linha de cinco na defesa? Aumentando a pressão, roubando bolas na frente e definindo rápido as jogadas. Ou variando taticamente sem trocar peças. O 4-1-3-2 básico pode se transformar em 4-2-3-1 ou 4-3-3. Bruno Henrique pode fazer dupla com Gabriel Barbosa ou trabalhar pelos flancos como ponteiro. Everton Ribeiro e Arrascaeta podem trabalhar por dentro. Gabriel abrir pela direita.
Deu certo com o ano histórico do feito inédito de vencer Brasileiro e Libertadores. E já entrava em uma segunda etapa de conquistas e evolução faturando as taças da Supercopa do Brasil, Recopa Sul-Americana e Taça Guanabara. Ampliando o repertório e as possibilidades com um elenco mais recheado. Parado pela pandemia e agora com futuro incerto.
Ainda assim, um salto tão grande, trazendo Jorge Sampaoli na carona, que fez os técnicos brasileiros parecerem mais anacrônicos que em 2014. Renato Gaúcho, o grande favorito para suceder Tite na seleção, foi humilhado na semifinal da Libertadores com 6 a 1 no agregado e superioridade clara dos rubro-negros até no empate por 1 a 1 em Porto Alegre. Com direito a nova vitória, no Brasileiro, por 1 a 0 em Porto Alegre com Jesus poupando oito titulares para a final do torneio continental contra o River Plate.
Jesus virou tudo de ponta a cabeça. Sem ser hoje um dos melhores treinadores do planeta. Longe da primeira prateleira, mas com um olhar europeu que, com respaldo da direção do Flamengo e qualidade do elenco para executar suas ideias em campo, se impôs de maneira contundente.
Primeiro Tite, depois Jorge Jesus. As melhores respostas no futebol brasileiro aos 7 a 1 que deveriam ser tratados como um corretivo pedagógico, mas são vistos como "tragédia". Felizmente o tempo não pára e a evolução arrasta, ainda que lentamente. Qual será o próximo passo?
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