O futebol é muito maior que Mourinho e Guardiola
André Rocha
10/09/2016 10h48
Expectativa no mundo todo, análises e mais análises sobre o primeiro duelo entre Pep Guardiola e José Mourinho na Inglaterra. Confronto de filosofias, de estética. Antagonismo. Os jogadores se tornaram coadjuvantes.
Tudo isso para o Manchester City abrir o placar no Old Trafford com uma ligação direta de Kolarov, vacilo de Blind e De Bruyne aproveitando. Com o United de Mourinho, técnico do "ônibus" à frente da própria área, todo adiantado. Esse futebol…
Não que a disputa fugisse do esperado. A equipe de Guardiola circulava a bola no ritmo de seu fantástico meio-campo: Fernandinho, De Bruyne e David Silva. Era ainda mais preciso na pressão assim que perdia a bola.
Aí pesou o desentrosamento do novo United. O time de Mourinho não tinha jogo "de memória" para fazer a transição ofensiva de forma eficiente. Só conseguiu em uma aproximação de Rooney, Ibrahimovic e Pogba, que finalizou por cima.
Na intenção de mandar a campo um time experiente e de boa estatura, esqueceu que precisava de agilidade para se livrar da marcação sufocante do oponente.
Por respeito ao rival, Guardiola não usou o 2-3-5 do início da temporada e manteve os laterais Sagna e Kolarov em um posicionamento mais conservador, embora ofensivos. Mas não tão por dentro, na linha de Fernandinho.
Chegou aos 2 a 0 com De Bruyne acertando a trave e Iheanacho, substituto do suspenso Aguero, marcando e nem comemorando, por se achar impedido. Não estava, por nova falha de Blind, desta vez de posicionamento.
Domínio absoluto, média de 70% de posse de bola para os citizens. Clássico resolvido? Talvez. Se esse negócio fosse xadrez. Mas é futebol.
E os Deuses do Olimpo da bola podem respeitar Guardiola como um gênio que ajudou a revolucionar o esporte. Mas não perdoam certas coisas.
Em Turim, Joe Hart, ídolo do City descartado com enorme facilidade por não jogar com pés, deve ter sorrido ao ver o sucessor Claudio Bravo, depois de ter acertado vários passes com os pés, falhar na primeira intervenção importante com as mãos.
Soltou logo nos pés de Ibrahimovic. Momento chave que transformou o jogo. O United cresceu no embalo de sua torcida, podia ter empatado ainda no fim do primeiro tempo com o próprio Ibrahimovic – desta vez Bravo defendeu.
Primeiro tempo de domínio do City com posse de bola, força no meio-campo e pressão na bola sobre um United descoordenado que só entrou no jogo com a falha de Bravo e o gol de Ibrahimovic (Tactical Pad).
Início da segunda etapa com intensidade máxima e duas substituições de Mourinho: Ander Herrera e Rashford nas vagas de Mkhitaryan e Lingard, que não funcionaram pelos lados.
Rooney foi jogar pela direita e o meio-campo ganhou corpo. Ibra teve duas boas oportunidades. Dez minutos de domínio até o City se assentar e voltar a trocar passes e ocupar o campo de ataque.
Porque Guardiola se rendeu ao contexto do jogo e trocou Iheanacho pelo volante Fernando para não perder o meio-campo. De Bruyne foi ser "falso nove", circulando às costas de Herrera.
Bravo deu outro susto, mas desta vez com uma saída por baixo. O último aviso dos Deuses da bola no jogo. Guardiola trocou Sterling por Sané para voltar a ter jogo pelas pontas. Mas mentalmente os Red Devils já estavam definitivamente na disputa.
Quase o empate no gol bem anulado de Ibra, desviando chute de Rashford. De Bruyne, o melhor em campo, acertou a trave do goleiro De Gea. Fernandinho também cresceu mais adiantado – e pode ser a melhor opção de Tite para a vaga de Paulinho na seleção brasileira. A força da nova equipe de Guardiola está no meio.
Mourinho arriscou tudo pelas pontas com Martial no lugar de Shaw. O francês foi jogar à direita e Rooney voltou a centralizar. Na defesa, apenas três, com Blind à esquerda.
Nos últimos minutos, um jogo inusitado: abafa do United de José e o time de Pep só saindo nos contragolpes, defendendo o resultado fundamental com bravura. Ganhando tempo e formando uma linha de cinco atrás com Zabaleta na vaga do belga De Bruyne.
Nenhum requinte, apenas luta pelos três pontos. Futebol moderno? Parecia o velho estilo inglês de bola mais no alto que no chão.
No final, o inusitado: United de Mourinho no 2-3-5 abafando o City trancado com linha de cinco para garantir os 2 a 1 (Tactical Pad).
Um jogaço: City com 60% de posse e 18 finalizações, contra 14 do United. Não exatamente com o roteiro que o mundo esperava. Porque isso é futebol, eterno e muito maior que Guardiola, Mourinho ou qualquer mortal. Ainda bem.
(Estatísticas: Premier League)
Sobre o Autor
André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com
Sobre o Blog
O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.