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Rogério Ceni, Mano Menezes e a resistência da "casinha fechada"

André Rocha

09/09/2019 06h23

Foto: Fernando Dantas / Gazeta Press

– A única coisa que eu digo é que, se for para continuar no Cruzeiro, tem que ser de maneira diferente. Se a gente precisar mudar drasticamente a situação, mesmo que a gente apanhe nos próximos jogos, mas a atitude tem que mudar. Caso contrário, não faz sentido nem eu ficar aqui.

Palavras de Rogério Ceni depois de ver o Cruzeiro ser goleado em casa para o Grêmio por 4 a 1. Deixando claro que, apesar dos problemas financeiros do clube mineiro com salários atrasados, o problema é no campo. E não é difícil de entender.

O Cruzeiro tem um elenco repleto de veteranos, todos adversários de Ceni quando goleiro do São Paulo – Fábio, Dedé, Henrique, Thiago Neves e Fred, entre outros. Com um bicampeonato de Copa do Brasil recente sob o comando de Mano Menezes e com uma proposta de jogo diametralmente diferente da que o novo técnico pretende implementar.

Para o jogador que não é mais tão jovem e tem dificuldades para entregar a intensidade necessária para ser competitivo hoje, a ideia de futebol mais sedutora é a de "fechar a casinha" e deixar o talento decidir na frente. Porque protege todo mundo. Defensores e volantes ficam mais resguardados, um centroavante e, no máximo, um meia têm menos obrigações sem a bola. Compreensível. É humano.

Ceni gosta de pressão no campo de ataque, reação rápida à perda da bola. Fred, por exemplo, realizou esses movimentos poucas vezes na carreira. Thiago Neves também não está acostumado. Veteranos não apreciam muitas mudanças no time e jogadores executando funções diferentes de suas posições, como nas reclamações de Neves depois da derrota por 3 a 0 e eliminação para o Internacional na Copa do Brasil. É cada um na sua e garantia de titularidade para ficar tudo bem no vestiário.

O novo treinador do Cruzeiro era a grande estrela do Fortaleza. A referência, a voz a ser ouvida e o personagem que atraía mídia para o clube cearense. Sair para comandar um elenco vencedor e naturalmente resistente a novas ideias ("mudar para quê?") não é tão simples. Se Pep Guardiola com toda sua moral por construir o Barcelona que está entre os grandes times da história sofreu nos primeiros meses de Bayern de Munique em 2013, imagine Ceni no lado azul de Minas Gerais.

É difícil lutar contra a cultura do futebol reativo. Até porque ela é negada sempre que possível publicamente. Como a retórica de Mano Menezes em sua chegada ao Palmeiras: organização defensiva é uma coisa, futebol reativo e contra-ataque é outra. De fato, até porque agrupar jogadores assim que perde a bola para sufocar o adversário já é uma organização defensiva.

Mas no Cruzeiro de Mano Menezes a postura constante, principalmente em mata-mata, era recuar linhas e reagir à iniciativa do oponente. Algumas vezes no próprio Mineirão. Atacar só quando não há outra saída. Como na estreia do treinador no Palmeiras. Só com o Brasileiro para disputar, seis pontos atrás do líder Flamengo  – um jogo a menos, contra o Fluminense em casa. Encarando o frágil Goiás de Ney Franco, mesmo no Serra Dourada. Era obrigação sair para o jogo.

Atacou desde o início e até apresentou uma solução interessante na formação inicial: Dudu atrás do centroavante Luiz Adriano em um 4-2-3-1, com liberdade para circular e se juntar à dupla lateral-ponteiro para criar superioridade numérica pelos flancos. Assim a equipe paulista dominou e criou boas chances desde o início do jogo, apesar do gol da vitória, de Gustavo Scarpa, ter saído no abafa, já nos acréscimos em complemento à uma cobrança de lateral na área. De virada, algo que Luiz Felipe Scolari não conseguiu em pouco mais de um ano de clube.

Mas Mano tem "casca" no ofício e respaldo de conquistas, embora nenhuma nos pontos corridos que agora disputa como única frente no novo clube. Rogério Ceni tem que penar mais para impor suas convicções. Mesmo com o exemplo de Flamengo e Santos, comandados por Jorge Jesus e Sampaoli, disputando a liderança do Brasileiro com ideias semelhantes, a tarefa é complicada.

Ser criativo e ousado só se os bons resultados desde o início respaldarem. Porque a "casinha fechada" resiste.

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Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

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