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Afinal, o que faltou à seleção de Telê em 1982?

André Rocha

11/04/2020 10h30

Itália 3×2 Brasil certamente foi o jogo que mais revi na vida. Assim que coloquei internet banda larga em casa, a primeira partida na íntegra a fazer download, pelo E-mule. Narração em italiano.

Não é absurdo dizer que foi o jogo que ajudou a moldar meu caráter e reforçar a paixão pelo futebol. Porque foram as primeiras lágrimas por causa do esporte.

Antes de ser torcedor do Flamengo eu era fã do Zico. Da seleção. O Galinho não era derrotado com a camisa verde e amarela desde um amistoso contra a União Soviética no Maracanã em 1980. Passei a acompanhar o rubro-negro mais de perto a partir do segundo semestre de 1981.

Com as conquistas do Carioca, da Libertadores, do Mundial e do Brasileiro no ano seguinte, na minha cabeça de menino de nove anos – e na época a criança era ingênua mesmo – o Zico era um super-herói que nunca perdia. Ou sempre tinha uma nova chance de ser campeão.

Ao perguntar para o meu avô quando seria o próximo jogo e ele me explicar que havia acabado e o camisa dez da seleção voltaria para casa com seus companheiros, o chão se abriu no meu mundo de sonhos. E ao ver um vizinho sempre com sorriso no rosto chorando como criança sentado na calçada eu tive contato pela primeira vez com algo próximo do luto. Impossível esquecer.

Afinal, o que faltou à seleção comandada por Telê Santana para se classificar naquela segunda fase e passar para a semifinal contra a Polônia?

Por incrível que pareça, a cada vez que revejo a partida, lembro da trajetória da seleção até o Mundial na Espanha e dos quatro jogos anteriores, a análise vai perdendo camadas e se simplificando. A rigor, faltou a cabeçada de Oscar no último ataque sair do alcance do goleiro Zoff. Ou o arqueiro veterano dar o rebote para Zico, o brasileiro mais próximo da meta italiana.

Pode parecer simplismo. Mas já notou como as narrativas são criadas a partir do resultado puro, nu?

Imagine que o Brasil empatasse em 3 a 3, se classificasse e partisse para o título mundial. Como seria lembrado o jogo do Sarriá? Talvez como os que o escrete canarinho não venceu nas campanhas vitoriosas. Com um pouco mais de drama que os empates sem gols contra Inglaterra em 1958 e Tchecoslováquia quatro anos depois. Ou o 1 a 1 com a Suécia em 1994.

Seria rotulado como "um susto" ou "a pior atuação na campanha". Sem dissecar cada jogada, detalhar cada erro ou apontar mudanças na equipe que poderiam resolver questões táticas ou erros individuais.

Mas perdeu. E o olhar muda. Vai em retrospectiva. O que aconteceu de errado no caminho que não percebemos e estourou nos três gols de Paolo Rossi?

Seria o goleiro Valdir Peres? Mas ele não falhou em nenhum gol da Azzurra, só na estreia contra a União Soviética. Depois de brilhar na excursão europeia, no amistoso contra a Alemanha no Maracanã e, na própria Copa, contra a Argentina. Valdir era pior que o Félix de 1970, por exemplo?

Ou o problema foi Serginho Chulapa? Virou titular pela lesão de Careca, tinha sido o vice-artilheiro do Brasileiro daquele ano, poucos meses antes, com 20 gols – um a menos que Zico, que jogou cinco partidas a mais. Que até conseguiu marcar dois sobre Nova Zelândia e Argentina.

Péssima atuação contra a Itália, atrapalhando Zico em uma chance cristalina, tentando um calcanhar maluco no segundo tempo e saindo em seguida para a entrada de Paulo Isidoro. Mas vejamos a França em seus dois títulos mundiais. Venceu, de certa forma, apesar de seus centroavantes Dugarry e Giroud. O Brasil de Telê poderia ter sobrevivido mesmo sem um camisa nove brilhante e/ou móvel.

