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André Rocha

Das glórias às crises, Andrés Sanchez lembra mesmo Eurico Miranda

André Rocha

10/06/2020 11h21

Foto: Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians

A comparação não é minha, mas de Juca Kfouri, já há algum tempo. Este que escreve confessa que no início viu mais semelhanças com Kléber Leite, presidente do Flamengo que contratou Romário em 1995. Andrés Sanchez repatriou Ronaldo Fenômeno em 2009 e Roberto Carlos no ano seguinte. Dirigentes comparáveis na megalomania.

Mas a trajetória do atual presidente do Corinthians tem mesmo vários pontos semelhantes com a do ex-dirigente vascaíno, falecido em março do ano passado. E Andrés diz se orgulhar disso.

Eurico Miranda entendia de futebol, sabia pensar com os treinadores a montagem de equipes fortes e gostava de preservar o comando técnico para que o time cruzmaltino tivesse uma identidade em campo. O mais longevo deles foi Antonio Lopes, de 1996 a 2000.

Nos momentos de dificuldades e derrotas doídas sabia matar no peito a responsabilidade e desviar o foco com bravatas, polêmicas, confrontos com jornalistas e provocações aos rivais, especialmente o Flamengo. Mas sobrou também para o próprio Andrés, alfinetado por Eurico em 2014 sobre a construção do estádio do Corinthians. Isso criava uma cumplicidade com jogadores e comissão técnica, blindadas pelo escudo do dirigente poderoso.

Eurico também trabalhou para a CBF, como Diretor de Futebol no início da gestão Ricardo Teixeira em 1989. A pedido de João Havelange, sogro de Ricardo, por conta da inexperiência do genro com o futebol. Não durou muito a parceria e Eurico viria a se tornar desafeto de Teixeira.

Eurico se envolveu com política partidária. Foi deputado federal e sempre tentou usar sua influência para beneficiar o Vasco. E não fazia questão nenhuma de esconder isso, inclusive pedindo votos e fazendo promessas aos torcedores do clube do Rio de Janeiro.

Eurico esteve sempre envolvido em processos judiciais e foi investigado na CPI do futebol. O problema invariavelmente era a pouca transparência com que geria primeiro o futebol, depois como presidente do Vasco da Gama.

E quando a "caixa preta" foi aberta, o Vasco estava afundado em uma grave crise financeira. Com a queda a partir de 2000, com os altos investimentos no time de futebol e também em um projet  que contratava atletas com índices olímpicos ou fazendo parte de seleções classificadas para os Jogos de Sydney. Nem a parceria com o Bank of America sustentou a empreitada e o clube acumulou processos trabalhistas.

Com os cofres vazios mas muito populismo para se manter no poder, Eurico seguiu tentando investir no futebol e resgatar a competitividade de outros tempos. Só aumentou as dívidas com contratações de qualidade duvidosa e perdeu capital político até seu grupo ser derrotado nas urnas por Roberto Dinamite em 2008. Na volta em 2014, a mesma prática de afirmar publicamente a saúde financeira, mas  auditorias posteriores revelando um aumento considerável da dívida que hoje chega a cerca de 440 milhões de reais

Andrés também entende de futebol, é polêmico e provocador, foi deputado federal, trabalhou com Ricardo Teixeira na CBF, foi e é alvo de processos judiciais..e agora parece viver o período de queda. Não foi o presidente da conquista da Libertadores e do Mundial em 2012, mas sempre esteve envolvido com a política do Corinthians. Ora como gestor, ora como figura influente nas decisões.

Inclusive na construção do estádio em Itaquera que segue comprometendo as finanças do clube. Um passo ambicioso que cobra um preço alto junto com outras decisões e contratações questionáveis. A dívida aumenta mesmo com a receita dos direitos de transmissão e também do programa de sócio-torcedor. No retorno de Andrés à presidência em 2018, a conta chegou salgada e, agora, com a parada por conta da pandemia, o clube sangra de vez. A divida geral é de cerca de 350 milhões de reais.

Os salários atrasados chegaram a três meses e o Corinthians pode sofrer penhora por não repassar para agentes o valor referente à venda de Maycon para o Shakhtar Donetsk. Problemas que se avolumam, mas não freiam o populismo: a direção do clube sinaliza negociações avançadas para repatriar Jô e uma possibilidade de contratar também o atacante Alex Teixeira. A velha estratégia de distrair a torcida com possíveis reforços para soterrar o noticiário negativo.

Práticas que cheiram a mofo. Não conseguiram manter Eurico forte nem no seu retorno ao Vasco em 2014 e parecem minar de vez o prestígio de Andrés no Corinthians. Sem vitórias no campo, a paciência do torcedor vai embora. Sintomático nos dois casos.

As semelhanças não são mera coincidência. Nos defeitos e nas virtudes. Das glórias às crises. Juca tem mesmo razão.

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.