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O "fator Renato Gaúcho"

André Rocha

02/12/2017 09h22

Independentemente do que acontecer no Mundial Interclubes, o único brasileiro campeão da Libertadores como jogador e treinador merece a tão sonhada estátua do clube que o tem como maior ídolo da história. Inclusive ele nem precisava pedir tanto. É algo que não se exige. Conquista. E ele já fez jus.

Mesmo antes do tricampeonato continental. Pelas digitais, pelo sangue e suor na primeira conquista da América, na única do Mundial e nos bons trabalhos em 2010 e 2013 como treinador. Ainda que o jeitão carioca cultivado ao longo dos anos fuja do estereótipo do clube e da cidade.

Renato Portaluppi merece todas as homenagens do Grêmio e do futebol brasileiro. Mais que isso, deveria a partir de agora dar nome ao fator da imprevisibilidade no esporte. Exatamente o que o torna mais apaixonante.

Porque era difícil, quase impossível, imaginar o sucesso nesse retorno ao tricolor gaúcho. Dois anos sem comandar uma equipe, vindo de um trabalho muito ruim no Fluminense em 2014. Desconectado do futebol atual. Contrato de apenas três meses por conta das incertezas do futuro após a eleição. A impressão era de que o próprio clube não botava muita fé na escolha.

Principalmente porque pela personalidade do novo comandante, a tendência seria desmontar o bom trabalho de consolidação de uma maneira de jogar construído por Roger Machado. Herdeiro de uma passagem frustrante de Luiz Felipe Scolari. Ou seja, trazer Renato soava como uma nova volta ao passado. Um retrocesso.

Mas Renato não incorreu no equívoco de Felipão, que colocou demais a mão no esforço do Grêmio, desde Enderson Moreira em 2014, de criar uma identidade de jogo. Inteligente, manteve os alicerces e mirou no acabamento da obra dentro do campo: time mais contundente e rápido no ataque, concentrado defensivamente e atento nas jogadas aéreas com bola parada. Os problemas minaram a gestão do antecessor.

O vestiário não era problema. Sempre foi mestre em chamar os jogadores para perto, motivá-los com carinho ou provocação. Conhece o cheiro, tem sensibilidade. Foi sempre seu maior trunfo como treinador. Preenchida outra lacuna de Roger, que reconheceu internamente que havia perdido o grupo. Sempre um erro letal.

Conquista da Copa do Brasil com autoridade. Primeiro título nacional depois de 15 anos. Manutenção para o ano seguinte, com moral para, agora sim, fazer do seu jeito.

No estadual, a busca de um time mais com a sua cara: menos posse de bola, ainda mais vertical. Buscando diretamente uma referência no ataque para ganhar a segunda bola e definir mais rapidamente as ações de ataque. As primeiras tentativas não foram muito felizes e ele foi convencido a retornar ao plano original.

Talvez por isso a resistência e os atritos com o departamento de análise de desempenho que ficaram escancaradas após o "caso drone" e, em seguida, a saída de Eduardo Cecconi, responsável pelo setor e alçado à condição de chefe por Roger. O treinador que trouxe a análise para o processo decisório da comissão técnica. Com o departamento forte a assinatura do estilo de jogo não podia, nem pode ser só do Portaluppi.

Não, Roger não é campeão da Copa do Brasil, muito menos da Libertadores. Os méritos são de Renato, porque o futebol não se resume ao modelo de jogo. Renato acertou um carro com boa estrutura, mas precisando de ajustes para ganhar estabilidade e força. Mas é dever reconhecer que sem a ideia assimilada pela base do elenco de jogo apoiado, triangulações e Luan circulando entre a defesa e o meio-campo adversário a missão seria bem mais complicada.

No país do Fla-Flu, da intolerância e do pensamento binário, que despreza os vários tons de cinza entre o preto e o branco, não existem as nuances, as interseções. Ou Renato é Deus, ou você é apenas uma "viúva do Roger". Não é, nem pode ser assim.

Agora surgem os "profetas do acontecido", os que sempre acreditaram. É claro que eles existiam em setembro de 2016, mas movidos por uma fé no messias. No maior ídolo. Ou por ser fã do personagem Renato Gaúcho, o fanfarrão, homem das mais de mil mulheres, das tiradas geniais, das bravatas. Que para a imprensa troca o estudo pela praia, mas manda espionar os adversários.

A razão não sugeria uma empreitada tão feliz. O contexto ajudou a virar do avesso e reescrever a história.

Por isso fica a lição. Dentro de qualquer análise sempre terá que ser incluído o "fator Renato Gaúcho" de imprevisibilidade. Do "errado", em tese, que na prática pode dar muito certo. Algo que existe em qualquer setor. É da vida. Mas só o futebol é capaz de proporcionar com tamanha intensidade. Ainda bem.

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Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.