Até a mudança tática para encaixar Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico no meio-campo tinha encontrado soluções ao longo dos jogos. Dos últimos nove gols brasileiros desde o jogo contra a Nova Zelândia, seis foram criados ou finalizados pelo lado direito. Os dois contra a Itália, de Sócrates e Falcão. O revezamento no setor passou a funcionar e a movimentação era justamente a maior virtude coletiva daquela seleção.

E não dá para responsabilizar a ausência de Paulo Isidoro no trabalho defensivo com Leandro nos gols italianos. No primeiro, logo no início da partida, a inversão de Conti para Cabrini já encontra o lateral esquerdo na zona de marcação de Leandro, que não saiu para pressionar e permitiu o cruzamento.

Do lado oposto talvez estivesse o grande problema de Telê naquela tarde quente em Barcelona. A atuação defensiva de Júnior foi trágica. Curioso que o lateral liberado para atacar e que armava como mais um meio-campista costumava sofrer quando encontrava um ponta típico, veloz e driblador.

Bruno Conti era canhoto e circulava pelo campo, mais articulador. Não era de partir para cima. Os equívocos de Junior foram fundamentalmente de posicionamento. No primeiro gol, Rossi infiltra entre ele e Luisinho. No terceiro ele demora a sair na linha de impedimento e dá condições ao iluminado camisa 20 do rival.

Ainda daria condições a Antognoni no gol mal anulado que decretaria os 4 a 2 nos minutos finais e deixou Rossi livre em chance cristalina que o artilheiro desperdiçou na segunda etapa. Um desastre tão grande quanto Eder. Destaque da seleção nos jogos anteriores, claramente sentiu o jogo e pouco produziu, mesmo enfrentando o improvisado meio-campista Oriali, que virou lateral para que Gentile perseguisse Zico por todo campo. Só apareceu colocando a bola na cabeça de Oscar no final do jogo.

Seria o gol redentor de todos os pecados. A "raça" do zagueiro seria exaltada e ele entraria na galeria de "herois do tetra". Mas Zoff pegou "pelo rabo" em uma das grandes defesas da história das Copas. A maior da carreira, segundo o próprio goleiro.

Talvez Telê pudesse ter pedido um pouco mais de cuidados a partir dos jogos eliminatórios, com Leandro e Junior alternando apoio nas laterais, o mesmo com Cerezo e Falcão à frente da defesa. Ou exigido concentração, para evitar falhas como a do próprio Cerezo no segundo gol, entregando nos pés de Rossi com o time saindo para o ataque. Ou o gol derradeiro, com todos dentro da própria área, porém deixando o centroavante adversário livre.

Mas não houve irresponsabilidade, nem ataques desnecessários com o placar favorável. O Brasil de Telê Santana era competitivo e contava com jogadores experientes e vencedores. Pouco tempo antes, Leandro, Junior e Zico seguraram o Grêmio na final do Brasileiro em Porto Alegre. Com solidez defensiva e posse de bola.

Simplesmente não era para ser. O Brasil já venceu Copas com mais problemas coletivos e na preparação, como em 2002, por exemplo. Poucos lembram, mas Ronaldo tem uma atuação ridícula contra a Inglaterra nas quartas. Mal tocou na bola. Não fossem Rivaldo e Ronaldinho e a equipe de Felipão talvez tivesse voltado para casa. A história que fica é o penta com Fenômeno heroi, o que também é justo.

O fato é que a Itália era forte e a má campanha na primeira fase contra Peru, Polônia e Camarões foi ilusória, ou um contratempo natural. A base de Enzo Bearzot era a mesma da campanha do quarto lugar na Argentina em 1978. Vencendo os donos da casa na primeira fase, perdendo para a Holanda jogando melhor e sendo alijada da final. Segundo Zico, a melhor seleção daquele Mundial.

O timaço de Zoff, Scirea, Cabrini, Tardelli, Antognoni, Conti e Rossi na sua melhor versão. Foi a grande atuação italiana na campanha do tri e o maior jogo daquela Copa. A Itália não venceu uma equipe ordinária, o Brasil não perdeu para qualquer um.

Porque o futebol é assim. Por isso tão apaixonante. Por isso eu não esqueci e vou lembrar mais uma vez hoje, acompanhando a transmissão do Sportv a partir das 17h30.

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Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

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