Luxemburgo nunca vai entender Guardiola
André Rocha
04/10/2016 13h41
Vanderlei Luxemburgo foi um dos convidados de Galvão Bueno no programa "Bem Amigos" do Sportv. Há tempos este que escreve não assiste a uma entrevista do treinador.
Simplesmente porque já se sabe tudo que ele vai dizer. Em resposta ao questionamento habitual nos últimos anos de ser um técnico ultrapassado, Luxemburgo sempre usa os mesmos exemplos: Alex Ferguson e Arsene Wenger e a longevidade no Manchester United e no Arsenal, o Flamengo de Zico e o Brasil de 1970 para tentar justificar uma suposta falta de novidades no futebol atual.
Também os próprios movimentos de "vanguarda". O recuo de Evair como "falso nove" no Palmeiras bicampeão brasileiro de 1993/94, a velocidade e o futebol ofensivo no mesmo alviverde em 1996 e o recuo de Rincón como volante para qualificar a saída de bola no Corinthians em 1998. Todos louváveis, inovadores para a época e que consagraram um dos maiores técnicos da história do nosso futebol. Mas do século passado.
Sempre o passado. Como se nada tivesse acontecido desde 2004, ano de sua última conquista relevante: o título brasileiro com o Santos. Desconsiderando a revolução do futebol nos últimos anos. Sempre que pode menosprezando, ainda que nas entrelinhas, o principal agente desta transformação: Pep Guardiola.
É óbvio que as ideias em si do técnico catalão não são novas. A rigor, a última ideia verdadeiramente original no futebol mundial foi o famoso "arrastão" da Holanda em 1974 – o movimento coletivo para abafar o adversário que estava com a bola para induzí-lo ao chutão e colocar os companheiros em impedimento no campo de ataque.
Guardiola combinou conceitos de Johan Cruyff, Arrigo Sacchi, Marcelo Bielsa, Ricardo La Volpe, Juan Manuel Lillo, Cesar Menotti, Louis Van Gaal e outros para formular novos métodos de treinamento e produzir um modelo de jogo no Barcelona que combinava posse de bola, marcação por pressão e compactação dos setores. Porém atualizados, alinhados ao que se faz no século XXI. Uma combinação de estilos que mudou o esporte para sempre, tanto pelo que conquistou quanto pelo que exigiu de movimento dos concorrentes e fez o jogo evoluir trinta anos em oito.
Luxemburgo desconsidera o estudo e o trabalho. Fica preso à ideia original. Como quem prova pão refinado, elaborado em uma panificadora com os processos industriais e artesanais mais modernos e teima que tudo é pão e tem a coragem de afirmar que fazia o mesmo no forno da própria casa. Ou quem aprende as letras e os números e conclui que nada mais precisa estudar porque todo o resto é uma derivação.
Durante o programa, o técnico se irritou com os comentaristas convidados. Só ele tem razão. Mas teve que ouvir calado a crítica sutil de Galvão Bueno ao citar técnicos que estudaram e aprenderam a ser comunicar em vários idiomas e, por isso, construíram carreiras sólidas no exterior. Já Luxemburgo afirmou durante anos que seu sonho era trabalhar na Europa, mas passou vergonha no Real Madrid em 2005 com seu portunhol grotesco.
Tanta arrogância impossibilita uma autocrítica verdadeira, de quem não entrega resultados e desempenho porque parou no tempo. Mesmo no Brasil que está longe de ser o centro mais atualizado. Ou até na China, país no qual protagonizou o maior vexame de sua carreira ao ser demitido por um clube da segunda divisão.
O técnico observa o futebol de hoje sem os olhos do aprendiz. Talvez porque o jogo em si nem esteja mais entre as suas prioridades. Por isso nunca vai entender Guardiola. Nem Thomas Tuchel, Mauricio Pochettino ou quem mais vier no futuro. Porque está preso às próprias lembranças e de lá não vai sair. Uma pena.
Sobre o Autor
André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com
Sobre o Blog
O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.