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Mano Menezes está seguindo a "cartilha "Darth Vader" de José Mourinho?

André Rocha

20/05/2019 07h17

Foto: Vinícius Silva/Cruzeiro

Em 180 minutos entre Fluminense e Cruzeiro no Maracanã, disputas por Copa do Brasil e Brasileiro, foram 40 finalizações do Flu contra quatro do time mineiro, que teve uma média de apenas 40% de posse de bola nas duas partidas, segundo números do Footstats. Cinco gols do tricolor, apenas dois da equipe celeste. Apesar dos três anos de trabalho de Mano Menezes contra os cinco meses de Fernando Diniz. Sem contar o abismo de estrutura e capacidade de investimento entre os clubes.

Depois de bons resultados e algumas atuações animadoras na conquista do título mineiro e na boa campanha da fase de grupos na Libertadores, a dura realidade chegou no Brasileiro: em três jogos grandes, contra Flamengo, Internacional e o próprio Flu, derrotas com dez gols sofridos e apenas três anotados. O mais incômodo, porém, é a firme convicção de que a proposta de jogo extremamente cautelosa e reativa é a única possível, apesar do discurso do treinador no início do ano admitindo a necessidade de ter mais a bola e agora reconhecendo que o time segue devendo.

Mas tendo a Copa do Brasil como álibi e trunfo. Pelo bicampeonato e a chance de decidir em casa a vaga nas quartas e continuar na busca do tricampeonato. Mais a fé em melhor campanha na Libertadores. O Cruzeiro é mais um que prioriza o mata-mata relegando os pontos corridos à terceira opção na temporada. Ou quarta, abaixo até do estadual de forte rivalidade com o Atlético.

Quem tem boa memória e vê Mano Menezes tão convicto na aposta de um modelo de jogo tão pouco propositivo não reconhece o técnico que sempre prezou a solidez defensiva e é um dos "arquitetos" da identidade corintiana nos últimos anos, mas armou equipes ofensivas. Como o Grêmio vice-campeão da Libertadores em 2007, o próprio Corinthians de Ronaldo Fenômeno campeão paulista invicto e da Copa do Brasil em 2009 e até a seleção brasileira, especialmente na reta final do trabalho em 2012, com o quarteto ofensivo formado por Hulk, Oscar, Kaká e Neymar como atacante móvel.

Mano prezava a posse de bola. Em entrevista ao nosso Mauro Beting que foi incluída no livro sobre o Flamengo de 1981 em parceria com este blogueiro lançado em 2011 pela editora Maquinária, o treinador reverenciava a técnica e a versatilidade do time multicampeão liderado por Zico. Especialmente a capacidade de ocupar o campo de ataque e trabalhar com toques curtos.

O que mudou na cabeça deste profissional? Difícil construir uma tese irrefutável, mas há alguns indícios. Como a demissão traumática da CBF no momento em que começava a encontrar uma seleção que enfim aliasse desempenho e resultados. Acabou trocado por Luiz Felipe Scolari, com filosofia bem diferente da que vinha aplicando, embora ambos venham da escola gaúcha – Mano mais Enio Andrade, Felipão mais Carlos Froner.

Uma passagem controversa pelo Flamengo, com saída intempestiva e até hoje não tão bem explicada e a volta ao Corinthians em 2014. Ali já foi possível notar uma mudança nas ideias. Linhas compactas, transições rápidas, Paolo Guerrero retendo a bola na frente esperando os companheiros e tendo o jovem Malcom como o outro desafogo, mas na velocidade.

No Cruzeiro, a primeira Copa do Brasil em 2017 com vitória nos pênaltis sobre o Flamengo depois de 180 minutos de posse de bola do rival e pragmatismo absoluto até na disputa decisiva no Mineirão. Com a conquista, o paradigma foi quebrado de vez, contrariando até a escola do time mineiro, de Tostão, Dirceu Lopes, Alex…Proposta ratificada com o segundo título do mata-mata nacional.

Além da mudança na visão de futebol, uma alteração também no comportamento. À beira do campo e nas entrevistas. Reclamações exageradas com arbitragem, muito desvio de foco nas derrotas, ironias e mensagens "subliminares" para adversários e desafetos.

Impossível não lembrar de José Mourinho. Ambos com os mesmos 56 anos – Mano é apenas seis meses mais velho. O português que também sempre teve a organização defensiva como base de seu trabalho, mas que não abria mão de atacar. No Porto que venceu a Champions em 2004, no Chelsea bicampeão da Premier League em 2005 e 2006 e na Internazionale que dominou a Série A italiana de 2009 e 2010.

O provável "turning point" foi o duelo com o Barcelona de Pep Guardiola no Camp Nou pela semifinal da Liga dos Campeões 2009/10. Depois da coragem de atacar o time de Messi, Xavi e Iniesta em Milão na vitória por 3 a 1, a retranca "handebol" por necessidade após a expulsão de Thiago Motta, chegando a alinhar sete jogadores na defesa para proteger a meta de Júlio César. Mesmo derrotado por 1 a 0, a classificação para a final marcou o sucesso daquela estratégia que virou tendência. A ponto do próprio Mourinho definir aquela semifinal como a mais bela disputa dos últimos 50 anos no futebol. Certamente uma das mais simbólicas e influentes do esporte.

Triunfo que acabou rendendo ao português um contrato com o poderoso Real Madrid. Na Espanha, mais disputas com Guardiola. Polêmicas, tensas, com "jogos mentais" que atraíram os olhos do mundo e também desgastaram os dois treinadores, então os melhores do planeta. A ponto do catalão deixar o Barça para um "ano sabático" e Mourinho esgotar mentalmente seus comandados e ruir a gestão de grupo em 2012/13.

Embate que norteou a postura do português nas temporadas seguintes. Abraçando o personagem sarcástico fora de campo e o técnico que "estaciona o ônibus" e virou símbolo de retranca. Afirmando a imagem de anti-Guardiola, como dois lados da mesma moeda. Assim reafirmando a rivalidade, que em um primeiro momento foi resgatada com ambos dirigindo os rivais de Manchester, mas depois acabou diluída, principalmente pela ascensão de Jurgen Klopp e a queda de Mourinho, demitido pelo United.

Mano Menezes parece seguir a mesma "cartilha Darth Vader". Do personagem "maldito" como o da saga "Guerra nas Estrelas". Talvez com Tite como o "Guardiola" do técnico do Cruzeiro, mas em outro contexto. Sucessor no Corinthians depois de uma passagem infeliz de Adilson Batista, comandou o time na sonhada conquista da Libertadores em 2012. Mano também carrega uma mágoa por não ter seguido no clube em 2015 e Tite, de novo herdando a vaga, conquistar outro Brasileiro, pavimentando o caminho para a seleção brasileira – mais uma frustração do treinador cruzeirense.

É possível que não seja acaso que quando Tite se reciclou e passou a buscar protagonismo pela posse de bola e um estilo mais criativo, Mano Menezes tenha procurado a direção oposta. Um "outsider" como José Mourinho. Nada contra, é legítimo e pode entregar bom futebol e conquistas. Os excessos, porém, custaram caro ao português, que ficou longe de repetir as conquistas do auge da carreira.

O brasileiro, sem currículo tão robusto, pode corrigir a rota para não se tornar caricato. Os rótulos de "retranqueiro" e "polêmico" não costumam ser confortáveis, nem fáceis de ser desconstruídos. Ainda é tempo de mudar.

 

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Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.